quinta-feira, 28 de março de 2013

5%


Se me queres ensinar a ser optimista, confiante e equilibrado como tu, primeiro admite que ninguém consegue ser isso tudo a 100%, quando muito 95%.

Depois mostra-me um pouco dos teus 5%:
- que também tu duvidas de ti próprio quando aparentemente não tens nenhuma razão para tal.
- que também os insultos te afectam e que os elogios são difíceis de acreditar.
- que também tu ficas irritado ou frustrado por motivos irrisórios.
- que também tu dizes palavras erradas, deixas cair coisas, dás passos em falso e escorregas em cascas de banana.

Depois mostra-me que apesar disso tudo, não te envergonhas desses teus 5%.

Só aí é que vou aprender contigo quando me dizes para não me ir abaixo com paus, pedras e más palavras. E se cair, vou aprender contigo a sacudir o pó das calças, levantar-me de novo e regressar a uma fabulosa percentagem de optimismo e autoconfiança. 

quinta-feira, 14 de março de 2013

Parabéns

Hoje faço trinta e seis anos. 

Esta manhã olhei-me ao espelho e senti o peso dos anos, como se em cinco anos tivesse envelhecido dez. Logo eu que durante tanto tempo dei a impressão de ser mais novo que era. Lembras-te de quando nos conhecemos, ficaste espantada ao descobrir que eu era um ano mais velho que tu? 
Agora olho para mim, vejo que o tom dos meus olhos está um pouco mais baço, que o meu rosto é um cruzamento de rugas de expressão, que a minha barriga, outrora bem lisa, está cada vez mais proeminente. Pelo menos, ainda tenho bastante cabelo e são ainda discretas as entradas da calvície, mas suponho que seja uma questão de tempo até começar a ver diariamente uma grande quantidade de cabelos que ficam na escova. 
Nunca fui um homem muito bonito mas o que sempre me faltou em beleza clássica, eu conseguia compensar com charme atrevido e uma lábia apurada. Por algum motivo escolheste casar comigo quando tinhas pretendentes mais garbosos. Hoje em dia duvido seriamente que, com ou sem uma personalidade fabulosa, seja um homem com quem uma mulher imagine uma noite de paixão tórrida. Não que isso me importe, pois a única mulher a quem eu ainda quero inspirar desejo és tu.
Tu raramente desabafas sobre esse assunto, mas sei que também a ti o peso da idade às vezes te martiriza. Reparo na tua expressão desconsolado quando te demoras ao espelho buscando defeitos, alguns visíveis, outros que só tu reconheces. Na tua relutância em me ofereceres a visão da tua nudez. Nos teus suspiros surdos a gabar a fortuna daquelas que têm a sorte e/ou o dinheiro que impedem que a idade não mate o viço dos seus corpos. No teu ar de dúvida quando eu te digo que estás longe de estar danificada por todas as transformações no teu corpo, sobretudo desde que deste à luz a Maria.

É verdade, a idade não perdoa, o tempo não pára, aos poucos vamos perdendo encantos e capacidades, e isso é mesmo lixado como o caraças. Sobretudo porque dá aquela ideia que se vai perdendo mais do que se ganha. Ainda para mais agora que os tempos estão difíceis e o raio da crise tira a paciência a qualquer um. Sim, o meu negócio até não vai nada mal, mas tu bem sabes toda a ginástica financeira e anímica que tenho executado para que não seja engolido pelas malhas da crise e para manter a nossa vida no mais frugal dos confortos. Tal como tens suado as estopinhas no teu trabalho sem a certeza se a remota estabilidade que existe hoje não se desvanecerá amanhã. Depois de tudo isso, ainda existe a Maria, a quem nunca negamos a atenção que ela necessita e merece. Posto isto, são tantos os dias em que caímos redondos na cama sem vontade para algo mais. E de tempos em tempos, em vez de um casamento parece que temos uma empresa de actividades financeiras e puericulturais. 

Mas quando esta noite tiveste energia para me procurar na cama e me contaminaste com essa vontade de nos unirmos, foi como por breves momentos, tudo fosse mais leve e suportável. Não foi uma maratona de prazer alucinante como aquelas em que nos aventurávamos antigamente, não foi nada extraordinário mas que foi muito bom ter acontecido. Não foi por eu fazer anos, não foi por dever conjugal, não foi para enganar o fardo da rotina. Obrigado pelo teu presente, que me fez recordar tanta coisa esquecida e acordar tanta coisa adormecida.
Hoje faço anos mas tu é que mereces os parabéns.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Motivos para Sonhar

Sonhar não é negar a realidade. É sentir que a vida é mais do que aquilo que podemos ver e que a lógica pode explicar. Claro que não se pode viver sempre com os pés fora do chão mas qual é a graça de viver uma vida onde nunca se olha para o alto, para além das nuvens e das coisas visíveis? Diria mesmo que perder a capacidade de sonhar é deixar de viver. 

Claro que nem todos os sonhos são possíveis. É com alguma pena minha que sei que nunca irei imitar o voo das aves, pois não tenho asas para bater e descolar do chão sempre que me apetecesse. Nunca irei  teletransportar-me à velocidade do pensamento para onde quer que eu queira ir. Nunca terei a capacidade de me tornar invisível, de levantar camiões, de ler os pensamentos dos outros ou de prever o futuro.
Mas a maioria dos sonhos são possíveis e alguns deles estão à distância do nosso esforço e perseverança, de pequenos projectos a grandes feitos. Coisas que imaginámos e que construímos aos poucos até se tornarem coisas bem reais. 
Mas existem dois tipos de sonhos que são mais saborosos. Aqueles que surgem na vida inesperadamente, por vezes até sem nos termos dado conta que os tínhamos sonhado e que nos levam a lugares inimaginados, geograficamente e/ou espiritualmente. E aqueles que sempre nos pareceram tão distantes e inacessíveis e que por fim se concretizam, para nos relembrar que vale sempre a pena sonhar.

Durante tantos anos que sonhava um dia em ver as palavras que escrevia em cadernos ou em ficheiros de Word ganharem forma nas folhas de um livro. E agora que este sonho é agora matéria, palavras, folha, papel, capa, livro, ainda me parece tão surreal, como se eu estivesse ainda para acordar e encarar a luz de um novo dia. Mas aos poucos, vou-me apercebendo que estas palavras que durante tanto tempo foram só minhas, pertencem agora a todos que as lerem. E agora sonho que elas irão rumar por caminhos que nunca percorrerei e que talvez durem muito para além da minha vida.

É muito fácil procurarmos refúgio na desilusão, rendermo-nos ao medo, sentirmos que não merecemos mais do que aquilo que temos. Tantas vezes que me senti assim! Mas eis que um sonho meu se tornou realidade como outros que anteriormente acalentei. E descubro novamente todos os motivos pelos quais eu sento-me na pedra filosofal de Gedeão e deixo que a minha vida seja comandada pelo sonho: para saborear os sonhos que concretizam, para sorrir com aqueles que são impossíveis mas que não se perde nada em efabular, para seguir em frente com aqueles que estão a um relativamente fácil alcance. Ou para pura e simplesmente sentir-me vivo.