quarta-feira, 8 de junho de 2011

De peito aberto

Para o Johnny

Ora bolas para o orgulho de macho e para o stiff upper lip. Ora bolas para as ladainhas que nos martelaram na cabeça desde tenra idade: "um homem não chora, não sejas mariquinhas, sê um homenzinho". Ora bolas para os fados choradinhos, de como os homens são todos iguais, uns insensíveis, uns mentirosos, que só sabem se aproveitar das mulheres. Ora bolas para aqueles e aquelas que confundem vulnerabilidade com fraqueza, sensibilidade com pieguice, violência com virilidade. 

Pois se até o Abrunhosa cantou que "um homem também chora quando assim tem de ser". Por muito que se faça para negar, dentro dos homens também bate um coração. Os homens também amam intensamente, também se entregam de corpo e alma, também sofrem quando o amor termina ou não é correspondido. O mal é que tanto sofrem que não sabem o que fazer com tanta dor. Não é à toa que a maioria dos crimes passionais são cometidos por homens, quando uma mistura de dor, orgulho e ciúme explode num trajecto de uma bala. Outros há que se vão anestesiando com sexo, bebida, jogo ou drogas, tentando enganar os momentos em que a dor é impossível de conter. Dir-se-ia que lhes falta o estoicismo das mulheres. Mas a maioria dos homens, mesmo nas brumas mais profundas, consegue ver uma réstia de azul, lambe as feridas e segue em frente.

Na tua idade, é fácil amar de peito aberto, não colocar rédeas á entrega, manter as emoções à flor da pele. Só que aos poucos, começas a racionalizar e a relativizar. A cada ano que passa, olhas para o teu eu do ano anterior e ris-te desse totó armado em bom quando no fundo não sabia nada da vida, ainda estava para levar umas boas cabeçadas e uns abre-olhos, ao contrário do teu eu actual, infinitamente mais sábio, mais experiente e esclarecido. Para no ano seguinte voltares-te a rir com desprezo dessas tuas convicções entretanto ultrapassadas. E quando te deres por ti, tens a minha idade e verificas que sabes tanto e no entanto sabes tão pouco. Que ser-se adulto não é como entrar num clube onde se adquire toda a maturidade e sabedoria, mas sim que de repente, tornaste-te adulto e que apenas fazes o melhor que podes com o que sabes e o que virás a saber.

Dizia eu, na tua idade é fácil amar intensamente. Mas já aí, os sedimentos da luta entre perdas e ganhos já se instalam. Haverá alguns que se cansam de amar, que decidem que não estão para chatices e fecham o coração a cadeado, preferindo os relacionamentos mais inconsequentes. Outros passam a crer que a confiança é como a virgindade e só se perde uma vez, e olham sempre em volta com desconfiança, dissecam e analisam, esperando encontrar fórmulas para os sentimentos. E ainda outros para quem as linhas entre amor e ódio, paixão e ciúme, entrega e possessão, deixam de existir. 

Mas tu e eu somos daqueles que acreditamos que mais vale cair do que nunca sequer ter voado. Sabemos que por muito profundos sejam os momentos baixos, a suprema glória dos momentos altos fazem tudo valer a pena. E que esta sucessão entre altos e baixos é o que nos faz sentir vivos. Por isso, eu sei que com o passar dos anos, continuarás a colocar a tua paixão em tudo o que fazes, na vida, no amor, no trabalho, nos hobbies. Não recearás as lágrimas porque saberás rir por entre elas. Saberás filtrar cada vez melhor o que vale a pena o teu empenho daquilo que não merece a tua energia, e arriscarás no amor com riscos calculados. E se a vida te trocar as contas, só terás que seguir em frente e continuar a viver. E o orgulho que se lixe.      

    

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