tag:blogger.com,1999:blog-47511207531030563362024-03-13T10:00:07.158+00:00Estou-me nas tintasShort stories, poemas e o que mais me passar pela cabeça.Paulohttp://www.blogger.com/profile/00684363818909462724noreply@blogger.comBlogger125125tag:blogger.com,1999:blog-4751120753103056336.post-12091804409292077202017-02-16T16:54:00.001+00:002017-02-16T16:54:15.391+00:00Noite de Açucenas<div style="text-align: justify;">
Era mais uma noite de sexta-feira no mesmo bar de karaoke onde descobri há cerca de um ano que brilhar no karaoke é mais pela atitude do que pela afinação. E sendo minimamente afinado e alcançando uma inesperada autoconfiança que estilhaçava a minha timidez aos primeiros acordes polifónicos da música, dei por mim a fazer sucesso junto do sexo oposto como nunca alguma vez pensei ter. Nas outras noites sou eu mesmo, mas às sextas-feiras sou este alter-ego misto de rei do palco e mestre do engate.</div>
<div style="text-align: justify;">
Mas naquela noite o seduzido fui eu. A princípio ainda revirei os olhos a pensar, mais uma a cantar o "Chamar A Música". Mas assim que a ouvi a voz dela, dizendo que esta noite ela iria ficar prisioneira desse olhar, fiquei hipnotizado. No palco, ela chilreava num simples mas sensual vestido branco. Aproximei-me dela e quando ela olhou para mim, bebi o licor como filtro redentor de amor e o chá feito de aromas que não há. E quando ela terminou a olhar para mim, a noite já era de açucenas. Tudo o queria era abraçar-lhe apenas e chamar a música.</div>
<div style="text-align: justify;">
Fui ter com ela, ofereci-lhe uma bebida, a conversa foi fluindo. Era de Barcelos, estava cá há dois meses e ainda não conhecia este bar. Sim, por vezes ia lá aos <i>karaokes</i> de Barcelos e arredores, gosta muito de cantar embora nunca tivesse pretensões de ser uma estrela. Pelo menos, além do karaoke.</div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
Nessa noite, eu pretendia recorrer a uma das minhas canções para brilhar, o "Last Kiss" dos Pearl Jam, raspando a minha voz um pouco para ficar parecida com o Eddie Vedder e pôr toda a gente a entoar o "<i>whoooooa</i>" no final. Mas com ela aqui, decidi mudar de canção e troquei o sal do Eddie Vedder pelo gengibre de Ed Sheeran em "Give Me Love". O meu sangue não estava transformado em álcool (até porque raramente bebo mais que a conta) mas cantei-lhe para que ela me desse amor e que tudo o que queria era o sabor que os seus lábios permitissem. Claro que mesmo cantando para ela, não esqueci o resto da audiência e puxei por eles para os "<i>my, my, my</i>" da recta final da canção. Quando desci, já sabia que também ela estava conquistada pela minha magia karokeana e depois só havia uma coisa a fazer. Escaparmo-nos para um sítio mais privado, darmos largas à súbita atracção germinada em cantigas e fazer amor. Com as nossas vozes. </div>
<div style="text-align: justify;">
Foi o que fizemos no resto daquela noite de sexta-feira e nas três noites seguintes, numa das salas privadas do bar onde de microfone em punho, unimos as vozes em orgásmicos duetos. Ela foi Sara Tavares, Sofia Lisboa, Rita Guerra, Kylie Minogue, Tami Tarrell e Bonnie Tyler e eu os seus respectivos Nuno Guerreiro, David Fonseca, Beto, Jason Donovan, Marvin Gaye e Rory Dodd. Até que chegou a noite em que em vez das vozes, os nossos corpos tocaram os acordes na mais perfeita sinfonia amorosa. </div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
Porém quando a manhã de sábado chegou eu já não era aquele alter-ego carismático e conquistador, apenas o meu verdadeiro eu. E com medo de que ela não gostasse do meu eu despido de coragem e magnetismo vocal, dei corda aos sapatos da minha cobardia e fui-me embora enquanto ela ainda dormia sem lhe dizer adeus. </div>
<div style="text-align: justify;">
Só regressei aquele bar de karaoke dois meses mais tarde. Certifiquei-me que era o primeiro entrar logo à hora de abertura, aluguei uma sala privada e entreguei-me a uma parada de canções tristes. Mas as lágrimas só caíram quando terminei a minha via sacra vocal com o "Chamar a Música". Por fim, paguei a hora passada na reclusão e saí ainda com os olhos vermelhos de choro. Mas ainda não tinha dado dois passos, dei de caras com ela. Era o golpe final, ver-me tão desfeito, tão diferente daquele cantor com quem vivera a mais bela das harmonias. Ficámos imóveis a olhar um para o outro, até que ela chegou-se ao pé de mim e cantou-me quase num sussurro:</div>
<div style="text-align: justify;">
<i>"My, my, my, my, oh give me love..." </i></div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<iframe width="320" height="266" class="YOUTUBE-iframe-video" data-thumbnail-src="https://i.ytimg.com/vi/v17Yxil1Jbw/0.jpg" src="https://www.youtube.com/embed/v17Yxil1Jbw?feature=player_embedded" frameborder="0" allowfullscreen></iframe></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /><iframe width="320" height="266" class="YOUTUBE-iframe-video" data-thumbnail-src="https://i.ytimg.com/vi/ZlW8sbSQelg/0.jpg" src="https://www.youtube.com/embed/ZlW8sbSQelg?feature=player_embedded" frameborder="0" allowfullscreen></iframe></div>
<br />
<br />
Paulohttp://www.blogger.com/profile/00684363818909462724noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4751120753103056336.post-70341567381241823462016-12-19T17:50:00.004+00:002016-12-19T17:50:52.457+00:00Eva de Natal<div style="text-align: justify;">
Minha querida irmã Eva</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Este é o teu primeiro Natal. Infelizmente também será provavelmente o teu último, mas não quero pensar nisso agora. Estás aqui connosco e isso faz deste Natal o melhor dos onze Natais que já vivi. E fico feliz por ser possível viveres pelo menos um. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
É que desde que a tua mãe ficou grávida, os médicos disseram que tu tinhas um problema tão grave (trissomia 18) que podias nem sequer nascer viva, ou então que só viverias algumas horas. Mas dentro do teu corpinho tão pequenino e frágil estava uma menina muito valente determinada a viver o maior tempo possível. Até agora são 28 dias. Mesmo com tantos tubos para respirares e seres alimentada, fazes questão de viver o máximo tempo possível. E desde o dia 27 de Novembro que tens sido a nossa prenda de Natal e continuarás a sê-lo muito depois deste Natal. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Não sei se já reparaste mas somos as duas filhas do mesmo pai, mas de mãe diferentes: a minha chama-se Rita e a tua Margarida. Tal como a tua mãe Margarida é também a mãe do Duarte mas o pai dele não é o nosso. Ao que parece, os teus pais namoraram quando eram mais novos, mas depois cada um seguiu o seu caminho, o nosso pai casou com a minha mãe Rita, a tua mãe casou com o pai do Duarte, separaram-se deles, voltaram a encontrar-se e foi como se o amor que eles tiveram em adolescentes regressasse em força com eles já bem crescidos. Por isso é que apesar de todos os problemas e até a sugestão de alguns médicos em não prosseguir a gravidez, para a Margarida nunca houve dúvidas: tu eras uma prova viva do amor deles e, fosse por quanto tempo fosse, ficarias connosco. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Claro que hoje estamos todos muito bem, mas ao início foi muito difícil. Embora compreendesse que os meus pais não eram felizes juntos e apesar de eu ter gostado logo da Margarida, custou-me muito ver outra pessoa no lugar que sempre vi como sendo da minha mãe. Para o Duarte foi ainda mais complicado e demorou muito tempo a aceitar a separação dos pais e mais ainda que de repente teria de dividir as atenções da mãe com um homem que não o pai dele e com uma irmã que ele mal conhecia. Berrou, esperneou, portava-se mal com o meu pai, discutia comigo e chegou a bater-me. Mas com muita paciência por parte da Margarida e do nosso pai, as coisas foram lentamente avançando, todos nós habituámo-nos a esta nova realidade e hoje em dia eu e o Duarte somos mais unidos que muitos irmãos do mesmo sangue. E claro, tal como para os teus pais, para mim e para o Duarte não há nada mais precioso do que tu. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Podes não ver muito bem a árvore de Natal que está na sala, não poder comer os doces que estão na mesa, não perceber que têm chegado muitas prendas para ti, mas espero que tenhas de alguma forma entendido que esta noite e este dia são diferentes de todos os outros do ano. Mesmo que seja para ti mais um dia de luta para viveres cada vez só um pouco mais. E espero que saibas que o nosso Natal é muito mais feliz por te termos aqui ao pé de nós. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O teu avô Manuel disse há pouco que tu eras a nova "Eva de Natal" e explicou-me que no tempo dos nossos pais, havia uma revista chamada Eva cuja edição de Natal vendia-se muito todos os anos porque dava prémios por essa altura. Eu nunca vi essa revista pois acabou vários anos antes de eu nascer, mas os meus pais e a Margarida lembram-se bem dela. Pois este Natal, temos cá uma Eva que não é uma revista mas sim uma linda menina com pouco menos de três quilos que nos dá o prémio de viver há 28 dias connosco neste mundo.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Entristece-me tanto pensar que talvez não te restarão muito mais dias connosco, que não viverás para poderes crescer, falar, andar e brincar comigo e com o Duarte. Por isso não tenho dormido muito nestes dias, quero apanhar cada momento deste Natal contigo para trazer sempre este Natal no coração. Nem eu, nem a Margarida, nem o Duarte nem o nosso pai trocaria os últimos 28 dias mais aqueles que Deus ainda te vai dar aqui connosco por viver cem anos sem ti. E pelo menos nos nossos corações viverás para sempre. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Feliz Natal, Eva. </div>
<div>
<br /></div>
Paulohttp://www.blogger.com/profile/00684363818909462724noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4751120753103056336.post-16487370983452901782016-03-07T23:17:00.004+00:002018-03-04T19:02:34.704+00:00Estava A Pedi-las<div style="text-align: justify;">
Olá a todos. Venho por este meio responder a todos os comentários que tenho ouvido em surdina quando estou na rua, que tenho lido nas redes sociais e que a minha família e amigos têm escutado por vários meios. Em breve, vou depôr em julgamento contra aquele que me violou há uns meses atrás. Mas eu sou obrigada a concordar com o que têm dito: sim, a culpa é toda minha. Posso não ser julgada em tribunal, mas eu sou a verdadeira julgada em praça pública - e com toda a razão. Eu estava a pedi-las.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Eu bem que podia argumentar que fui agarrada, completamente desprevenida, por ele à saída do bar, que debati-me com todas as forças para que ele me soltasse (esforço inútil já que ele é era bem maior do que eu, conseguindo facilmente dominar-me, mas ainda assim lutando até ao fim), que lhe implorei que parasse e disse repetidamente "Não", que durante todo este incidente fui brutalmente agredida e que no fim, atirou-me para fora do carro como lixo, que além das marcas da agressão sexual fiquei toda cheia de hematomas dos murros e estaladas que ele me deu. Mas isso são desculpas de mau pagador. Tal como dizem por aí, eu estava a pedi-las. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Toda a gente sabe que se uma mulher sai à noite é para se exibir, para chamar a atenção dos machos em redor e para que pelo menos um deles lhe salte em cima. Então, se ela veste uma saia curta, como eu vestia nessa noite, mais vale também andar com um cartaz a dizer "COMAM-ME!". Isso de uma mulher querer, com essa saída, apenas uma noite de diversão e descontração com as amigas, ou de querer usar saia curta simplesmente para se sentir bonita, é tudo conversa fiada. E quando uma mulher diz não, na verdade ela está a dizer sim, a fazer-se difícil e a adiar o óbvio. Logo, como eu estava de saia curta e ainda por cima um decote que apesar de não muito grande, não subia até ao queixo, eu estava a pedi-las. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Toda a gente sabe que os homens são uns coitados, têm a carne fraca, não se controlam. Pelos vistos aquilo que eu li sobre a teoria da evolução são tudo balelas. É que não podem ver uma mulher a mostrar um pouco de carne, que ficam doidos, incapazes de controlar os seus impulsos, cegos a tudo mais. Mas a culpa não é deles, coitadinhos. É de quem lhes acena com tanta carne pronta a ser devorada e depois faz-lhes negaças. E se eles apanham uma a jeito, que mais pode uma mulher fazer senão ceder e deixar que eles saciem as vontades? Quando ele olhou por mim, tão provocante e lasciva, que podia ele fazer senão fazer-se a mim à bruta? Eu estava a pedi-las.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Toda a gente sabe que uns bons pais não deixam as filhas fazer essas figuras. Ao deixarem-me vestir aquilo que bem me apetecer, sair para onde eu quiser e já agora, pensar por mim própria, está visto que os meus pais não souberam educar-me. Ou então não sabiam a filha desnaturada que tinham em casa. Com uma educação tão defeituosa, eu estava a pedi-las.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Toda a gente sabe que uma boa rapariga não gosta de sexo. Mantém-se pura e casta até ao casamento, é imune a pensamentos lascivos. As outras, as más raparigas, oferecem-se a cada um sempre que podem. Seduzem os coitadinhos dos homens com a sua armadilha inescapável de luxúria. Desviam bons rapazes, são poços de infecções e sarilhos. São umas desvairadas e só servem de receptáculos para as satisfações momentâneas dos machos. Não há meio-termo entre umas e outras. Não foi por amor ou por desejo de intimidade e afecto que tive sexo ao longo da minha vida, foi porque sou uma tarada ninfomaníaca que não se dá ao respeito. Bem que podia dizer que foi só durante as três relações de namoro, todas elas relativamente longas e apenas quando a relação já estava minimamente sólida, mas toda a gente, que sabe mais da minha vida do que eu própria, afirma que foram mais que isso, que sempre me viram agarrada a este e aqueloutro. Logo, eu estava a pedi-las. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Toda a gente sabe que eu afinal queria e como não foi como pretendia, estou agora a fazer-me de vítima. Aliás, ele até nem fez nada, eu é que me fiz a ele. Toda a gente o conhece, é tão bom rapaz, de boas famílias, seria lá ele capaz de uma barbaridade dessas. Só posso ser eu que estou ressabiada por ele não me ter dado trela e agora resolvi estragar a vida ao rapaz, coitado. Se a minha vida já está estragada, se vou ter de carregar as marcas exteriores e interiores daquilo que sofri, se eu vou passar o resto da vida com medo de tudo e de todos, pouco importa. Eu estava a pedi-las. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Dadas as provas das minhas marcas e do ADN dele, as testemunhas que o viram a arrastar-me à força ou a ser cuspida para fora do carro dele mais morta que viva e as fracas justificações dele, em princípio ele será condenado pela justiça. Mas mesmo que se faça justiça em tribunal, não consigo sentir que a verdadeira justiça será feita. Não enquanto eu me sentir como a verdadeira condenada e culpada. Não enquanto pensarem que, mesmo contra as evidências mais evidentes, eu estava a pedi-las. </div>
Paulohttp://www.blogger.com/profile/00684363818909462724noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4751120753103056336.post-89174563046649927742016-02-24T23:21:00.001+00:002016-02-24T23:24:27.560+00:00Sem Segredo<div style="text-align: justify;">
Vanessa</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Perguntas tu e pergunta muita gente qual é o meu segredo para manter um relação tão apaixonada com o Sérgio ao fim de dez anos de casamento, tendo os dois trabalhos tão exigentes e dois filhos que ainda requerem tanto da nossa atenção. A verdade é que eu não sei. A sério.</div>
<div style="text-align: justify;">
É que são muitas as vezes que caímos redondos na cama sem vontade para mais nada senão dormir. Tantas vezes que andamos num turbilhão de preocupações, ele é um dos miúdos que adoece, ele é algum pagamento que ficou em atraso, ele é a roupa que fica por passar, ele é um risco num dos carros e parece que andamos sempre nisto de problemas em problemas que nem dá para trocarmos meia dúzia de palavras como deve ser.</div>
<div style="text-align: justify;">
Para além disso, há aqueles momentos de tédio e de tensão, em que um de nós diz ou faz algo que deixa o outro irritado sem que não se possa dizer nada até lhe passar o amuo. Ou então acontece nos apetece estar cada um na esfera pessoal sem ter o outro por perto, ou pura e simplesmente não nos apetece rigorosamente nada.</div>
<div style="text-align: justify;">
E depois é como alguém disse, "viver é escolher um de mil caminhos e pensar como seriam os outros 999". Como sabes, pensei muito no César nas semanas a seguir ao nosso jantar de reunião de turma e nem sempre da forma mais ingénua. Tal como sei que o Sérgio repara e aprecia as atenções de outras mulheres no seu dia-a-dia e que já terá tido os seus pensamentos libidinosos envolvendo outras mulheres além de mim. Ou simplesmente, ocorre-nos pensar se fizemos as melhores escolhas possíveis. Por muita convicção e determinação que uma pessoa tenha em se comprometer com alguém para, pressupõe-se, o resto da vida, a ideia de que essa mesma pessoa ficará ao nosso lado até que a morte nos separe é assustadora. Até porque ao longo do tempo, vamos mudando e transformando. Eu já não sou aquela que há dez anos marchou até ao altar da igreja, tal como o Sérgio de então é bastante diferente do Sérgio de agora. </div>
<div style="text-align: justify;">
Gosto de pensar que são as pequeninas coisas que engrandecem e mantêm a nossa união viva e forte ao fim deste tempo todo: os breves períodos de tranquilidade entre fases turbulentas, as palavras certas ditas nos momentos certos, os pequenos gestos que escondem grande valor, os inesperados ataques de desejo que surgem do nada, os rasgos de humor e ternura dos miúdos que nos enche de orgulho, os subtis actos de compreensão.</div>
<div style="text-align: justify;">
Mas pode ser que temos é muita sorte e ainda não houve nada que tenha feito ruir os alicerces daquilo que construímos juntos. Infelizmente a vida é cheia de terramotos que abalam até as mais sólidas das fundações e de um momento para o outro, tudo o que acreditamos e temos como seguro desvanece (como aconteceu com a Carina). </div>
<div style="text-align: justify;">
Eu sei bem porque perguntas isso. Já passou a fase de lua-de-mel com o Daniel, onde andavas numa de comédia romântica com laivos de filme erótico. Os pequenos desencantos dele já não se deixam camuflar pelos seus grandes encantos, e mesmo que isso não te faça gostar menos dele, também sabes que é algo que vais ter de lidar. E perguntas-te a ti mesma, se vale a pena dar passos em frente, arriscando a ficares sem chão, enquanto te apercebes que já não dá para recuar para os trilhos que antes pisavas com toda a segurança. </div>
<div style="text-align: justify;">
Tantas perguntas sem resposta, mas não possa ser eu a dá-las. Tomara eu saber a resposta para as minhas. Talvez o segredo seja não haver segredo. Talvez as coisas sejam aquilo que temos à frente, sem nenhum truque escondido e tudo o que achamos complicado afinal é do mais simples que há. Não acontece tanta vez andarmos às voltas à procura de algo que sempre esteve no ponto de partida?</div>
<div style="text-align: justify;">
Por isso, se não sabes por onde caminhar, deixa o mundo girar para veres onde ele te transporta.<br />
<br />
<div style="text-align: right;">
Joana </div>
</div>
Paulohttp://www.blogger.com/profile/00684363818909462724noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4751120753103056336.post-9882681569996691522015-12-21T22:06:00.002+00:002015-12-21T22:06:32.924+00:00Scrooge Apaixonado<div style="text-align: justify;">
Raios partam o Natal. Como é que possível que algo que eu adorava em miúdo pareça-me tão insuportável aos 30 anos? É que eu não tenho pachorra para tanto Jingle Bells, tanta decoração foleira, tanto puto ranhoso a pedinchar brinquedos que provavelmente não vão ligar nenhuma depois, tanta comida para empanturrar, tantas mensagens vazias e hipócritas. Será que as coisas eram mesmo mais simples quando eu era criança ou será que fiquei mais cínico com idade?</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Mas pelo menos para minha mãe, faço um esforço nesta noite de Consoada. Para ela, qualquer ocasião para reunir a família toda é importante, ainda para mais desde que o meu pai morreu há três anos. Por isso, faço o possível para pôr cara alegre e entrar no espírito. Nem que seja pelo faz-de-conta. Por exemplo, faço de conta que sempre adorei as frutas cristalizadas no bolo-rei.</div>
<div style="text-align: justify;">
Faço de conta que não ouvi o meu cunhado num canto a falar ao telemóvel com uma tal de Isabel que provavelmente anda enrolado e a minha irmã faz de conta que o marido dela não pula a cerca. Faço de conta de que não acho que ele é um estupor por enganá-la quando não tem nenhuma razão de queixa dela.</div>
<div style="text-align: justify;">
Faço de conta que a minha cunhada não se tornou uma mulher seca e chata e que a essa sim, acharia algo justificável uma ou outra facadinha que, felizmente ou não, o meu irmão não se atreve a dar. Faço de conta que os meus sobrinhos ainda não passaram a fase de estarem apenas um pouco irrequietos e já se aproximam perigosamente da zona do insuportável. Até a Carolina, com quem sempre tive uma particular proximidade e normalmente tão sossegada, anda feita uma barata tonta a correr de um lado para o outro com o irmão e os primos. Deve ser do <i>sugar rush</i> das azevias e dos chocolates.Faço de conta que a minha mãe não sente imenso a falta do meu pai em todos os momentos, especialmente nestes. </div>
<div style="text-align: justify;">
E sobretudo faço de conta que eu não ando de cinco em cinco minutos a ver se tu enviaste-me uma mensagem para o telemóvel. Bem sei que não fizemos planos nenhuns, que cada um já tinha planeado passar a Consoada com a respectiva família, que ainda não chamamos namoro àquilo que se passa entre nós. Mas volta e meia dou comigo a pensar em ti, em como o meu Natal ideal era ter-te ao meu lado e o resto que se lixe. Mas no meu telemóvel só chegam mensagens formatadas a desejar Feliz Natal e tudo o mais.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Até que de repente ouço o toque de mensagem. "<i>Feliz Natal.</i> <i>Quando puderes, vem cá...</i>" Seis palavrinhas que, qual milagre de Natal, mudam o meu estado de espírito. Faço tudo para não o mostrar mas o olhar sorridente que a minha mãe me lança mal eu te envio a resposta demonstra que ela reparou, como sempre reparou em tudo. </div>
<div style="text-align: justify;">
E de repente, tudo muda. Já sou todo sorrisos. Dou um beijo à minha irmã, imito o Chewbacca para os miúdos, alinho num ginjinha com o meu irmão e o meu cunhado, até arranco um hesitante sorriso à minha cunhada. Quando chega a troca de prendas, vou agradecendo os <i>packs</i> de meias, os frascos do <i>after-shave</i> e o vale do iTunes. Sentada ao meu colo, a Carolina desembrulha a caixinha de jóias da Violetta que ela me pediu e rodeia-me o pescoço para me dar um beijinho repenicado. Se ainda existe algum stress e tensão, já não o sinto. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Quando conduzo pela noite fria, até acho piada às iluminações da cidade, as mesmas desde sei lá quanto tempo. Subo as escadas do teu prédio como um miúdo ansioso por abrir as prendas. Quando me abres a porta e recebes-me com aquele sorriso que me enfeitiçou, sei que ainda é possível inventar um Natal simples, onde basta ter aquela de quem se gosta ao nosso lado, e o cinismo e o faz-de-conta ficam lá fora, no frio invernal. Só mesmo tu para, com um simples SMS, trazeres o espírito de Natal a este Scrooge empedernido que se apaixonou por ti. </div>
Paulohttp://www.blogger.com/profile/00684363818909462724noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4751120753103056336.post-1159526836030314832015-11-14T19:31:00.003+00:002015-11-14T19:31:36.091+00:00K2<div style="text-align: justify;">
Nunca o dissemos abertamente, mas tanto eu como o Fábio sempre achámos um alívio não sermos gémeos idênticos. Já bastava termos que partilhar tanta coisa, mesmo ainda antes de virmos ao mundo, que seria exasperante para nós ter que ver a nossa cara reflectida no outro e sermos vistos como se um fosse o original e outro a cópia, ou pior ainda, como um só. Como naquela anedota em que um pai mostrava uma foto só de um dos filhos gémeos porque e não via porque mostrar também o outro sendo eles iguais. Felizmente a armadilha da genética foi-nos piedosa, apenas com os traços fisionómicos suficientes para que se visse que éramos irmãos um do outro e filhos dos nossos pais. E como se quiséssemos provar desde o parto que viemos juntos mas não misturados, fizemos sempre por reclamar a nossa individualidade. Como tal, era fácil para toda a gente saber desde muito cedo quem era o Bruno e quem era o Fábio. E tem sido assim ao longos dos vinte e sete anos que já vivemos. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O Fábio foi sempre a alma da festa, a voz da vontade, o conversador inato enquanto eu sempre preferi-me perder na profundeza dos meus pensamentos ou no conforto dos números. Claro que tivemos essas nossas brigas, mas não foram mais de que as de quaisquer outros irmãos. Na maioria das vezes a nossa divergência de personalidades acabava por ser bastante harmoniosa e complementar. Que o diga o nosso pai que percebeu que com o meu irmão a dar conversa aos clientes e eu nos bastidores a ver se as letras e os números batem certo, o negócio de família estava bem entregue nas nossas mãos. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Quando o Fábio desafiou-me para a canoagem, o desporto em que ele assentou depois de tentar muitos outros, aceitei algo contrariado. Mas não tardei a perceber que estando no meio da natureza, em harmonia com os elementos, era o desporto ideal para a minha natureza tão filosófica. Na cadência da pagaia, na fluência das águas, nas asas do vento, os meus esforços acabavam por sair-me com uma inesperada facilidade, por vezes até superando o Fábio. </div>
<div style="text-align: justify;">
Mas foi quando nos propuseram juntar forças para o K2, é que os resultados começaram mesmo a aparecer a um ritmo surpreendente até para nós. Tudo bem que estamos longe de ser o Emanuel Silva e o Fernando Pimenta, mas não é a glória olímpica que nos move, mas sim a alegria do esforço e da auto-superação, o contacto da natureza e o reforçar daquele sensação de, por entre as nossas muitas diferenças, sermos desde o primeiro momento companheiros nessa viagem que é a vida. Apesar de apenas muito de vez em quando sentirmos aquela telepatia que dizem que é característica dos gémeos, existe entre nós uma compreensão e uma aceitação mútua que se expressa para além das palavras. É um laço que nos une foi sempre mais forte e mais nítido do que qualquer outra coisa que possamos sentir. </div>
Paulohttp://www.blogger.com/profile/00684363818909462724noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4751120753103056336.post-29894559120771015122015-11-04T22:43:00.001+00:002015-11-04T22:43:37.972+00:00Lua Nova<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Eis-me
aqui, parada junto ao semáforo, tamborilando os dedos no volante, à espera que
acenda a luz verde. São duas da manhã, a rua está deserta, circulo sozinha pela
cidade. Então vem-me à cabeça um cenário de transgressão: e se eu cruzasse este
sinal vermelho, protegida pela solidão desta rua? Como estamos na Lua Nova, nem
sequer a Lua seria testemunha. E aquelas estrelas que aproveitam a ausência de
luar para povilhar o seu brilho no firmamento estão longe demais para me
avistarem cá de baixo. A minha mão desce até ao manípulo das mudanças, o meu pé
já sente a urgência de carregar no acelerador. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">A
luz verde acaba por surgir no preciso instante antes de ceder ao meu impulso
final. Em vez de um arranque vertiginoso sob o chiar dos pneus e o zunido do motor,
avanço sem pressa pela via, seguindo o meu caminho.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Creio
que a primeira vez que senti este desejo transgressor quando tinha cinco anos e
imaginava-me a empurrar o gato malhado da minha avó que dormia descansado num
novelo de si próprio num degrau das escadas. Quase que podia sentir as minhas
mãozinhas sobre o seu volumoso pêlo a pressioná-lo para fora do degrau, o
bichano a despertar estremunhado num grito assustado e a fugir num voo picado
escada abaixo. Depois seguiram-se outros cenários realizados na minha mente,
onde calcava um relvado junto do sinal “<i>Não
pise a relva</i>”, largava um grito em plena biblioteca, desatava-me a rir no
meio de uma missa, puxava o cabelo de uma antipática colega da escola, pegava
num sabonete no supermercado e atirava-o contra a prateleira das lacas para o
cabelo e por aí fora. Claro que nunca fiz nada disso. Primeiro porque
faltava-me sempre a coragem para pisar de vez o risco, e depois porque a
imaginação do acto já me dava pica suficiente, provavelmente mais do que obteria
com a realização. Quando uma vez confessei isto à minha mãe, ela concluiu que
era uma partida do meu subconsciente. Seria precisamente por eu ser tão bem
comportada que me sentia fascinada com maus comportamentos. E no fim, ela
sossegou-me, afirmando:<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">-
É normal ter vontade de ser mau. Fazer maldades é que já não é normal.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">De
facto fui sempre uma menina bem comportada. Obedecia sem grandes protestos às
ordens dos meus pais, mantinha o meu quarto arrumado, era disciplinada e atenta
nas escolas, nunca chegava das saídas à noite depois da hora combinada, nunca
bebi álcool para além da conta, nem sequer nunca fumei um cigarro inteiro. Mas
nesse caso, também não tenho interesse nisso, detesto o cheiro a tabaco. Até
acho pior que o cheiro da ganza. E aliás, a única vez que fumei ganza foi em
Amesterdão, pelo que posso seguramente afirmar nunca fiz nada de ilegal. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Vistas
bem as coisas, a minha mãe tinha razão. Agradava-me mais a ideia de me portar
mal do que propriamente o acto. E qualquer pedrada de adrenalina que pudesse
obter se o fizesse não compensaria certamente as consequências que teria de
enfrentar. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">No
entanto, agora enquanto conduzo pelas ruas desta cidade, não consigo deixar de
pensar que pisei o risco e que tenho de me aguentar à bronca. A bem dizer, não
houve nenhum risco para pisar. Foi sexo consentido entre dois adultos
oficialmente desimpedidos. Mas a frieza das palavras não se encontra no
labirinto dos sentimentos. E o que sinto é que traí o Fernando, ao voltar-me a
entregar de novo ao Gustavo.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">O
Gustavo continuava igual a si próprio: sedutor, descontraído, convidativo,
aplicado. Desta vez tinha regressado a Portugal como membro da banda que
acompanha uma cantora de jazz holandesa na sua digressão europeia e claro que
não perdeu a oportunidade de voltar a ligar-me, para de mais uma vez nos
encontrarmos e matarmos saudades dos corpos um do outro, como temos feito a
espaços durante o último ano e meio. Lançava-me de novo o seu canto de sereio,
na sua voz grave e calma e mais uma vez atordoava-me os sentidos e ateava o
fogo dos meus desejos de mulher, deixando-me incapaz de dizer não.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Porém,
desta vez já havia o Fernando e o meu sim não foi tão imediato. Fui enganando
uma eventual culpa com a racionalização. Eu ainda não namoro com o Fernando.
Quando muito, andamos a ver se andamos a namorar. Se dependesse só dele, já teríamos
relação oficial mas ele tem sabido esperar que eu resolva o puzzle da minha
cabeça e que tome uma atitude, ciente que já não é para mim apenas um amigo e
certo que não tardará a sair da minha <i>friendzone</i>
para o nível seguinte.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Como
sempre, bastou uma porta fechada e estarmos sozinhos entre quatro paredes para
que o Gustavo e eu nos agarrássemos, como se entre nós irradiassem todas as
ondas magnéticas reconhecidas pela Física. As roupas caíram à pressa, as peles
sedentas de contacto, as bocas sequiosas do licor salival, as mãos esvoaçando
por entre as curvas e contracurvas dos músculos, os sexos roçando-se em fúria. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Como
sempre, o Gustavo foi magnífico no seu desempenho, com o seu toque a deixar
cada centímetro da mulher que sou em brasa. A responder às minhas ânsias, a
celebrar-me com beijos, a dominar-me com o seu belo corpo, a impor-me o seu
ritmo vertiginoso, a rasgar-me bem fundo, a garantir-me que os orgasmos seriam alucinantes.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Como
sempre, respondi na mesma forma, deixando-o desvairado para além da razão, sem
outro pensamento senão em possuir-me, inebriado no meu cheiro e sabor de
mulher. Provocando-o com os meus dentes cerrados e as minhas unhas afiadas.
Zunindo-o com os meus gemidos de prazer rumo ao clímax. Movendo-me para que ele
sentisse todos os estremecimentos do meu ventre. Desdobrando-me entre a amante
exigente e a amante submissa, obrigando-o a efectuar a soma das partes.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Como
sempre, ele foi perfeito, o sexo foi além de fantástico. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Só
que desta vez, assim que a euforia desapareceu no éter da noite pelo céu da Lua
Nova, e os corpos saboreavam a doce trégua depois da violência do prazer, tudo
ficou diferente. A saudade que eu tinha deste meu amante e do seu corpo foram
aniquiladas por outra saudade. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Uma
saudade que vinha agora do coração e que me levava a outro corpo, a outro
amante. A um outro amado. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">-
O que tens, Luísa? – perguntou o Gustavo.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Tentei
dizer alguma coisa mas só me apetecia chorar e não consegui evitar que uma
lágrima se condensasse no meu rosto. Com a sua habitual perspicácia, percebeu
que eu não estava bem mas nada disse. Passou apenas a mão pela face,
limpando-me a lágrima. Depois pegou no trompete e, ainda nu, tocou-me um
excerto de uma música que tinha ouvido antes no concerto. Recordei a canção que
a cantora cantou no concerto.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<i><span lang="EN-US" style="line-height: 115%;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Whisper to the moon, my heart pleads for you.<o:p></o:p></span></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Sentei-me
na cama, desfiz o nó da garganta.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">-
O Fernando ama-me.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Ele
parou de tocar e sorriu para mim.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">-
O Fernando tem bom gosto.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Assim
que senti a brisa da noite, olhei para o céu sem lua, mas cheio de estrelas. De
certa maneira, creio que amei o Gustavo. Não pela atracção animal que ele me
inspirou, pelos prazeres que ele me fez descobrir, nem sequer pelo bom
entendimento que soubemos cultivar fora da insanidade carnal. Amei-o com a
ternura de alguém que foi importante para nós e que nos pintou um novo matiz da
vida. No caso dele, talvez a luz branca do luar. Mas a rotação da vida é
constante e só agora percebi que estava agora na órbita de um novo ciclo.
Peguei no meu carro e voei no reflexo celestial do alcatrão. Se eu pisei algum
risco, só tenho é que seguir em frente. </span><span style="font-family: "arial" , sans-serif; font-size: 10pt;"> <o:p></o:p></span></span></div>
Paulohttp://www.blogger.com/profile/00684363818909462724noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4751120753103056336.post-5024660115612143772015-11-04T22:43:00.000+00:002015-11-04T22:45:50.013+00:00Filho De Ninguém<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Já
faz dois meses que eu e a Marisa decidimos acrescentar benefícios à nossa amizade. Encontramo-nos pelo menos
uma vez por semana. Toda esta situação tem tanto de estranho como de excitante.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Estranho
porque quando me envolvo com alguém, gosto de conhecer as histórias dela, o que
ela passou, dessa descoberta gradual. Mas eu conheço a Marisa desde que ela
ainda usava fraldas e eu não passava de um cachopito. Crescemos juntos e temos todo
um passado comum de amizade e de conhecimento. Ela sabe toda a minha história e
eu sei a dela. Até dos detalhes mais íntimos como quando ela se enrolou com um
italiano em Ibiza na viagem de final de curso. E embora por vezes indagasse
como seria ter uma coisinha tão bela na cama, nunca me tinha atrevido a tal
pois sempre prezei a amizade dela, tanto como a dos outros. E sempre
gostei de ter uma miúda porreira como ela como amiga, apreciava a perspectiva
feminina dela nas conversas e a sua mente aberta (infelizmente muitas gajas são
mais tacanhas do que querem admitir). Era bom partilhar ter este tipo de
convivência sem o sexo ser para ali chamado. Até agora.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">E excitante
porque agora que pisámos o risco, a experiência tem sido fascinante em todos os
aspectos. E a nossa familiaridade acaba por fazer parte do jogo, antes e
depois. No durante, basta despir a pele de amigos e vestir a de amantes. O sexo
não é bruto nem demasiado delicado ou refinado. Acaba por ser algo bastante
natural, um gozo mútuo, sem pressas nem preâmbulos. Como se o clímax não fosse
o objectivo, mas sim parte do processo. É algo de adulto, esclarecido mas ao
mesmo tempo, intenso e poderoso, e também divertido. A nossa relação de amizade
acaba por ser uma zona de conforto, como se fosse a rede de um trapézio. Mas eu
sei como no sexo por vezes é fácil perder a pega do trapézio e enfrentar o
abismo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">A
única coisa que me preocupa é se isto continua por mais algum tempo, ainda me
meto numa alhada. Eu sei bem que as mulheres, mesmo as mais esclarecidas nestes
assuntos, muitas vezes não resistem em urdir uma teia de afectos, tentando
capturar o amante na armadilha do amor. Foi o que algumas tentaram e sempre
fui-me safando airosamente. Se continuamos nisto, a Marisa ainda pode um dia pensar que a nossa relação
pode ir ainda mais além do que nós temos, por muito que ela ache que não e aí
vai ser um sarilho. Até já pensei em acabar com isto.</span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"> </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Mas
não o faço. Sei lá, talvez esteja a amolecer. Talvez não queira ainda abrir mão
deste doce aconchego, do corpo feminino e adorável dela junto ao meu,
deste engraçado jogo de sedução, desta nova descoberta. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">E a
verdade é que apesar de fugir às armadilhas do amor, não quer dizer que quero
fugir para sempre. Nunca disse isto a ninguém mas sempre tive uma pontinha de
inveja do que o Sérgio teve com a Diana. Pergunto-me como seria ter vivido um amor assim, tão
intenso, sem reservas, mais forte que tudo. Não admira que tenha custado tanto
ao Sérgio ter de continuar a viver sem ela. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Mas
se aspiro a esse amor, também o receio porque sei como pode ser destructivo.
Por amor ao meu pai, a minha mãe deixou tudo e todos e mergulhou com ele na
espiral da droga e da miséria. Amparou toda a porrada que ele lhe dava, ébrio
ou sóbrio. Diz quem sabia que também tinham momentos felizes, de paixão e união
total. Que não podiam viver um sem o outro, que eram super apaixonados, uma
versão portuguesa e rústica do Sid Vicious e da Nancy Spugeon.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Mas
não me lembro disso. Só me lembro dos gritos, do sangue e do cheiro a podridão.
E o mito <i>Sid & Nancy</i> está
demasiado romantizado: ele não a matou durante uma pedrada de heroína? Neste
caso, foi a Nancy que matou o Sid. Era um ou o outro, lutando por uma navalha.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Ao
menos, estou-lhe grato por ter-me deixado com a tia Luísa antes do confronto
final. É o seu único acto de amor que recordo. E do meu pai não me
lembro de nenhum, embora digam que sim, que gostava de mim, quando estava
minimamente sóbrio. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">A
tia Luísa e o tio Alfredo foram mais que uns pais para mim e sempre vi o Hugo
como um irmão. Graças a eles, o meu destino trágico reverteu-se e tive a
oportunidade de crescer num ambiente limpo e estável. Fui e sou feliz.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">No
entanto, sempre me senti que não devia estar neste mundo, que fui um percalço,
um filho de ninguém. Sobretudo depois da minha mãe morrer na prisão. Por isso,
é que tenho esta raiva dentro de mim. Por isso, quis sempre provar o que valho,
que sou capaz, que nenhum desafio é demais para mim. Por isso, é que sempre fui
tão competitivo, na escola, no trabalho, até nos jogos a feijões. E nos jogos
de sedução. Eram formas de ser validado. No fundo, ando sempre à procura da
aprovação, embora me faça de forte e diga que não preciso de ninguém. Parece uma
contradição, mas no fundo todos nós somos um poço de contradições.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">O melhor que tenho a fazer, se calhar, é não pensar muito nisto. Seja
feita a vossa vontade, <i>que será, será</i>,
<i>carpe diem</i> e <i>et cetera</i> e tal. Não vale a pena andar a remoer em dúvidas, bem
basta termos que sofrer com as certezas, como diz a tia Luísa. Neste momento,
estou bem assim como estou, com estes novos benefícios na minha amizade com a Marisa está muito bem assim e se
der mal, logo se vê. É aproveitar enquanto dura. Ou<i> “enquanto duro”</i>, como dizia o Vinícius de Moraes, que era cá dos
meus.</span></div>
Paulohttp://www.blogger.com/profile/00684363818909462724noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4751120753103056336.post-39614381925756962332015-09-30T23:07:00.001+01:002015-09-30T23:11:32.276+01:00Nas Nossas MãosJoana<br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
Este foi o primeiro Verão que a Inês passou férias diferentes com cada um dos pais. Eu temia a princípio que fosse demasiado confuso para ela, mas qual quê, para ela estava tudo perfeitamente claro, nós é que estávamos a complicar as coisas e a esquecermos de como ela é bem mais esperta do que aquilo que julgamos. Aliás, ao longo de todo o processo da separação, a Inês percebeu sempre tudo - até aquilo que eu e o David achámos que ela era nova demais para perceber - e tem-se adaptado bem à nova vida comigo num lado e com o pai no outro. </div>
<div style="text-align: justify;">
Não é que estivéssemos em competição, mas sabia que ir à Disneylândia de Paris com o pai era imbatível, por isso decidi optar pela simplicidade para as nossas duas semanas fora da cidade. Descobri esta adorável casinha no concelho de Ferreira do Zêzere que além de ter piscina, fica perto de uma praia fluvial e aproveitando o sossego e a frescura do local, iríamos entregar-nos ao mais completo <i>dolce far niente</i>, limitando limpezas e tudo mais ao mínimo essencial. A Inês adorou e eu ainda mais. Por entre nadar na piscina e na praia (com sete anos, ela já nada melhor do que eu nadava aos doze), ver DVDs da Disney e da Violetta, sentar-me na rede a ler um livro enquanto ela se entretinha a jogar no <i>tablet</i> ou a colorir livros e comermos coisas simples e fáceis de preparar, parecia que tínhamos entrado num universo paralelo, onde não havia horários, regras a cumprir, avaliações a respeitar. A certa altura, dei comigo no carro a cantar com a Inês canções da Violetta a plenos pulmões na figura mais tola possível mas sem qualquer medo de o parecer. Acho que nunca na vida me senti tão liberta das inibições que sempre dominaram a minha vida.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Mas cada vez mais me convenço que existe uma nova Carina, mais liberta e senhora do seu nariz, menos permeável à opinião dos outros. Com o fim do meu casamento, tantas vezes que duvidei se conseguiria sobreviver e afinal de certa forma, sinto que só agora comecei a viver a sério. Claro que até então tive muitos momentos felizes ao longo da vida, inclusivamente ao lado do David. Mas sem dúvida que há outro sabor em viver a vida caminhando pelo nosso pé, cada conquista feita de enorme esforço e até alguma frustração mas intensamente vivida, sem regermos por regras que não as nossas e termos de dar satisfações a ninguém. O David nunca me apontou nenhuma falha na lida da casa mas sei que, talvez até conscientemente, havia de coisas que ele esperava que eu cumprisse e sobretudo eu própria sentia que se eu não correspondesse a um certo padrão estava a fracassar. Foi preciso passar por tudo isto para descobrir que o mundo não parava se não lavasse a loiça após o jantar. E que ir onde quisermos sem prestar contas ou fazer programas a sós, como ir ao cinema, pode ser algo estimulante e nada solitário. Até porque sei bem como é sentir-me solitária no meio de tanta gente.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Por essas e por outros é que compreendo a relutância da Vanessa em avançar as coisas com o Daniel. Tudo bem que ele é um tipo cinco estrelas, que tenho a melhor ideia dele, mas também já sei entender a satisfação que a Vanessa tem de ter sido independente e de tudo aquilo que ela conseguiu por si mesma. Para alguém como ela, será difícil encarar uma vida em que se terá de reger em grande parte por aquilo que esperamos de outra pessoa e que o outro espera de nós, com todos os benefícios e desvantagens que isso traz. Apesar de eu pensar que muito dos receios dela quanto a isso são mais complicações sem nexo na cabeça dela que de outra coisa, os tais aranhões de que ela costuma falar.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Eu não ponho de todo a parte de um dia refazer a minha vida com outra pessoa, mas acho cada vez mais absurda essa ideia tão incrustada na nossa sociedade que a vida só faz sentido com alguém ao nosso lado. Por isso é que tantas e tantas mulheres sujeitam-se a tudo para não estar sozinhas, como se esse fosse o horror absoluto e o maior fracasso como mulher. A minha mãe volta e meia diz-me isso de forma algo velada mas eu já nem a ouço. Talvez outrora eu pensasse assim também, mas agora que percebi que o meu mundo continuou a girar quando fiquei por minha conta, já não vejo nenhuma razão de ser nisso. Claro que a ajuda - financeira e não só - do David para a Inês é ainda muito importante, mas ano e meio depois após o meu divórcio estou orgulhosa daquilo que tenho alcançado: gosto do meu trabalho na imobiliária, tenho gerido as minhas finanças e as minhas responsabilidades de forma hábil, sinto que faço a minha filha feliz, reatei a amizade contigo e com a Vanessa e tenho agora uma sensação de liberdade, pela qual paguei um duro preço, mas que me traz bastante paz e satisfação. E não há nada que pague o sentimento de que felicidade está nas nossas mãos, com ou sem alguém do nosso lado.</div>
<br />
<div style="text-align: right;">
Carina</div>
Paulohttp://www.blogger.com/profile/00684363818909462724noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4751120753103056336.post-90737741396851076062015-08-12T17:40:00.002+01:002015-08-12T17:40:37.464+01:00Terra Sem Lei<br />
<div style="text-align: justify;">
O ar quente das noites de Agosto penetra pela janela e incendeia ainda mais os nossos corpos. Não há centímetro dos lençóis que não estejam entranhados em suor. </div>
<div style="text-align: justify;">
As mãos dela flutuam pelas minhas costas, os seus olhos cerram para voar enquanto eu conduzo-a uma imersão cada vez mais profunda. Estou prestes a abdicar da única réstia de controlo que ainda me sobra mas ela parece uma vez mais decidida a que eu o perca por completo. Extasiado pela deliciosa simplicidade do seu corpo que o suor parece fazer reluzir, perco finalmente as estribeiras e obrigo-a a acompanhar o meu ritmo cada vez mais frenético.</div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
Abrando apenas por um momento, deitando-me em cima dela e sentindo os seus mamilos premidos contra o meu peito, para lhe sussurrar ao ouvido: <i>"Vem-te"</i>. Abrindo-me os seus enormes olhos âmbar, ela aceita o desafio e ao entregar-se, arrasta-me comigo. Num último assomo, esvazio-me dentro dela. </div>
<div style="text-align: justify;">
Depois do êxtase, é como se emergíssemos de novo e respirássemos pela primeira vez em séculos. Sinto que os meus ossos derreteram e sou uma massa disforme, suada e pegajosa que se deita sobre o corpo dela. O prazer é ainda imenso nestes minutos em que resgatamos a calma e aguardamos que a energia nos regresse.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Há mulheres que são raios ultravioletas disfarçados de flocos de neve. Que escondem tanto calor sob uma nuvem aparentemente fresca e vítrea. Devia saber disso antes de ela me dar a chave do seu jardim secreto e o seu toque me revelou que ela era muito mais do que os seus subtis encantos que me intrigaram à partida. E é esse tipo de mulheres que tanto medo causa aos homens: o medo de não as saber descrever, categorizar, antecipar os seus gestos. Mas apesar da confusão que ela me causava, nunca fui medroso e não seria agora que eu iria sê-lo. Por isso deixei-me levar. </div>
<div style="text-align: justify;">
Antes dela, só conhecia dois tipos de sexo: aquele que é desde logo animalesco e obsceno e o outro mais sereno e que se pede cheio de bom gosto. Nem sequer posso dizer que com ela é um meio-termo entre os dois, é como que uma nova categoria. Eu curto, ela curte, nós curtimos, tudo muito aprazível e muito gostoso mas quando a intensidade sobe, é escaldante, é desenfreado, por vezes até excessivo mas nunca é vulgar ou exagerado. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
Ao recuperarmos as forças, procuramos o ponto mais fresco da cama. As suas costas colam-se ao meu torso e eu passo um braço sobre o peito dela e assim adormecemos. O seu sorriso tem tanto de devasso como de inocente enquanto se deixa acolher pelo sono, sem me revelar o que se esconde naquele sorriso nos cantos da boca. Estaria a mentir se eu não dissesse que estar com ela é como estar numa terra sem lei onde qualquer definição parece irrelevante e que isso me deixa inquieto. Nem sequer sou capaz de definir o que ela é para mim, amiga, amante, namorada, desvio de percurso. </div>
<div style="text-align: justify;">
A ter uma única certeza é a de que o nosso sexo não é casual. Foi desde logo do mais sério que pode haver. Isso devia-me assustar, bem como a sensação que ela me prende num feitiço, de que me faz caminhar fora de solo firme. de que estou nas suas mãos. Só me conforta saber que o seu pulso acelera ao meu toque como o meu sobre as suas carícias. Mas para ser sincero, estou bem menos assustado do que deveria estar. Talvez porque vou aprendendo que há certas coisas que não foram feitas para serem definidas, mas para serem sentidas. </div>
<br />
Paulohttp://www.blogger.com/profile/00684363818909462724noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4751120753103056336.post-42221005153271377452015-06-20T23:32:00.002+01:002015-06-20T23:32:47.883+01:00Leveza do SerJoana<br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
Tive que chegar a esta idade para me sentir como se estivesse nos tempos do 3.º ciclo, se calhar ainda mais do que quando realmente estive. Primeiro foi o jantar onde descobri que sentia mais falta da malta da turma do que eu pensava. Depois, firmar este inesperado laço de amizade contigo e com a Carina. Eu que sempre olhei para os grupinhos de raparigas que se juntavam no meio de risinhos e conversas parvas com um misto de desdém e complacência, agora descubro o prazer de risos parvos e conversas parvas (que costumam vir misturadas com assuntos sérios) com vocês as duas. Nem imaginas quanto me custou admitir que eu podia ser assim sem deixar de ser quem sou e que não estava a ser fútil, superficial ou mais atoleimada por causa disso. Mas também, já estou na idade de perceber que só uma mãe-cheia de coisas é que têm de ser verdadeiramente a sério e que a maioria delas é melhor serem tratadas com mais, digamos, leveza.</div>
<div style="text-align: justify;">
Por isso é que andei a maior parte dos meus anos na casa dos vinte completamente à nora, porque queria fazer tudo, porque achava que tudo tinha de ser sempre um luta. Mas o que ganhei acima de tudo com isso foram enormes desgastes de energia e dava por mim a regressar à casa da partida sem receber 2000$00. (Credo, como parece tão arcaico agora falar em escudos. E já agora, quanto será que se recebe em euros no Monopólio actual?). Só por volta dos trinta anos é que percebi que fazia melhor em focar-me numa só direcção do que andar feita cata-vento a querer fazer tudo. Ou então é como o meu pai me diz, que a idade traz-nos uma certa calma como antídoto ao facto do tempo parecer correr cada vez mais depressa. Com uns colegas de curso, investi na criação de uma produtora audiovisual, e o que começou por simples negócio sobretudo de filmagem de espectáculos de colectividades locais e de edição de vídeos de casamentos desenvolveu-se num viveiro de projectos bem criativos. E cada passo desse caminho não só me trouxe auto-realização como me ajudou criar uma base sólida interior quando durante muito tempo parecia que andava na vida ao sabor do vento qual fiapo de palha. </div>
<div style="text-align: justify;">
Como se não bastasse, o Daniel surgiu na vida há quase um ano, e não é que me fui apaixonar por ele? Raios parta o estúpido que me deixou caidinha de todo, que nem as raparigas da turma que se punham a fazer coraçõezinhos e a escrever várias vezes os nomes dos namorados ou dos rapazes de quem elas gostavam nos cadernos. Eu que interiormente ria-me disso tudo e me comprazia na minha alegada superior maturidade, agora volta e meio parece que ando a três metros do céu. Sorrio ao pensar como os nossos nomes combinam bem (<i>Daniel + Vanessa</i>), fico com o coração num rodopio sempre que a canção do toque de chamada que lhe atribui desata a tocar no meu telemóvel ("<i>True Faith</i>" dos New Order, um dia explico-te essa história). Enfim, coisas que eu outrora achava do mais foleiro e cliché que há, agora acho tão naturais e aprazíveis. E tudo por causa do estúpido do Daniel. Eu não procurava nada sério, queria tudo muito levezinho e sem levantar ondas e pumba! Não é que o velhaco sabe amar uma mulher e deixá-la sequiosa das suas carícias? E no entanto, desde logo que percebi que não iria ser algo casual. </div>
<div style="text-align: justify;">
Eu devia odiar esta sensação de necessidade dele, a forma como ele consegue derreter a barreira de gelo que sempre orgulhei de erigir só com uma palavra ou um olhar, a maneira como ele consegue que eu dispa a minha alma e lhe revele tudo aquilo que sempre gostei de manter guardado em mim. Em vez disso, encantam-me essas sensações, é como se antes tivesse tido somente uma vida meio-vivida.</div>
<div style="text-align: justify;">
Porém, sabes que já passamos o estado de graça e os nossos momentos de tédio e de irritação já se fazem sentir. No entanto, esta sensação de segunda adolescência condimentada com sensatez trintona teima em perdurar. Mesmo que um dia, eu vá em voo picado dos três metros de céu até me espalhar no chão, sinto que valeu a pena ter deixado a terra firme. Agora que sustentei esta leveza no meu ser, sinto-me mais capaz de carregar os pesos da vida. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: right;">
Vanessa </div>
Paulohttp://www.blogger.com/profile/00684363818909462724noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4751120753103056336.post-87082536400033720942015-04-22T22:51:00.004+01:002015-04-22T22:51:59.581+01:00A Longa Noite<div style="text-align: justify;">
Finalmente de novo o prazer a teu lado. Os beijos trocados na penumbra. A dureza do teu corpo junto ao meu. Os gemidos como uma fileira de estrelas abrindo a escuridão até ao anúncio de um novo dia. E o amor a riscar o silêncio da noite e surgir belo como a manhã.</div>
<div style="text-align: justify;">
Longa foi a noite em que fui refém do ódio que me conduziu a um penoso acordar. Mas agora sei que mesmo carregando as marcas do ódio, o meu amor conseguiu ser mais forte. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Depois de tanto medo e auto-dilaceração por me ver fora da normatividade, de temer a exclusão, o ostracismo e a hostilidade por amar e desejar aqueles do meu género, para no meu espanto encontrar uma aceitação muito além do que eu esperava, caí no erro de pensar que o país e o mundo avançavam a um ritmo mais rápido do que realmente avançavam. Daqueles de quem eu temia que me voltassem as costas, não encontrei senão apoio e conforto. De anónimos a quem receava insultos e provocações, não desvendei senão cochichos em surdina e piadas às quais era fácil fazer ouvido mouco. Depois a legislação no nosso país deu um enorme passo em frente ao reconhecer o casamento entre pessoas do mesmo sexo e por fim a cereja no topo do bolo, encontrar-te a ti o amor que há muito sonhava, um fogo sólido e intenso nascido não da chama mas das brasas. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Eram tantos ventos a soprar a meu favor que cometi o erro de pensar que não mais ficaria à deriva e esqueci-me que o mal, o ódio e a violência espreitam em cada esquina e podem atacar ao mínimo baixar de guarda. Foi assim que eu caí na armadilha do ódio, depois de ter-me despedido de ti com um terno beijo à porta da tua coisa. Uns quarteirões depois, uma mão que me agarra com força, um punho cerrado arremessado à minha cara, o meu corpo prostrado sem apelo no chão, quatro pares de pés a pontapearem-me estendido com a violência de mil explosões e a dor de mil punhais. Não me lembro se eles me falarem, se me vergastaram com más palavras ou se deixaram a brutalidade dos seus actos falar mais alto do que qualquer insulto. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Quando dei por mim, estava numa cama de hospital, negro e inchado para além da razão, demasiado devastado e fraco para sequer chorar. Choraste tu e a minha família por mim ao me verem naquele estado. Mas o vosso amor resgatou-me das profundezas e fez-me encarar de novo a luz. Tinha sobrevivido, e mesmo olhando nos olhos do ódio, o amor continuava forte, dorido mas não golpeado. Por isso, não temi a penosa e demorada recuperação porque seria uma questão de tempo até voltar a reconstruir-me e erguer-me mais forte que nunca. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Quando detiveram um dos meus agressores, fiquei espantado por descobrir, à luz do dia, como ele era ainda um rapaz tão jovem e vulnerável. O seu rosto mal conseguia encarar-me diante da sua vergonha pelas marcas ainda visíveis que ele e os seus, digamos, amigos me infligiram. Tudo o que conseguiu dizer foi me pedir timidamente o perdão, certo de que seria um pedido vão. Mas para sua surpresa e até minha, não ergui a minha voz de indignação ou raiva. Calmamente, pedi que ele olhasse para mim e visse que aquele que ele atacou naquela noite não era um bicho ruim a abater ou um espectro incorpóreo e esquisito, mas sim um simples ser humano, afinal tão semelhante a ele. "Apesar de tudo, mesmo sendo difícil, eu poderei perdoar-te. Conseguirás perdoar-te a ti mesmo?" O olhar de espanto que ele me devolveu fez-me crer que ele era alguém a quem pouco lhe mostraram de compaixão. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Foi aí que a minha longa noite terminou e perdido nos teus braços assisti ao raiar de uma nova aurora. Mas agora não me deixo iludir pelo brilho destes novos raios luminosos porque sei o que pode me esperar nos mais escuros recantos. Ainda que eu guarde em mim a luz própria para vencer a penumbra.</div>
<br />
<br />
Paulohttp://www.blogger.com/profile/00684363818909462724noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4751120753103056336.post-16956132815679854632015-03-25T22:44:00.000+00:002016-02-24T22:22:59.161+00:00Caixinha de JóiasCarina<br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
Agora que reatámos a nossa amizade que tinha ficado em banho-maria desde o 12.º ano, apercebo-me que foi uma pena imensa que ela não tivesse continuado. Mas o que fazer? A vida meteu-se pelo meio e estava escrito que tínhamos de seguir cada uma o seu próprio caminho. E se calhar foi por termos passado estes anos todos sem quase nenhum contacto que torna a agora esta retoma ainda mais saborosa. E por acréscimo, ganhámos ambas outra grande amiga na Vanessa. Eu sempre soube que havia muito mais sobre ela do que aquilo que ela demonstrava nos tempos de escola, mas agora que a conheço cada vez mais sobre ela, sinto a presença dela na minha vida quase tão necessária como a tua. Quando estamos a três juntas, não há nenhum momento de aborrecimento.</div>
<div style="text-align: justify;">
Sinto-me bastante grata por saber que tanto eu como a Vanessa temos sido o teu maior apoio nesta nova fase da tua vida, em que decidiste começar do zero. Sobretudo porque os teus pais não têm sido exactamente muito solidários contigo, encarando o fim do teu casamento como um falhanço, como se em alternativa fosse um grande feito continuares presa a um casamento que te fazia infeliz e a um homem que já não te dava a devida atenção. Eu sei que talvez a tua filha tivesse sido aquela que mais sofreu com a tua separação do David, mas garanto-te que foi o melhor para todos, sobretudo para a Inês. Aliás até nem me parece que ela se sinta mal com o facto de agora viver sozinha contigo e estar com o pai a cada dois fins de semana. Dá para ver que ela não é uma miúda frágil, e tu também não. </div>
<div style="text-align: justify;">
Mas a verdade é que esta reciclagem de amizades que resultou do nosso jantar da turma do 3.º ciclo também tem significado bastante para mim, mais do que eu julgava possível. Claro que antes disso, já me sentia bastante feliz e realizada: a minha loja pode não ter muitos clientes, mas o que tenho são fiéis e apreciam o meu trabalho, casei com o Sérgio que é simplesmente o homem mais maravilhoso que já conheci, daqueles que eu só pensava que existiam nos livros do Nicholas Sparks, e tenho dois pestinhas que por muito que me deixem a cabeça em água, são a melhor coisa que eu tenho no mundo. Por entre uma ou outra complicação, tinha uma vida estável e previsível. Porém, agora que eu tenho de novo a ti e à Vanessa na minha vida, apercebi-me que já algum tempo que não tinha o meu próprio espaço na minha vida, o meu pequeno recanto emocional, a minha pequena caixinha de jóias com bugigangas pessoais. Apercebi-me que nos últimos anos, apesar de não me sentir menos feliz por isso, tenho vivido muito para a família e para o trabalho de tal forma que entre ser a Joana-mulher de negócios, a Joana-esposa/amante e a Joana-mãe, tinham sido poucos os momentos em que eu pude ser simplesmente a Joana. Por isso, estou muito grata que tu e a Vanessa tenham-me feito reabrir esse recanto esquecido onde posso ser apenas a Joana sem qualquer outro hífen, nem sequer o de Joana-amiga.</div>
<div style="text-align: justify;">
Por isso mesmo, sinto-me mais à vontade para contar algo em que muito de vez em quando tem-me assaltado a mente desde o jantar, sem ter medo que me julguem. Já o contei à Vanessa e ela não fez, por isso espero que não te importes esta pequena confidência. Como sabes, o César e eu tivemos uma breve história comum no 9.º ano, algo que não deu para ser considerado um namoro de tão breve que foi, mas que foi bom enquanto durou. E como viste, os anos foram muito generosos com o César, que ainda está mais giro agora do que em adolescente e ele continua com toda aquela pinta de galã malandro, um pouco mais refinado. Pois bem, por entre as memórias do passado e as constatações do presente, já me aconteceu algumas vezes pensar no César de forma não muito inocente, ao ponto de me masturbar no chuveiro. É claro que nunca teria nada com o César, se ele estivesse para aí virado e por muito charme que ele destilasse. Primeiro porque é o Sérgio quem eu amo. Segundo porque o César sempre teve aquela alma de pássaro e é feliz assim, a pousar onde lhe apetece e a bater de novo as asas quando quiser e não há gaiola que o detenha. Terceiro porque tenho idade e discernimento suficientes para saber que a carne tem as suas fraquezas e caprichos a quem ninguém é imune, mas a mente e o coração são os melhores conselheiros. Por isso, há certos delírios carnais que existem apenas para serem arrumados num recanto da mente e dar-lhes mais valor do que isso é uma insensatez que não vale a pena perseguir. Mas mesmo assim, é bom que eles existam em mim, e creio que em cada um de nós. São como aquelas bugigangas da nossa caixinha de jóias. Podemos não querer usá-las mas a gente gosta de saber que estão lá guardadas. </div>
<br />
<div style="text-align: right;">
Joana</div>
Paulohttp://www.blogger.com/profile/00684363818909462724noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4751120753103056336.post-72902897428777348932015-02-26T22:05:00.001+00:002015-02-26T22:05:08.668+00:00Meros Mortais<div style="text-align: justify;">
Vem ter comigo esta noite. Prometo que vai ser tudo leve e divertido, como sempre quiseste que fosse. Será nos teus termos, sem quaisquer palavras e gestos que tu não queiras ou que te façam sentir desconfortável. Serei uma óptima companhia, descontraído e atento e assim que te levar para a cama, será tudo de bom ou mau gosto, conforme te apetecer.</div>
<div>
<div style="text-align: justify;">
Eu não te quero complicar as coisas, tu já tens bastante com que lidar, e eu tenho os meus próprios problemas. Por isso, não tenhas receio de dizer sim quando eu chamar por ti. Prefiro ter-te com desprendimento a ver-te fugir de mim, a ver sombras de medo a pairarem nos teus olhos. </div>
</div>
<div>
<div style="text-align: justify;">
Esquece aquilo que não te disse por palavras mas que soaram tão claramente no espaço entre nós. Não é isso que procuras, pelo menos por agora. Eu próprio não sei bem se é isso que quero. Faz de conta que foi apenas uma nota fora de tom. Sou mesmo assim, intenso demais, vivo e sinto tudo em demasia. Devia ter-te avisado logo de início, mas sabia lá eu. Isto também não estava nos meus planos. </div>
</div>
<div>
<div style="text-align: justify;">
Não te escondas, não fujas. Podes ter aqui em mim um abrigo. Deixar lá fora estas noites frias de inverno, os ruídos da rua, o choro dos bêbados, as luzes amarelas dos postes de iluminação. Abandonares-te ao conforto do meu edredão e da flanela do meu pijama.</div>
<div style="text-align: justify;">
Eu sei que também sentes a minha falta. Já me confessaste que a tua pele está viciada no meu toque. Chamas-me feiticeiro, que te hipnotizo com duas ou três palavras meigas, que te deixo louca das ideias a cada beijo meu. Falas de outros homens com quem estiveste antes, vários deles mais bonitos, inteligentes ou confiantes do que eu, mas que nenhum deles te deixou assim. E odeias não sentir que tu estás em controlo do jogo. Odeias saber que foste tu que começaste tudo, que me viste com um desafio e que não me desarmaste, pelo menos da forma que tu querias. Odeias sentir que dependes de mim, que estás na minha mão. E odeias que no fundo adores todas essas sensações, que alguém te faça cair as tuas defesas e te faça ansiar pela vertigem do abandono. Por isso é que andas fugida.</div>
<div style="text-align: justify;">
Mas acredita quando te digo que não és a única enfeitiçada. Também me consegues toldar os sentidos como creio que ninguém o fez. Também detesto sentir que te tenho de correr atrás de ti como quem persegue um pássaro que fugiu da gaiola. Também assusta-me não saber se o meu próximo passo, por mais cuidadoso, me fará tropeçar ou ser engolido por areias movediças. Também dói-me pensar em ti sem me sentir à beira do desvario, na ânsia de ti. </div>
<div style="text-align: justify;">
No entanto, não iremos falar nisso. Não vamos ser feiticeiros, mas sim meros mortais. Estes jogos de sedução já têm muito que se lhe digam, mesmo sem lhes prestar demasiada análise. Jogaremos com as cartas que sabemos sem arriscar nos lances. Se alguém ganhar ou perder, só se saberá mais tarde. </div>
<div style="text-align: justify;">
Por isso não tenhas medo de recomeçar e vem ter comigo esta noite. Não porque te peço, mas porque queres.</div>
</div>
Paulohttp://www.blogger.com/profile/00684363818909462724noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4751120753103056336.post-29606034061903987612015-02-04T22:08:00.000+00:002015-02-04T22:08:45.124+00:00O Acordar da NoiteO acordar da noite chegou assim de repente<br />
Luz matinal em ternos fios de cetim<br />
O Sol pousado num encanto reluzente<br />
E a tua pele confundida em mim<br />
<br />
Vem-me à memória as horas que a noite roubou<br />
Horas em fuga que quisemos abrandar<br />
Mas mesmo assim, entre nós porém ficou<br />
O que de mãos dadas queríamos começar <br />
<br />
Não sei bem o que veio depois<br />
Talvez suspiros impressos a dois<br />
Adormecer sem medo de cansar<br />
Ou da lucidez de um novo acordar<br />
<br />
O acordar da noite chegou num abraço velado<br />
Anunciando um estranho amanhecer<br />
Parecendo natural ter-te aqui ao meu lado<br />
Prenúncio do que estava por acontecer<br />
<br />
Agora eu sei que esta noite não foi acaso<br />
Foi um rio de estrelas rumando à foz<br />
E agora nem me importa o motivo ou o prazo<br />
De tudo aquilo que nasceu entre nós<br />
<br />
E a noite acabou, chegou o dia<br />
Por cá ainda ficou a magia<br />
Dos doces ardis tecidos ao luar<br />
Para nos unirmos neste acordar.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />Paulohttp://www.blogger.com/profile/00684363818909462724noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4751120753103056336.post-52246719884382221332015-01-26T22:55:00.000+00:002017-01-26T11:15:53.319+00:00Aranhões na CabeçaVanessa<br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
Só podia ser mesmo a Sofia, a nossa delegada de turma, a nossa eterna líder, para se lembrar de organizar um jantar de reunião da nossa turma do 7.º ao 9.º ano. E de repente foi todo um desenterrar de memórias no Facebook, com gente que eu não via há quase vinte anos e de coisas que pareciam para sempre trancadas na minha mente. E na noite do reencontro, todo um desfilar de exclamações de espanto, ataques de riso e algumas lágrimas à mistura.</div>
<div style="text-align: justify;">
Alguns dos nossos colegas estavam fisicamente diferentes: o Miguel perdeu não sei quantos quilos e parece metade do que ele era, a Cláudia está um autêntico patinho feio que se transformou em cisne, o Fernando, que sempre recordei de longos cabelos louros, tipo Kurt Cobain, corta agora o cabelo a pente 2 e a Mariana, que era uma autêntica maria-rapaz e que raramente víamos vestida com outra coisa que não <i>sweat-shirts</i>, calças de ganga e fatos de treino, surgiu toda elegantíssima que até tive medo de amarrotar-lhe a roupa ao abraçá-la. </div>
<div style="text-align: justify;">
Mas apesar disso, após as primeiras garfadas, percebi que no essencial não tínhamos mudado assim tanto: o César continua a exercer o seu charme junto das mulheres, o Alex continua a fazer toda a gente rir, a Sandra tem sempre algo a dizer que dá que pensar e bastou cinco minutos com a Joana para perceber que, apesar destes anos com tão pouco contacto, o laço de amizade que nos ligava não perdeu força. </div>
<div style="text-align: justify;">
Porém, para mim, tu foste a maior surpresa deste reencontro. Nunca pensei que tu fosses a pessoa que eu mais gostasse de ter reencontrado. Nós nem éramos muito amigas na altura. Aliás, nem sei bem de quem eras particularmente amiga pois costumavas estar muitas vezes sozinha. Não que fosses uma anti-social, tu até costumavas alinhar em quase tudo o que a malta planeava, mas eras muito senhora do teu nariz, parecias estar melhor quando estavas metida para ti mesmo, a pensar em sei lá o quê. Agora olhando para trás, percebo que te invejava. Tu não tinhas medo de ser tu própria, de pensar por ti mesma, de dizer coisas sem recear se os outros iriam gostar de ouvir ou não e eu gostava de ser assim como tu. Também recordo que eras muito inteligente e estavas entre os que tiravam as melhores notas da turma, mas agias como se isso não fosse nada de importante, e evitavas comparações e competições com o Duarte, o nosso crânio residente.</div>
<div style="text-align: justify;">
Só quando estava a sós com a Joana é que eu me sentia à vontade para ser eu própria e falar de tudo o que eu quisesse, pois ela é de longe uma das pessoas mais compreensivas e com capacidade de encaixe que eu já conheci. Fora isso, não sei porquê, nunca ousava destacar-me e contentava-me em seguir nas ondas dos outros, que nem ovelha num rebanho, e morria de medo de ser o centro das atenções, convencida de que estava um passo de dar bronca. E assim continuei pelo resto da vida.</div>
<div style="text-align: justify;">
A minha irmã diz que eu sou assim porque herdei da minha mãe o gene "o-que-é-que-os-outros-vão-pensar", máxima pela qual ela tem regido a sua vida e que eu também acabei por seguir. Sempre a pensar na ideia do que os outros poderiam ter de mim e só talvez depois naquilo que eu queria ou o que era melhor para mim. O que me levou a tomar decisões que eu tinha como as mais seguras mas que não eram necessariamente as mais acertadas, especialmente a de ter casado com o David. E foi por causa do que os outros iriam pensar que eu resisti o máximo que pude ao divórcio, mesmo se até antes do início do nosso ponto de ruptura o nosso casamento era um barco a afundar e não haveria mais outro resultado. </div>
<div style="text-align: justify;">
Durante o jantar mantive esse assunto o mais velado possível, se bem que todos foram suficientemente respeitadores para não o abordarem. Entretanto, sentada ao teu lado, foste falando mais sobre ti e fiquei espantada quando disseste que durante algum tempo tinhas visto o 3.º Ciclo como um período algo negativo na tua vida e só agora com toda esta redescoberta, é que percebeste que até te divertias imenso e te davas bem com toda a gente, e tudo o mais era, segundo tu afirmaste, aranhões na tua cabeça. A tua sinceridade acabou por mexer comigo e mais tarde, quando alguns de nós foram ao Bar Cáspio, eu senti-me à vontade para te contar sobre como esta nova fase da minha vida tem-me sido penosa, em que eu me vejo sozinha, com uma filha para criar, a caminhar pelo meu próprio pé, por minha conta e risco. Entretanto, já descobri que essa situação tem o seu quê de libertadora, mas nem por isso deixa de me assustar de tempos a tempos. Já sabia que de ti poderia esperar empatia e compreensão, mas não estava preparada para a tua compaixão, que mostraste de forma subtil, em pequenos detalhes, mas que eu captei e que tanto significaram para mim. E percebi que tu tens um enorme coração, do qual poucos devem conhecer a verdadeira dimensão. Talvez a tua família e o teu namorado. (Esse Daniel é teu namorado, certo? Pelo menos dá para perceber que gostas imenso dele, nisso não foste assim tão subtil). </div>
<div style="text-align: justify;">
E agora que eu conheci um pouco do teu coração, quero conhecer mais. Quero que sejamos boas amigas, tal como pretendo renovar a velha e grande amizade que com a Joana. Preciso de pessoas positivas na minha vida, para eu continuar a descobrir, por muito aterrador que seja, como é ser eu própria e construir sozinha a minha própria felicidade. É incrível constatar como, olhando para aqueles tempos, ser feliz dava muito menos trabalho e eram as nossas mentes inquietas e insensatas de adolescentes que complicavam tudo. Nesta idade, fica mais difícil, mas o interessa é continuar a tentar. E tudo mais são aranhões.</div>
<br />
<div style="text-align: right;">
Carina </div>
Paulohttp://www.blogger.com/profile/00684363818909462724noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4751120753103056336.post-27487452353786798622014-12-19T21:13:00.002+00:002018-11-19T16:18:16.481+00:00O Momento Mais Ansiado<div style="text-align: justify;">
Mesmo atarefada na cozinha como é hábito a cada véspera de Natal, a Mãe observa os dois filhos na sala, o mais velho de oito, o mais novo de seis. Aparentemente, parecem entretidos com o filme que passa na televisão, mas ela sabe que existe algo que não lhes sai da cabeça. Os grandes embrulhos de papel garrido que repousam debaixo da árvore de Natal e a hora em que eles lhes deitarão a mão e rasgarão avidamente os papéis e as caixas que contêm os brinquedos que eles pediram aos pais. </div>
<div style="text-align: justify;">
Ela fingiu que não dava por nada mas tem reparado nos últimos dias que os dois têm volta e meia cirandado à volta da árvore, esticaram várias vezes os braços como que a quererem pegar nos embrulhos mas recuando no instante seguinte, calcularam inúmeras vezes diante do calendário quantos dias é que faltam, bufaram as bochechas de impaciência várias vezes por dia, remoeram numa espera que parece cada vez mais longa. </div>
<div style="text-align: justify;">
Nem o facto de já saberem perfeitamente o que se esconde por detrás do embrulho não lhes atenua a ansiedade. De certo modo, os dois sempre souberam que o Pai Natal é tão real como o Homem Aranha. Além disso, o mais velho até acompanhou os pais durante a aquisição, aproveitando a promoção do hipermercado no início de Dezembro.</div>
<div style="text-align: justify;">
Felizmente que apesar de tudo, bastou apenas um aviso em voz alta por parte cada um dos pais para eles não tentarem mexer nas prendas, muito menos barafustar ou entrar em modo birra e limitaram-se a um jogo de espera impaciente e silenciosa ainda que mal contida. Também ficaram avisados que só abririam na manhã do dia do Natal, para a véspera já bem bastam as prendas do resto da família que vão abrir em casa dos avós.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Eles só parecem finalmente ter esquecido a ansiedade uma vez chegados à casa dos avós, entretidos entre as brincadeiras com os primos, os bonecos na televisão e os assaltos à travessa de sonhos e coscorões da Avó. É com um certo alívio que o Pai os conduz para a cama quando regressam a casa, cansados demais para se importar com outra coisa senão deitarem-se e deixarem-se vencer pelo sono. No dia seguinte, revigorados pelas horas dormidas, os dois entram pelo quarto dos pais a dentro saltitando de euforia e gritando "Feliz Natal!". Contudo, ao contrário do que a Mãe esperaria, eles não trazem nas mãos os brinquedos que lhes eram destinados, já desembrulhados. Em vez disso, trazem outros embrulhos. O mais novo traz uma caixa embrulhada num sóbrio papel verde e exclama:</div>
<div style="text-align: justify;">
- Feliz Natal, Pai, isto é para ti.</div>
<div style="text-align: justify;">
O mais velho carrega um grande embrulho num papel às riscas e um elaborado laço em forma de roseta branca e diz:</div>
<div style="text-align: justify;">
- Feliz Natal, Mãe. Este presente é para ti.</div>
<div style="text-align: justify;">
Os dois pais sorriem, desembrulham as prendas, que também sabem perfeitamente o que contêm. Coisas que cada um comprara, dizendo aos filhos que essa seria a prenda deles para o outro progenitor. Uma nova cafeteira eléctrica para a Mãe, visto que a actual está quase a dar o berro. Um elegante conjunto de <i>after-shave</i>, perfume e desodorizante para o Pai.</div>
<div style="text-align: justify;">
- Muito obrigada, queridos. E vocês já abriram as vossas prendas?</div>
<div style="text-align: justify;">
- Ainda não. Já lá vamos. - responde o mais velho. - O que eu e o Martim queríamos mesmo era dar-vos as nossas prendas.</div>
<div style="text-align: justify;">
Os pais entreolham-se com um sorriso. Por muito que uns pais conheçam os truques e as manhas dos seus filhos, de vez em quando estes ainda têm a capacidade de os surpreender. E de lhes oferecer mais doces memórias de Natal.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
Paulohttp://www.blogger.com/profile/00684363818909462724noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4751120753103056336.post-51022898260255187112014-11-13T22:05:00.002+00:002014-11-13T22:06:22.583+00:00Cobranças Difíceis<div style="text-align: justify;">
Ontem chorei a caminho de casa. Felizmente que chovia bastante e podia fingir que as lágrimas eram gotas oblíquas de chuva a desabarem na minha cara.</div>
<div style="text-align: justify;">
Não sei porque me deu para chorar. É certo que um dia chuvoso de Novembro nunca será bom para levantar a moral alguém, mas não me sentia triste. De momento a vida corre-me bem e até tenho alguém que de vez em quando chega para trancar a porta ao Inverno e dar-me um pouco do seu calor.</div>
<div style="text-align: justify;">
E depois, nunca fui pessoa de chorar. Não por ter vergonha de o fazer, simplesmente fui sempre muito parco em lágrimas, por muito magoado que eu estivesse. Se calhar foi isso que me aconteceu ontem: todos os meus desgostos passados vieram cobrar-me as dívidas, quais agentes de cobranças difíceis, e não tive outro remédio senão expulsá-los pelas fossas lacrimais, sem hipótese de estancar a corrente.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Não conseguia encontrar um motivo definido por isso fui desfiando pelos fios da memória. Os trambolhões que eu dei em miúdo, deixando-me ferido e esfolado, mas que aguentei mordendo o lábio pois desde cedo tinha martelado na minha mente a velha máxima que um homem não chora. As pessoas que me decepcionaram e a quem não dei a satisfação de me verem exteriorizar o desgosto. Os arrependimentos por ter falhado com outras pessoas, faltando-me coragem para assumir os meus erros. As perdas que eu tive e as rédeas que coloquei a essa dor, com medo que se não a conseguisse travar, a dor paralisar-me-ia por completo.</div>
<div style="text-align: justify;">
Por entre este cemitério de sofrimentos passados, acabei por me lembrar de ti. Prefiro sempre lembrar-me de ti com ternura, em nome dos breves momentos luminosos que partilhámos, dos beijos que trocámos, daquela noite em que nos demos. Nunca te vi chorar e até sorrias bastante, mas agora sei que apesar disso, nunca te sentiste verdadeiramente feliz. Se calhar, estar comigo naquilo que não tivemos tempo nem vontade para chamar um namoro, foi o mais próximo que tiveste da felicidade. Mas o que podia a ténue luz do amor incipiente de um puto egoísta como eu contra a densa escuridão em que vivias? Só depois de te teres atirado da ponte é que descobri a dimensão dessa escuridão. Tinhas passado por coisas que nenhuma criança deveria passar e que para sempre roubaram a luz e a vida em ti. Se eu na altura tivesse a perspicácia e a maturidade devida, talvez tivesse visto tudo isso por detrás do teu frágil sorriso. Mas eu era miúdo demais para ser quem tu precisavas, ainda tinha tão pouco para oferecer. Agora sei que esse pouco, embora não o suficiente, ainda conseguiu ser tanto para ti. Na altura, o amor e a morte eram conceitos demasiado abstractos para eu conseguir ter uma ideia do que sentia. Só sabia que doeu perder-te assim de repente mas tudo o resto era mais do que eu conseguia alcançar. Por isso, deixei-te ficar assim, iluminada pelas recordações que o tempo deixou a adocicar. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Porém, agora sei que tive imensa pena de não ter feito mais, de não ter sido motivo suficiente para fazeres marcha atrás na tua caminhada à escuridão. Mas eu só sabia o que sabia e como tal não podia fazer melhor do que fiz. E sei que não vale a pena a viver a lamentar aquilo que nunca fizemos.</div>
<div style="text-align: justify;">
Por isso, sempre que a vida me dá as suas pancadas proverbiais, prefiro morder o lábio, fazer-me de forte e pagar as lágrimas em dívida quando elas me assaltam em chuvosos dias de Novembro. </div>
Paulohttp://www.blogger.com/profile/00684363818909462724noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4751120753103056336.post-67873259714361912042014-10-30T22:26:00.001+00:002014-10-30T22:29:09.651+00:00Homem de confiança<div style="text-align: justify;">
Saído do hospital, sentado no banco de passageiro enquanto a esposa conduzia o carro rumo a casa, ele pôs-se a pensar na sorte que teve. Felizmente que ele caíra de um rés de chão pelo que o seu voo pela janela do escritório não resultou nada além de umas nódoas negras e um enorme susto.</div>
<div>
<div style="text-align: justify;">
Ele era um homem discreto com um rosto vulgaríssimo daqueles que se perdiam facilmente na multidão. Ao longo da vida aprendeu a tirar partido dessa invisibilidade, transformando-se num homem confiável junto de quem os segredos estavam mais seguros que dentro de um cofre. </div>
</div>
<div>
<div style="text-align: justify;">
Foi assim que prosperou profissionalmente, tornado-se um apetecível <i>wingman</i>, o ideal número dois para todos os números uns que encontrara na carreira. A ele foram confiados sigilos, confidências, pecadilhos profissionais, vícios privados que ele soube armazenar da melhor forma, colhendo os frutos e sabendo afastar-se dos podres. E aos poucos, à custa dessas qualidades, construíra uma vida próspera para a sua família, em especial para os seus dois filhos. </div>
</div>
<div>
<div style="text-align: justify;">
O seu novo chefe não foi excepção. Recém-quarentão, com aspecto de galã de telenovelas, era solteirão inveterado e entusiasta mulherengo, ainda que profissionalmente irrepreensível. Não lhe tardou em lhe confidenciar todas as suas aventuras e conquistas horizontais, não se subtraindo aos pormenores mais picantes. A todos estes relatos, ele ouvia com um misto de diversão e - tinha que admitir - uma pontinha de inveja.</div>
</div>
<div>
<div style="text-align: justify;">
Não era incomum que as suas conquistas fossem bastante jovens, pelo que não estranhou que o chefe lhe passasse a contar sobre a sua mais recente história, com uma jovem de 28 anos, estudante de mestrado, dona de uma beleza subtil mas inebriante. Nem se deteve muito a reflectir quando a filha de 23 anos admitiu que andava a sair ocasionalmente com um homem "um pouco mais velho". </div>
</div>
<div>
<div style="text-align: justify;">
Só se apercebeu das coincidências quando o chefe referiu o nome Catarina e depois descaiu-se a dizer que ela afinal tinha 23, quando antes mantinha que ela tinha 28. Depois, ele mencionou que ela tinha uma tatuagem de uma libélula na omoplata, um dos pouco actos de semi-rebeldia de Catarina, feita após terminar o liceu. Por fim, tomou nota de que as saídas da filha para ir ter com o namorado misterioso e os relatos que os seu chefe lhe descrevia. E quando deu por si, já sabia dos detalhes mais descritivos dos tórridos encontros entre ambos, coisas que nenhum pai devia ouvir sobre a sua rica filha. É claro que já não fazia nenhum sentido agarrar-se à ideia de que a filha era ainda imaculada, imune aos desejos sexuais. No entanto, como daria tudo para que lhe esvaziassem a memória sempre que o chefe lhe contava em que posições, as vezes que ela atingia o clímax, as obscenidades que apenas ela se atrevia a dizer quando estava com ele. Era muito mais do que um pai podia aguentar ouvir e cada vez que o chefe lhe chamava de parte para lhe contar as últimas novidades escaldantes envolvendo Catarina, a sua vontade era que o chão lhe engolisse.</div>
<div style="text-align: justify;">
Porém não foi isso que transbordou o copo e o fez voar pela janela do escritório num momento de insanidade há muito anunciado. Foi quando o chefe lhe disse que ela era diferente de todas as mulheres com quem estivera, que estava realmente apaixonado por Catarina e já começava mesmo a pensar em pedi-la em casamento. Palavras não eram ditas, já ele estava em voo picado até ao chão do passeio em frente ao edifício. Mais tarde, explicaria o inusitado ao chefe como uma reacção alérgica ao caril de lulas que comeu ao almoço. </div>
</div>
Paulohttp://www.blogger.com/profile/00684363818909462724noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4751120753103056336.post-11928509146648233372014-10-05T23:41:00.001+01:002014-10-05T23:41:50.743+01:00De um ano para outroPedro<br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
Agora mais de um ano depois, até parece fácil. Como se tivéssemos cruzado a meta depois de uma corrida exasperante e agora fosse tempo de receber o descanso e a glória. Banhar num tépido mar de sorrisos e felicidade e sentir que a próxima cruzada está longe demais para nos tirar o sono.</div>
<div style="text-align: justify;">
Parece fácil que estejas aqui de novo a respirar vida por todos os poros, tal como fazias até que há um ano atrás o AVC deixou-te atravessado na última linha e retirou o chão a mim, ao Francisco e ao Miguel que assistimos a esse fatídico instante. Como se a incrível sorte com que foste bafejado ao recuperares sem problemas de maior estivesse sempre prevista na ordem dos acontecimentos, bem como a relação que vives sem pressas (mas com promissores avanços) com a <i>hot nurse</i> Raquel.</div>
<div style="text-align: justify;">
Parece fácil ver o Francisco pronto a assumir o papel de pai em breve, a passar a mão pela barriga de quatro meses da Rita (embora ainda se note pouco), a sorrir de orelha a orelha enquanto fala em tudo aquilo que há de fazer e ensinar ao Pedro Miguel. E no entanto, esta nova fase da sua vida tem lhe causado um colapso de dúvidas e um redemoinho de receios que ele, ao seu bom estilo, habilmente disfarça, mas que não passaram despercebidos a nós que o conhecemos tão bem.</div>
<div style="text-align: justify;">
Parece fácil o Miguel de braço à volta dos ombros da Sandra, transformado num viril rochedo de afectos, como se tivesse trazido em si toda a alquimia que lhe permite ser o homem, amigo e amante que ela precisava. Só nós é que sabemos o tremendo desafio que foi para ele estar à altura da relação, sobretudo quando lhe demorou tanto tempo a combater os fantasmas do excesso do peso e das relações frustradas. </div>
<div style="text-align: justify;">
Parece fácil olhar nos olhos da Cláudia e ler neles aquilo que sempre sonhei que eles me dissessem, buscar neles a luz e o calor para o meu coração desnorteado e perceber que ela encontra o mesmo em mim. E no entanto, só eu sei o martírio que foi dar o passo em frente, arriscar e rezar para que uma rejeição - por parte dela mas também de certo modo da tua parte também...- não me vergasse a alma. </div>
<div style="text-align: justify;">
Parece fácil nós os quatro, juntos como sempre, um círculo amigos de arcos ilógicos porém inquebráveis, onde os gestos falaram mais alto que as palavras e as maneiras de ser. Ainda mais agora que nenhum de nós está temporariamente só. </div>
<div style="text-align: justify;">
Mas nada na vida é fácil, pelo menos aquilo que vale a pena alcançar. De um ano para o outro, uma pessoas vai vivendo e muitas vezes resvala entre a alegria e o desgosto à velocidade de um batimento cardíaco, quando não mesmo por entre a vida e a morte, como tu bem sabes. Por tudo isto, é bom conservar estes momentos perfeitos, plenos de felicidade em que tudo parece fácil. Mas que são perfeitos precisamente porque não o foram.</div>
<div style="text-align: justify;">
Por isso, só posso estar grato que por entre as dificuldades e as arritmias, tenho-te a ti, ao Miguel e ao Francisco para que tudo fique um pouco mais fácil e por saber que comigo por perto, tudo se torna um pouco menos difícil.</div>
<br />
<div style="text-align: right;">
Tomás.</div>
<br />
<br />
Paulohttp://www.blogger.com/profile/00684363818909462724noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4751120753103056336.post-23737167838225237482014-09-24T21:36:00.000+01:002015-06-06T23:16:10.623+01:00Q4Não me fales do Verão tímido nem do princípio de Outono descarado.<br />
Não me fales de política nem de futebol.<br />
Não me contes dos horrores por esse mundo fora nem das comédias românticas impressas nas revistas.<br />
Não me digas quantos segredos têm a casa nem quantas letras tem o factor.<br />
Não me fales do cansaços perenes nem das azias do tempo, dos engarrafamentos e das greves dos transporte.<br />
Não me lembres que o ano está no seu último trimestre e tanto ficou por fazer.<br />
<br />
Senta-te apenas comigo, sem pressas e pega-me na mão.<br />
E aí podes falar das árvores a despirem-se de folhas,<br />
de como vai ser bom tentar enganar o frio com fofas camisolas de lã,<br />
ou podermos dormir uma hora a mais na noite da mudança para hora de Inverno.<br />
E que vem aí o Natal, o Ano Novo e tantos feriados que deixaram de o ser.<br />
<br />
Numa era em que as estações do ano pareceram entrar em esquizofrenia,<br />
nada como confiar na arrumação dos calendários, <span style="text-align: right;">a repartição entre dias, semanas, meses e trimestres.</span><br />
Cada tem quatro trimestres, quatro quartos e estamos agora à porta do último,<br />
<div style="text-align: right;">
o <b>Q4</b>.</div>
É certo e sabido que o tempo que o tempo nunca para<br />
e nos rouba tantas horas que gostaríamos de recuperar<br />
e nos faz lembrar de tanta coisa que podíamos ter feito e não fomos capazes.<br />
Por isso, fala-me de fins e recomeços.<br />
De portas que se fecham e janelas que se abrem.<br />
De lareiras para espantar o frio e de gelados para combater o calor.<br />
Porque o Q é uma letra que se lê<br />
e a vida não foi feita para ser passada em silêncio.<br />
<br />
<br />
Paulohttp://www.blogger.com/profile/00684363818909462724noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4751120753103056336.post-45352297416224425662014-08-14T23:17:00.002+01:002015-03-25T22:59:40.436+00:00Cicatrizes de Guerra<div style="text-align: justify;">
A vida tem destas coisas. Por muitas voltas que se dê, por vezes regressamos aos mesmos sítios e às mesmas pessoas. E eis-nos aqui na fase em que de partilhar ocasionalmente uma cama, já falamos em partilhar algo mais. </div>
<div style="text-align: justify;">
A verdade é que sempre uma atracção, uma química entre nós desde os tempos do liceu, quando nos conhecemos através de amigos mútuos num concerto dos Silence 4 no auge dos loucos anos 90 portugueses quando não havia crise e o futuro ousava oferecer a promessa de luminosidade aos jovens de então. No caminho de regresso, no teu estilo folgazão resolveste pegar em mim e puseste-me a dançar agarrada a ti sem música e já aí senti o corpo a fervilhar nessa proximidade como raramente ou nunca o sentira até então. Éramos ambos jovens demais para agir de acordo com essa sensação, mas ela foi persistindo em mim como prenúncio de uma promessa que não tinha pressa em fazer-se cumprir. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Nos anos que se seguiram, as nossas vidas cruzavam-se de forma intermitente mas algo pendular e sempre agradável. Fomos descobrindo essa grande mentira em que todos nós acreditámos ao achar que, tal como na escola, bastariam somente mérito, esforço e disciplina para vencer na vida. Em vez disso, um tortuoso caminho traçado com cabeçadas na parede e abre-olhos. E no amor, a descoberta que a vida amorosa tem mais momentos de novela mexicana do que de comédia romântica de Hollywood. Os anseios e as desilusões, as expectativas ciclicamente renovadas e goradas, as frustrações e as recaídas na tentação. Os casos que eram para significar pouco mas afinal valeram muito, as relações que pareciam tão valiosas para duas pessoas e afinal valiam bem menos pelo menos para um delas. Com o tempo, fomos construindo uma carapaça de cinismo e discernimento só para sobrevivermos a tanta batalha, tanto na vida como no amor.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Porém, sempre que te encontrava, ficava feliz em constatar que mesmo não sendo quem tu eras, continuavas igual a ti próprio e era fácil adivinhar naquele adulto tão responsável e astuto, o adolescente brincalhão de sorriso fácil. E aí, eu descobria que o mesmo se aplicava a mim, que apesar de tudo, não me tinha tornado amarga nem pardacenta. E que a nossa química ainda estava presente, subtil mas marcante, deixando no ar um talvez que fomos deixando por concretizar, pelos mais diversos motivos. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
E se calhar foi porque esta foi a melhor altura para deixar tudo acontecer. Na casa dos trinta, já com tanto vivido mas ainda muito por viver, exibindo sem pudor as nossas cicatrizes de guerra que a vida nos deixou, os erros de navegação e as atribulações de uma corrida sem meta. E quando aconteceu, atirei-me de cabeça. Receei que fosse complicar tudo mas até agora tem sido tudo relativamente simples e descomplexado, como sempre foi a nossa amizade. Talvez porque connosco a fase do encantamento que se sente quando se inicia uma paixão, nunca existiu. Já conhecíamos as manias e os ardis um do outro. Já sabias que podes ser tão exasperadamente básico e desconcertante como todos os homens, já sabias que eu tenho momentos de tirar a paciência a um santo como todas as mulheres. E que nem por isso gostamos menos um do outro. Aliás, até parece que eu gosto cada vez mais de ti.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Não sei bem onde isto vai dar, sei lá eu se o que hoje parece certo, simples e promissor poderá não ser assim a longo prazo. Mas ambos que sabemos que é algo que vale a pena arriscar, venha o que vier, dure o tempo que durar. Por isso, vamos com calma, pois já pagámos um bom preço para perceber que aquilo vale a pena da vida não tem pressa de se fazer alcançar. E temos as cicatrizes para o provar. </div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
Paulohttp://www.blogger.com/profile/00684363818909462724noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4751120753103056336.post-29636172071684610682014-07-14T22:51:00.000+01:002014-10-04T23:30:51.059+01:00O Céu é o Limite<div style="text-align: justify;">
Mesmo com o boicote dos Estados Unidos e de mais de uma sessentena de países, Moscovo está vestida de festa para receber os Jogos Olímpicos e decidida a ser palco de grandes acontecimentos desportivos.</div>
<div style="text-align: justify;">
Como os que estão para acontecer na ginástica feminina, onde as soviéticas não se poupam as esforços para prolongar o seu domínio, sob os olhares expectantes e atentos do público local. Nelli Kim, cujo sangue coreano confere a sua elegância um toque de exotismo, cujo perfume já espalhara há quatro anos no Canadá, é a capitã da equipa soviética onde também pontificam Shaposhnikova, Zakharova, Davydova, Filatova e Naimushina. Porém, não é soviética aquela em que todos os olhares mais se demoram.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Olhares que tentam ver nela aquela menina de rabo de cavalo e sorriso maroto que há quatro anos espantou o mundo quando alegremente transpôs a barreira da perfeição estampada no número 10, num misto de etérea leveza, audácia desarmante e nervos de aço, como se tivesse apenas ganho uma brincadeira de criança. Mas a menina de Montreal cresceu, está agora uma jovem mulher de 18 anos, mais alta, mais pesada. Em vez do rabo de cavalo, o cabelo curto em franja. Em vez do sorriso, seriedade melancólica estampada no rosto. Serão a mesma pessoa? Assim que ela entra em prova e o seu nome é anunciado, esclarecem-se as dúvidas, aumenta a curiosidade. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Entre Montreal e Moscovo, a vida seguiu como de costume. Quaisquer deslumbres após ter os olhares de mundo sobre si foram rapidamente sacudidos. De volta a Bucareste, é igual às outras: continuar a treinar duro, a procurar a superação, a cumprir a exigência que todos, incluindo ela, lhe impõem, submeter-se à disciplina e até mesmo a um ou outra mão pesada dos treinadores. Além disso sobre ela pairam os olhares atentos dos Ceausescu, que há tanto tempo estrangulam a Roménia com a sua crueldade caprichosa, e que ela pressente não serem acompanhados de boas intenções. O seu único escape é continuar a voar nas asas do sonho, fazendo dos aparelhos de ginástica um céu onde se poderá perder e enganar a gravidade.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Apesar do finca-pé da juíza principal, romena como ela, a ginasta sabe que desta vez só deu para a prata. O ouro foi para Davydova, para gáudio do público moscovita. Mas ela não se importa, sabe que a vida é feita de fins e recomeços e que o seu reinado na ginástica está no ocaso. Além disso, ainda terá o seu nome escrito a ouro em mais duas provas antes que acabem estes Jogos de Moscovo. E algo lhe diz que dali a mais de trinta anos, o nome Nadia Comaneci ainda causará admiração, respeito e reverência. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Assim que um vento de coragem soprar, será de novo aquela menina feita pluma ao vento, que desafiou gravidade e reduziu a perfeição a um simples número. Nas asas de sonho, reencontrará de novo o firmamento e uma vida em liberdade, que também sonha para a Roménia. Mesmo nascida numa nação onde se pregam os sonhos ao chão, para seres como ela o céu é o único limite.</div>
Paulohttp://www.blogger.com/profile/00684363818909462724noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4751120753103056336.post-43638422554282798562014-06-25T22:43:00.001+01:002020-02-20T22:10:02.913+00:00Tentativa e ErroPedro<br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
Eu culpo os meus pais. E os do Miguel, que sempre foram para mim quase uns segundos pais. E já agora, uma vez que não costumo jogar ao <i>blamegame</i> e é para aproveitar quando se tem a posse da bola, os teus pais também têm culpa no cartório e os pais da Rita só não levam também porque eu não cresci com eles e a mãe do Tomás idem aspas (infelizmente não cheguei conhecer o pai dele).</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Pronto, basicamente culpo todos os adultos que conheço desde miúdo. A culpa é deles por me fazerem acreditar que a idade adulta é um posto que, uma vez lá chegado, nos confere uma sabedoria, por obra e graça divina. Por muito que me desagradassem as descompusturas ou os exercícios de autoridade mais acesos - e eu não-raro exprimia o meu desagrado de forma bem audível - a verdade é que bem no fundo, mantinha a ideia de que os adultos eram eles e por isso sabiam melhor que eu como são as coisas. Para o melhor e para o pior na tarefa de me educarem, os meus pais sempre foram uma frente unida impossível de vergar. Não me lembro de nenhum passo em falso, nenhum risco no verniz, nenhuma palavra mal atonada. Claro que na altura eu não podia achar tudo isso menos frustrante, mas agora que cresci apercebo-me que mais do que intimidação, eles incutiram-me o respeito - por eles e pelas pessoas em geral- além de muitos outros valores que fazem parte daquilo que eu sou e pelos quais nunca poderei agradecer o suficiente. E claro está, amor e carinho foi algo que felizmente nunca faltou na minha infância. Recebi tudo na medida certa. E é por os meus pais terem sido tão bons pais que a culpa é deles. Por me fazerem acreditar que era assim com todas as famílias e que todos os adultos possuíam toda essa sagacidade.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Já tinha nove anos quando eu percebi que não era bem assim. Primeiro, uma vez por acaso, perguntei à minha mãe se os adultos dizem sempre a verdade. Pensava que ela ia dizer sim, mas ela soltou um <i>"Ai, filho, os adultos mentem mais que as crianças"</i>, abrindo uma caixa de Pandora que me fez ficar mais atento às inverdades, piedosas ou não, que os adultos me diziam. E depois por que fui descobrindo entre os meus colegas e outros garotos que eu conheci, casos de maus tratos, omissões e negligências parentais e acabei por concluir que eu até era dos mais sortudos, pois há crianças que são obrigadas a crescer por entre os erros parentais mais básicos, alguns até por entre os tormentos mais inenarráveis.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
À medida que eu ia crescendo e me ia apercebendo que a idade não traz sabedoria e maturidade, pelo menos não tanto como eu esperava, e que uma pessoa vai andando por tentativa e erro, esperando não se espalhar forte e feio, acabei por compreender que os meus pais tinham aprendido a ser pais comigo como eu a ser filho através deles. E que toda a sua destreza educativa tinham muito de improviso e por acaso, tiveram a sorte do método resultar comigo. Se calhar se tivessem tido mais filhos, outro galo cantaria. Como aconteceu com os teus pais que caíram na armadilha de pensar que o que resultara contigo, resultaria também com a tua irmã - e enganaram-se redondamente.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Tudo isto para dizer que a Rita já foi atingida pelo relógio biológico, decidiu deixar de tomar a pílula e convenceu-me que já é tempo de propagar o sangue dos Nogueira e dos Bessa. Por isso não te admires se não tarda nada ela surgir com uma barrigona. Por isso é que tenho andado a pensar em tudo isto, pois a hipótese de vir a ser pai em breve deixa-me tão entusiasmado como aterrado. Por um lado, admito que lá bem no fundo, já conseguia imaginar a minha vida com um rebento, já te via a lidar com a Joana e pensava como é que seria comigo, já consigo pensar em fraldas e biberões sem ter vontade de comprar um bilhete só de ida para Kiribati. </div>
<div style="text-align: justify;">
Por outro lado, além do óbvio pensamento "a tua vida como a conheces vai acabar para sempre", o que me assusta mesmo é saber se estarei à altura. E a culpa é dos meus pais, por terem sido tão eficientes comigo ou pelo menos a me convencerem que o eram. Talvez se por entre essa eficiência toda eu tivesse descrutinado a mais pequenina pedra na engrenagem, não me sentisse com tão medo de errar. Mas ao que parece, ser pai é mesmo assim, esperar que o que se fizer dê certo e rezar para que, quando houver erros, dê para os remediar o melhor possível. É estranho como as tarefas mais importantes da vida nunca vêm com livro de instruções. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O que vale é que pelo menos tive a sorte de aprender com tantos e bons exemplos e não através de exemplos a evitar, como é o caso de tanta gente. E se tu, que és tu, não te tens saído nada mal com a Joaninha, tenho motivos para pensar que sou capaz de dar conta do recado. Certo?...Certo? Deixa lá, se te conheço bem, já só deves imaginar a tua filha em brincadeiras com o meu eventual descendente e já te marimbaste para o que estou a dizer. </div>
<br />
<div style="text-align: right;">
Francisco</div>
<br />
P.S. Se for rapaz, já decidimos que vai ser um Pedro Miguel.Paulohttp://www.blogger.com/profile/00684363818909462724noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4751120753103056336.post-1798639505917018832014-05-27T22:56:00.001+01:002014-10-04T23:21:29.476+01:00Homem Temporariamente Só<div style="text-align: justify;">
Francisco</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Espero que estejas sentado, senão vais cair de cú. Lembras-te da enfermeira dos cuidados intensivos quando estive internado que tu e os outros apelidaram de <i>Hot Nurse</i>? Na altura, eu não liguei nada pois estava ocupado com coisas mais importantes como lutar pela minha própria vida e a penar no pós-operatório, pelo que o aspecto de quem me assistia não podia ter menos importância. Desde que fosse competente, até podia ser uma enfermeira sósia da Conchita Wurst, que me era igual ao litro.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Pois bem, eu ontem saí com a <i>Hot Nurse</i>, de seu nome Raquel. Ao contrário do que já te puseste a pensar, foi apenas um jantar, tudo muito civilizado e platónico, sem nada mais que um beijinho na cara de cumprimento e despedida, e um percurso até à porta dela de mão dada. Se houver algo mais, só o tempo dirá, isto é para ir com calma por isso guarda os foguetes para mais tarde. Até porque, mesmo sem sequelas como felizmente foi o meu caso, o corpo não recupera logo após de um AVC; preciso de ter o corpo, a mente e o espírito nos sítios certos e ainda sinto que há algumas arrumações a fazer.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Pois bem, a Raquel apareceu no outro dia na clínica, para marcar uma consulta para a mãe dela. Por acaso, estava na recepção e ela reconheceu-me, confessando que tinha ficado impressionada com o meu caso, ela nunca tinha visto alguém tão jovem e saudável sofrer um AVC. Tal como deu para ver como ela ficou impressionada ao ver-me recuperado e com algum do meu esplendor restabelecido. Captando algum interesse da parte dela, anotei o contacto dela, e depois de verificar no Facebook que ela não estava comprometida, convidei-a para um jantar. Ficou marcado o encontro para ontem, que era a sua próxima folga.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Como já disse, foi tudo muito educado, uma conversa agradável para nos conhecermos melhor sobre um bom bife no <i>Entre Meadas</i> e outra um pouco mais pessoal sobre um <i>gin</i> no <i>Bar Cáspio</i>. Ficou assente um próximo encontro em breve e que um bom entendimento e uma atracção mútua existem. Mas nós os dois vamos com calma. Pelo menos, este encontro valeu por nos devolver uma sensação de normalidade que nos foge mais frequentemente do que gostaríamos. Para a Raquel, que deu para ver que é bastante dedicada ao seu trabalho e não recua perante as exigências de um sector tão delicado como o dos cuidados intensivos, foi um respirar de alívio num mundo para além dos bancos do hospital, que são difíceis de deixar para trás após a saída com a facilidade de um interruptor. Para mim, foi mais um sopro de vida, a prova que continuo aqui neste mundo e que tive o milagre de poder continuar a viver a minha vida e redescobrir pequenos prazeres como estes. Quanto aos grandes prazeres, logo se vê, acontecerão quando tiverem de acontecer.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ainda é muito cedo para saber se isto com a Raquel vai dar em alguma coisa. Até porque entre as exigências do trabalho dela e a minha bagagem pessoal, para não falar que quem quer que seja que queira partir para algo sério, não poderá fazê-lo apenas comigo mas sim também imperativamente com a minha filha. Mas por agora, eu e a Raquel gostamos da companhia um do outro é o que basta de momento. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Eu não tenho medo da solidão. A bem-dizer, nunca tive, mas agora muito menos. Já tenho tantas bênçãos na minha vida: uma filha, bons amigos, um trabalho que eu gosto, o conforto da minha casa e sobretudo, a capacidade de respirar, de sorrir e de viver. E nós sabemos muito bem que eu estive muito perto de perder isso tudo. Por isso, não me assusta ser um homem só. Mas confesso que eu espero, se não for pedir muito, que seja apenas temporariamente. </div>
<br />
<br />
<br />
Paulohttp://www.blogger.com/profile/00684363818909462724noreply@blogger.com0