quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Sem Segredo

Vanessa

Perguntas tu e pergunta muita gente qual é o meu segredo para manter um relação tão apaixonada com o Sérgio ao fim de dez anos de casamento, tendo os dois trabalhos tão exigentes e dois filhos que ainda requerem tanto da nossa atenção. A verdade é que eu não sei. A sério.
É que são muitas as vezes que caímos redondos na cama sem vontade para mais nada senão dormir. Tantas vezes que andamos num turbilhão de preocupações, ele é um dos miúdos que adoece, ele é algum pagamento que ficou em atraso, ele é a roupa que fica por passar, ele é um risco num dos carros e parece que andamos sempre nisto de problemas em problemas que nem dá para trocarmos meia dúzia de palavras como deve ser.
Para além disso, há aqueles momentos de tédio e de tensão, em que um de nós diz ou faz algo que deixa o outro irritado sem que não se possa dizer nada até lhe passar o amuo. Ou então acontece nos apetece estar cada um na esfera pessoal sem ter o outro por perto, ou pura e simplesmente não nos apetece rigorosamente nada.
E depois é como alguém disse, "viver é escolher um de mil caminhos e pensar como seriam os outros 999". Como sabes, pensei muito no César nas semanas a seguir ao nosso jantar de reunião de turma e nem sempre da forma mais ingénua. Tal como sei que o Sérgio repara e aprecia as atenções de outras mulheres no seu dia-a-dia e que já terá tido os seus pensamentos libidinosos envolvendo outras mulheres além de mim. Ou simplesmente, ocorre-nos pensar se fizemos as melhores escolhas possíveis. Por muita convicção e determinação que uma pessoa tenha em se comprometer com alguém para, pressupõe-se, o resto da vida, a ideia de que essa mesma pessoa ficará ao nosso lado até que a morte nos separe é assustadora. Até porque ao longo do tempo, vamos mudando e transformando. Eu já não sou aquela que há dez anos marchou até ao altar da igreja, tal como o Sérgio de então é bastante diferente do Sérgio de agora. 
Gosto de pensar que são as pequeninas coisas que engrandecem e mantêm a nossa união viva e forte ao fim deste tempo todo: os breves períodos de tranquilidade entre fases turbulentas, as palavras certas ditas nos momentos certos, os pequenos gestos que escondem grande valor, os inesperados ataques de desejo que surgem do nada, os rasgos de humor e ternura dos miúdos que nos enche de orgulho, os subtis actos de compreensão.
Mas pode ser que temos é muita sorte e ainda não houve nada que tenha feito ruir os alicerces daquilo que construímos juntos. Infelizmente a vida é cheia de terramotos que abalam até as mais sólidas das fundações e de um momento para o outro, tudo o que acreditamos e temos como seguro desvanece (como aconteceu com a Carina). 
Eu sei bem porque perguntas isso. Já passou a fase de lua-de-mel com o Daniel, onde andavas numa de comédia romântica com laivos de filme erótico. Os pequenos desencantos dele já não se deixam camuflar pelos seus grandes encantos, e mesmo que isso não te faça gostar menos dele, também sabes que é algo que vais ter de lidar. E perguntas-te a ti mesma, se vale a pena dar passos em frente, arriscando a ficares sem chão, enquanto te apercebes que já não dá para recuar para os trilhos que antes pisavas com toda a segurança. 
Tantas perguntas sem resposta, mas não possa ser eu a dá-las. Tomara eu saber a resposta para as minhas. Talvez o segredo seja não haver segredo. Talvez as coisas sejam aquilo que temos à frente, sem nenhum truque escondido e tudo o que achamos complicado afinal é do mais simples que há. Não acontece tanta vez andarmos às voltas à procura de algo que sempre esteve no ponto de partida?
Por isso, se não sabes por onde caminhar, deixa o mundo girar para veres onde ele te transporta.

Joana