quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Cobranças Difíceis

Ontem chorei a caminho de casa. Felizmente que chovia bastante e podia fingir que as lágrimas eram gotas oblíquas de chuva a desabarem na minha cara.
Não sei porque me deu para chorar. É certo que um dia chuvoso de Novembro nunca será bom para levantar a moral alguém, mas não me sentia triste. De momento a vida corre-me bem e até tenho alguém que de vez em quando chega para trancar a porta ao Inverno e dar-me um pouco do seu calor.
E depois, nunca fui pessoa de chorar. Não por ter vergonha de o fazer, simplesmente fui sempre muito parco em lágrimas, por muito magoado que eu estivesse. Se calhar foi isso que me aconteceu ontem: todos os meus desgostos passados vieram cobrar-me as dívidas, quais agentes de cobranças difíceis, e não tive outro remédio senão expulsá-los pelas fossas lacrimais, sem hipótese de estancar a corrente.

Não conseguia encontrar um motivo definido por isso fui desfiando pelos fios da memória. Os trambolhões que eu dei em miúdo, deixando-me ferido e esfolado, mas que aguentei mordendo o lábio pois desde cedo tinha martelado na minha mente a velha máxima que um homem não chora. As pessoas que me decepcionaram e a quem não dei a satisfação de me verem exteriorizar o desgosto. Os arrependimentos por ter falhado com outras pessoas, faltando-me coragem para assumir os meus erros. As perdas que eu tive e as rédeas que coloquei a essa dor, com medo que se não a conseguisse travar, a dor paralisar-me-ia por completo.
Por entre este cemitério de sofrimentos passados, acabei por me lembrar de ti. Prefiro sempre lembrar-me de ti com ternura, em nome dos breves momentos luminosos que partilhámos, dos beijos que trocámos, daquela noite em que nos demos. Nunca te vi chorar e até sorrias bastante, mas agora sei que apesar disso, nunca te sentiste verdadeiramente feliz. Se calhar, estar comigo naquilo que não tivemos tempo nem vontade para chamar um namoro, foi o mais próximo que tiveste da felicidade. Mas o que podia a ténue luz do amor incipiente de um puto egoísta como eu contra a densa escuridão em que vivias? Só depois de te teres atirado da ponte é que descobri a dimensão dessa escuridão. Tinhas passado por coisas que nenhuma criança deveria passar e que para sempre roubaram a luz e a vida em ti. Se eu na altura tivesse a perspicácia e a maturidade devida, talvez tivesse visto tudo isso por detrás do teu frágil sorriso. Mas eu era miúdo demais para ser quem tu precisavas, ainda tinha tão pouco para oferecer. Agora sei que esse pouco, embora não o suficiente, ainda conseguiu ser tanto para ti. Na altura, o amor e a morte eram conceitos demasiado abstractos para eu conseguir ter uma ideia do que sentia. Só sabia que doeu perder-te assim de repente mas tudo o resto era mais do que eu conseguia alcançar. Por isso, deixei-te ficar assim, iluminada pelas recordações que o tempo deixou a adocicar. 

Porém, agora sei que tive imensa pena de não ter feito mais, de não ter sido motivo suficiente para fazeres marcha atrás na tua caminhada à escuridão. Mas eu só sabia o que sabia e como tal não podia fazer melhor do que fiz. E sei que não vale a pena a viver a lamentar aquilo que nunca fizemos.
Por isso, sempre que a vida me dá as suas pancadas proverbiais, prefiro morder o lábio, fazer-me  de forte e pagar as lágrimas em dívida quando elas me assaltam em chuvosos dias de Novembro.