segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Scrooge Apaixonado

Raios partam o Natal. Como é que possível que algo que eu adorava em miúdo pareça-me tão insuportável aos 30 anos? É que eu não tenho pachorra para tanto Jingle Bells, tanta decoração foleira, tanto puto ranhoso a pedinchar brinquedos que provavelmente não vão ligar nenhuma depois, tanta comida para empanturrar, tantas mensagens vazias e hipócritas. Será que as coisas eram mesmo mais simples quando eu era criança ou será que fiquei mais cínico com idade?

Mas pelo menos para minha mãe, faço um esforço nesta noite de Consoada. Para ela, qualquer ocasião para reunir a família toda é importante, ainda para mais desde que o meu pai morreu há três anos. Por isso, faço o possível para pôr cara alegre e entrar no espírito. Nem que seja pelo faz-de-conta. Por exemplo, faço de conta que sempre adorei as frutas cristalizadas no bolo-rei.
Faço de conta que não ouvi o meu cunhado num canto a falar ao telemóvel com uma tal de Isabel que provavelmente anda enrolado e a minha irmã faz de conta que o marido dela não pula a cerca. Faço de conta de que não acho que ele é um estupor por enganá-la quando não tem nenhuma razão de queixa dela.
Faço de conta que a minha cunhada não se tornou uma mulher seca e chata e que a essa sim, acharia algo justificável uma ou outra facadinha que, felizmente ou não, o meu irmão não se atreve a dar. Faço de conta que os meus sobrinhos ainda não passaram a fase de estarem apenas um pouco irrequietos e já se aproximam perigosamente da zona do insuportável. Até a Carolina, com quem sempre tive uma particular proximidade e normalmente tão sossegada, anda feita uma barata tonta a correr de um lado para o outro com o irmão e os primos. Deve ser do sugar rush das azevias e dos chocolates.Faço de conta que a minha mãe não sente imenso a falta do meu pai em todos os momentos, especialmente nestes. 
E sobretudo faço de conta que eu não ando de cinco em cinco minutos a ver se tu enviaste-me uma mensagem para o telemóvel. Bem sei que não fizemos planos nenhuns, que cada um já tinha planeado passar a Consoada com a respectiva família, que ainda não chamamos namoro àquilo que se passa entre nós. Mas volta e meia dou comigo a pensar em ti, em como o meu Natal ideal era ter-te ao meu lado e o resto que se lixe. Mas no meu telemóvel só chegam mensagens formatadas a desejar Feliz Natal e tudo o mais.

Até que de repente ouço o toque de mensagem. "Feliz Natal. Quando puderes, vem cá..." Seis palavrinhas que, qual milagre de Natal, mudam o meu estado de espírito. Faço tudo para não o mostrar mas o olhar sorridente que a minha mãe me lança mal eu te envio a resposta demonstra que ela reparou, como sempre reparou em tudo. 
E de repente, tudo muda. Já sou todo sorrisos. Dou um beijo à minha irmã, imito o Chewbacca para os miúdos, alinho num ginjinha com o meu irmão e o meu cunhado, até arranco um hesitante sorriso à minha cunhada. Quando chega a troca de prendas, vou agradecendo os packs de meias, os frascos do after-shave e o vale do iTunes. Sentada ao meu colo, a Carolina desembrulha a caixinha de jóias da Violetta que ela me pediu e rodeia-me o pescoço para me dar um beijinho repenicado. Se ainda existe algum stress e tensão, já não o sinto. 

Quando conduzo pela noite fria, até acho piada às iluminações da cidade, as mesmas desde sei lá quanto tempo. Subo as escadas do teu prédio como um miúdo ansioso por abrir as prendas. Quando me abres a porta e recebes-me com aquele sorriso que me enfeitiçou, sei que ainda é possível inventar um Natal simples, onde basta ter aquela de quem se gosta ao nosso lado, e o cinismo e o faz-de-conta ficam lá fora, no frio invernal. Só mesmo tu para, com um simples SMS, trazeres o espírito de Natal a este Scrooge empedernido que se apaixonou por ti.