sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

O Momento Mais Ansiado

Mesmo atarefada na cozinha como é hábito a cada véspera de Natal, a Mãe observa os dois filhos na sala, o mais velho de oito, o mais novo de seis. Aparentemente, parecem entretidos com o filme que passa na televisão, mas ela sabe que existe algo que não lhes sai da cabeça. Os grandes embrulhos de papel garrido que repousam debaixo da árvore de Natal e a hora em que eles lhes deitarão a mão e rasgarão avidamente os papéis e as caixas que contêm os brinquedos que eles pediram aos pais. 
Ela fingiu que não dava por nada mas tem reparado nos últimos dias que os dois têm volta e meia cirandado à volta da árvore, esticaram várias vezes os braços como que a quererem pegar nos embrulhos mas recuando no instante seguinte, calcularam inúmeras vezes diante do calendário quantos dias é que faltam, bufaram as bochechas de impaciência várias vezes por dia, remoeram numa espera que parece cada vez mais longa. 
Nem o facto de já saberem perfeitamente o que se esconde por detrás do embrulho não lhes atenua a ansiedade. De certo modo, os dois sempre souberam que o Pai Natal é tão real como o Homem Aranha. Além disso, o mais velho até acompanhou os pais durante a aquisição, aproveitando a promoção do hipermercado no início de Dezembro.
Felizmente que apesar de tudo, bastou apenas um aviso em voz alta por parte cada um dos pais para eles não tentarem mexer nas prendas, muito menos barafustar ou entrar em modo birra e limitaram-se a um jogo de espera impaciente e silenciosa ainda que mal contida. Também ficaram avisados que só abririam na manhã do dia do Natal, para a véspera já bem bastam as prendas do resto da família que vão abrir em casa dos avós.

Eles só parecem finalmente ter esquecido a ansiedade uma vez chegados à casa dos avós, entretidos entre as brincadeiras com os primos, os bonecos na televisão e os assaltos à travessa de sonhos e coscorões da Avó. É com um certo alívio que o Pai os conduz para a cama quando regressam a casa, cansados demais para se importar com outra coisa senão deitarem-se e deixarem-se vencer pelo sono. No dia seguinte, revigorados pelas horas dormidas, os dois entram pelo quarto dos pais a dentro saltitando de euforia e gritando "Feliz Natal!". Contudo, ao contrário do que a Mãe esperaria, eles não trazem nas mãos os brinquedos que lhes eram destinados, já desembrulhados. Em vez disso, trazem outros embrulhos. O mais novo traz uma caixa embrulhada num sóbrio papel verde e exclama:
- Feliz Natal, Pai, isto é para ti.
O mais velho carrega um grande embrulho num papel às riscas e um elaborado laço em forma de roseta branca e diz:
- Feliz Natal, Mãe. Este presente é para ti.
Os dois pais sorriem, desembrulham as prendas, que também sabem perfeitamente o que contêm. Coisas que cada um comprara, dizendo aos filhos que essa seria a prenda deles para o outro progenitor.  Uma nova cafeteira eléctrica para a Mãe, visto que a actual está quase a dar o berro. Um elegante conjunto de after-shave, perfume e desodorizante para o Pai.
- Muito obrigada, queridos. E vocês já abriram as vossas prendas?
- Ainda não. Já lá vamos. - responde o mais velho. - O que eu e o Martim queríamos mesmo era dar-vos as nossas prendas.
Os pais entreolham-se com um sorriso. Por muito que uns pais conheçam os truques e as manhas dos seus filhos, de vez em quando estes ainda têm a capacidade de os surpreender. E de lhes oferecer mais doces memórias de Natal.