segunda-feira, 18 de julho de 2011

Algo

- Olá!
- Olá! Tudo bem contigo?
- Tudo. E tu?
- Também está tudo bem.
- Óptimo...Então, adeus.
- Adeus.
Tinha dito a si próprio que a tinha esquecido. Mas claro que nunca a esquecera. Nem ela tão-pouco o esquecera, bastou vê-la para perceber. Encontrou-a no meio da rua, naquelas situações onde não dá para se fazer de distraído. Cada qual estava acompanhado, ele com uma loura esfuziante, ela com um tipo engravatado. Ele reparou que ela usava a mesma blusa azul de quando a viu pela primeira vez. Tanto tempo passou e ela parecia que mal tinha mudado. Que aquele rosto terno e tímido era o mesmo de quando a conheceu. Ou ainda antes...


ANTES...
- Puta do caralho, foste para a cama com esse cabrão!
- E tu fodeste com aquela vaca putalhona!
- Mas eu deixei-a por ti, tu é que queres trocar-me por ele.
- Deixaste-a por mim! Ai, que generoso. Lá estás tu a fazeres-te passar por santo e eu pela má da fita.
- Deixa-te de merdas.
- Já não posso mais. Estou sufocada.
- Sufocada, tu? Essa é boa. Fazes o que queres e te apetece...
- Faço o que quero? Eu fiz sempre tudo o que TU querias. Porque tem de ser sempre como tu queres senão ninguém te atura.
- Ai é? Então faz como queiras. Vai-te embora, se tu quiseres. Mas, por favor, cala-te.
Depois dos gritos, o silêncio. O que mais havia para dizer, para gritar? De que valia andarem aos berros e a atirar coisas? Perceberam que tinha chegado o fim. Era como se um já não 
tivesse lugar para o outro. Olhando para trás, se não tivessem cometido tantos erros, se tivessem lutado mais por eles, se resistido mais às tentações, não estariam aqui neste ponto sem retorno. Mas agora já é tarde demais.


ANTES...
Ele parece vê-la lá ao longe. Aproxima-se e confirma que é mesmo ela. Está bonita e radiosa como há muito não a via. Ela olha sempre em frente, procurando alguém. Talvez uma amiga. Ele não quer fazer de espião, mas a curiosidade é mais forte. Quando vê o Gonçalo, um colega do trabalho dele. O tipo de pessoa que está sempre de aspecto impecável e que parece nunca pôr uma pata na poça. O sorriso de espião infiltrado desvanece-se quando eles se abraçam e ele lhe dá um beijo na face. Podia não ser nada demais, mesmo assim. Excepto que o rosto dela ilumina-se. Como quando ela o via, há uma eternidade atrás. Ela gostava de ouvir Sheryl Crow.   


ANTES...
Ele entra no quarto. São quatro da manhã. Ela finge que dorme. Ele despe-se e deita-se à pressa. Ela, como quem não quer a coisa, chega-se para junto dele. Ele vira as costas e coloca uma barreira de roupa da cama entre eles. Ela repara num cheiro a perfume que ela nunca usou e que ele nem se deu ao trabalho de ocultar.


ANTES...
O que se passou para ela o achar diferente? Aqueles defeitos, aqueles nadas que ela de início mal reparava, agora irritam-na para além da razão. É o tampo da sanita que ele deixa levantado. É a banheira cheia de pêlos no ralo. É o ruído canídeo que ele faz quando se espreguiça. São aquelas boxers pavorosas com estampado de cãezinhos que ele insiste em usar e em tê-las lavadas e passadas. É ele que come sempre depressa como se fosse apagar um fogo. São os imbecis dos amigos dele sempre com piadolas boçais e nojentas. O homem que ela julgava perfeito é afinal um grande chato. Ainda há pouco, não via nada para além do seu sorriso e do seu olhar. Só pensava em como ele a fazia sentir quando a apertava contra si. Só ouvia a sua voz sensual a dizer baixinho o seu nome. E ela mal acreditava que alguém como ele pudesse amá-la tanto. Será que ainda acredita?

ANTES...
O que está feito, feito está, repete ele. Que estúpido que foi. Por que raio foi ele para a cama com a Joana? Se é ela que ele ama, é com ela que eu partilha o tecto e a vida, é com ela que ele quer casar... Se tivesse que ser ao menos que fosse com uma desconhecida, não com uma gaja que apesar de não ser amiga dela, ela sabe bem quem é.
Ele gostava de saber como é que ele chegou até ali. Terá gostado de ter chamado a atenção de outra mulher? Teria resolvido responder aos avanços dela, apenas de forma inocente? Terá tudo se desencadeado depressa demais? Terá tido saudades dos jogos de sedução, da emoção da caça?
Não importa. Ele traiu aquela que ama. Aconteceu. O que está feito, feito está. É inútil afastar a culpa que o persegue. Resta-lhe a frágil protecção de um segredo. Ela nunca poderá saber...

ANTES...
Mas por que raio é que as mulheres embirram tanto com a porra do tampo da sanita? Ela tinha que fazer uma cena por causa disso? Passou-se, só pode. Mas pronto, acontece a qualquer um. Mas ultimamente, anda a embirrar por tudo e por nada. Ela nunca fora de dar aquela estúpida importância àqueles pormenorzinhos insignificantes. Bem pelo contrário, ela sempre lhe pareceu tão descontraída e descomplexada. Algo nela deixa-o apreensivo. Que é feito daquela tipa bestial que o cativou assim que a viu? Ele não quer acreditar que está perante um caso de metamorfose quase kafkiana. Ele ainda a ama.
Só que...

ANTES...
Seis meses de paixão. Que bela é a vida. Que bela esta manhã de sábado, com a chuva a cair lá fora e eles bem quentes, abraçados debaixo dos cobertores. Como se bastasse isso para serem felizes. Ela deita a sua cabeça no ombro dele e afaga-lhe o torso. Ele passa as mãos pela cabeleira arruivada dela. E como se nada fosse, de repente a coragem para fazer aquela pergunta que há muito tempo ele lhe quer fazer.
- Sabes, detesto termos de andar de um lado para o outro. Mal consigo estar longe de ti. Talvez seja melhor...
- Tens a certeza? - ela percebe logo o subentendido.
- Nunca tive tanta certeza.
- Então quando é que tu pensas mudar-te para cá?
- Mudar para cá? Eu estava a pedir-te para que viesses morar comigo.
- Mas a tua casa é muito longe do meu trabalho, e aqui até nem ficas longe do teu...
- Não, até fico bastante longe do meu emprego.
- Eu sei...mas não podes fazer isso por mim?
Ele hesita. Mas acede.
- Está bem.
Eles beijam-se e voltam a fazer amor. Eles não cabem em si de contentes. Tanta paixão até lhes causa medo. Mas medo de quê?

ANTES...
Ainda bem que ela o desafiou para aquele passeio de bicicleta na serra. Está um belo dia. O ar não podia parecer mais puro a fluír-lhe pelos pulmões. A serra não podia estar mais verdejante e gloriosa. Credo, até os passarinhos a pipilarem é mais doce música para os seus ouvidos. Ele está mesmo apanhado.
Os dois sentaram-se sobre uma manta e lançaram-se avidamente à merenda. Quando estão saciados de comida, ela aproxima-se dele e beija-o ao de leve. Eles olhem em volta, ninguém por perto, não estão numa zona muito visível. Entreolham-se.
- Queres?
- Quero?
Agora há mais algo por saciar.

ANTES...
- Só te conheço há duas semanas, mas começo a ficar completamente louco por ti. Ainda me acabo por apaixonar, se é que já não estou.
A frase está lançada. Ele espera pela resposta. Ele fixa-se nos olhos dela que, à luz das velas, parecem faíscar. Ela não consegue dizer nada, mas o olhar dela diz tudo. Ele continua:
- Eu não sei que sensação é esta, mas seja como for estou a adorar sentir.
- Também sinto o mesmo. Também adoro, nunca senti nada assim.
- Eu também não. - uma pausa. - Amo-te.
- Também te amo.
Ele faz deslizar o vinho branco pelos copos. Os dois brindam e bebem, entreolhando-se. Com que então isto é que é o amor. Os olhos dele brilham como as chamas das velas. Ela mal pode acreditar que alguém como ele a ama. Mas acredita.

ANTES...
Ela entra na loja, detém-se um pouco a ver os CD até pegar naquele que ela quer. Ele observa-a de soslaio. É alta, de cabelo arruivado e a blusa azul que traz vestida fá-la parecer casualmente elegante. Ela só se apercebe dele quando se dirije para ir pagar à caixa. Ele repara no CD que ela traz na mão.
- Gosta de Sheryl Crow?
- Sim, soube que ela tem um novo álbum. Mas o "Strong enough", do primeiro álbum dela, é a minha canção preferida de sempre.
- Não me recordo como é.
Ela não resiste em cantar, mas baixinho.
- Are you strong enough to be my man?
- Maybe.
Ela ri. Ainda que não seja o tipo de homem que ela costuma mais apreciar, ele é bastante atraente. É da altura dela, moreno, de olhos pretos. Fica-lhe bem a barba de dois dias.
- Eu chamo-me H. - diz ele.
- Eu chamo-me M. - diz ela.
A conversa continua até chegar a vez de ela pagar. À saída da loja, ele pede-lhe o número de telefone. Algo lhe diz a ela para o dar. Algo lhe diz a ele que vão se voltar a ver. Algo lhes diz que algo vai acontecer. 

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Pontos de vista

O amor é uma merda. Uma pessoa só sofre. Por que raio fui me apaixonar por aquele vadio? Ele fez de mim o que quis e no fim deitou-me fora, que nem um preservativo. Mas por que é que tenho esta sina com os homens? Por que é que só me apaixono por tipos que não prestam? Tantos rapazes impecáveis por aí  que eu conheço - se calhar alguns até gostam de mim - e eu só me interesso por aqueles de quem devia fugir. Sou mesmo uma estúpida. Basta ver um palminho de cara e de corpo a dizer "Nunca vi uma mulher tão linda como tu" para caír na teia de aranha. Depois quando quero mais, ou fogem a sete pés ou apanho-os a dar a mesma cantiga a outras. E acabo aqui num bar como este, a chorar sobre um copo de whisky.

Só sexo. Nada de envolvimentos. Umas quecas e umas noites bem passadas. É o que eu digo quando me interesso por alguém. Os meus amigos depois aplaudem-me e dizem que sou o maior. Algumas das minhas conquistas mais indiscretas louvam as minhas proezas na cama às amigas. Como diz a Teresa, uma dos meus primeiros casos, dizia que tinha cara de menino e corpo de homem feito e pelos vistos, devo ser por isso que o mulherio me acha piada. Apesar de ter vinte e seis anos, há quem me dê vinte anos ou até menos pela minha cara ainda de chavaleco.
Houve algumas mulheres com que eu poderia eventualmente ter algo mais sério. Mas por preguiça, hábito ou até receio, nunca ousei dar esse passo. Quem sabe se agora não tinha uma namorada porreira e deixava esta sensação de que eu não vou a lado nenhum? Em vez disso, sinto-me um gigolô de trazer por casa. Depois do efémero prazer, dou comigo a fitar o tecto enquanto alguém ao meu lado, vira-me as costas e adormece, satisfeita ou nem por isso. Tudo isto para quê? Está decidido. Acabou-se o "só sexo".

Agora reparo. Aquele rapaz ali naquela mesa é muito giro. Tem cara de miúdo mas deve ser mais velho do que parece. Ai, controla-te, Catarina! Lá estás tu a deixares-te embeiçar por uma cara bonita. Já te esqueceste que ainda agora estavas a chorar por causa do cabrão do Diogo? Deixa lá esse rapaz, às tantas é igualzinho ao Diogo e aos outros sacanas por quem caíste feita parva.

Aquela ali já vai no terceiro whisky. Deve estar a sofrer um desgosto de amor. Algum tipo pôs-lhe os cornos, ou raspou-se mal lhe saltou em cima. Eu ao menos sou sincero, não há cá tretas nem frases feitas. Aposto que o tipo disse-lhe "Nunca vi uma mulher tão linda como tu". Ao menos podiam ser originais e não irem nos mesmos clichés. Mas é pena, ela é mesmo bonita. Se calhar era alguém assim que eu devia procurar. Não é o tipo de mulher que queira só umas voltas. Ela, com o tipo certo, deve dar uma excelente companheira. E se eu fosse o tipo certo? Não. Logo eu. E mesmo que fosse, ela deve estar naquela fase em que odeia todos os homens e se meter conversa ainda fica piúrsa.

Ele olhou para mim. O que será que ele está a pensar? Como saber o que os homens pensam. A Guida diz que os homens são do mais previsível que há. Eu não acho. O que fazer? Saír? Ignorá-lo? Talvez. Vou fazer de conta que não reparo nele.

Bolas, ela é mesmo gira. Será que já reparou em mim? Mas como adivinhar o que vai na cabeça de uma mulher...Depois os homens é que andam imprevisíveis. O que fazer? Ir ter com ela? Ignorá-la? Sair? Sei lá! Eu ia jurar que ela tinha reparado em mim, mas agora já não sei dizer.

Será que ele vem para o pé de mim? Ele já deve ter reparado que eu reparei nele. Se ele vier, o que fazer? E o que ele vai dizer?

Será que eu devo ir para a mesa dela? E se eu for, o que é que digo? Talvez...Olá, chamo-me Ricardo. Não sei se quer companhia, se não quiser, não a incomodo mais. É que reparei que tem um ar triste. Posso fazer alguma coisa para a ajudar?

Se ele vier para a minha mesa, o que é irá dizer? Perguntará o que se passa comigo e eu direi que não é nada. Mas é claro que é alguma coisa, e por isso, se ele insistir, digo a verdade. Que sofri um desgosto de amor.

Se ela disser que sofreu um desgosto de amor, digo-lhe que eu também ando mal de amores. E até nem é mentira. Assim, comungo da dor dela e não se põe na defensiva. Talvez eu lhe explique o que se passa comigo.  A verdade é a melhor política. Ando a procura de relacionamento sério.

Não quero nada fugaz. Quero estabilidade. Ou tudo ou nada.

Quero estar á vontade com alguém à vontade, sem ter que pôr sempre este ar de galã. É só isso.

Quero alguém que seja honesto comigo. É só isso.

Acho que vou para a mesa dela.

Espero que ele venha aqui para a minha mesa.