domingo, 22 de setembro de 2013

Cortar o Fôlego

Pedro:

Acabaste de nos pregar o maior susto das nossas vidas. Mas ainda bem que estávamos todos juntos quando te deu aquele maldito AVC. Nem deves imaginar a agonia enorme que foi ver-te cair inanimado assim de repente, como um boneco que ficou sem pilhas. Felizmente que o meu treino dos bombeiros, a rapidez do Miguel em chamar o 112 e a lucidez inquebrável do Francisco quando toda a gente estava no limite da histeria, aliada ao profissionalismo dos médicos que te operaram, ajudaram a que tudo isto não tivesse passado de um negro mas breve pesadelo. As coisas teriam sido certamente muito diferentes se isso te tivesse acontecido quando estivesses sozinho.
Porém o pesadelo ainda se arrastou por dias, e além de nós os três, toda a gente que te ama passou esta longa e negra sucessão de horas: os teus pais, a tua irmã, a mãe da tua filha. E até mesmo a Joaninha, sem que ninguém tivesse tido a coragem de lhe contar a gravidade de situação, pressentiu que esteve perto de ficar sem pai. Todas estas pessoas andaram todos estes dias como se o chão lhes fugisse debaixo dos pés a qualquer momento, ora com o peito apertado de tanta agonia e ansiedade, ora em estado de zombie sonâmbulo.

Na manhã do dia em que acordámos do pesadelo, ainda sem saber que horas deixarias os cuidados intensivos e voltarias a abrir os olhos, o Francisco, o Miguel e eu fomos tomar o pequeno almoço a uma pastelaria perto do hospital. Qual é o nosso espanto quando o Miguel, que não tocava em qualquer coisa doce há quase um ano, decide pedir uma enorme bola-de-berlim a transbordar de creme. Mesmo sem que eu ou o Francisco disséssemos algo, as nossas caras de espantados eram tão transparentes que ele declarou:

"Sejamos sinceros. Se nós imaginássemos que isto iria acontecer a um de nós os quatro, o mais provável era que fosse eu. E o Pedro o mais improvável. Ele praticou todos os desportos possíveis, levanta pesos desde antes da puberdade, é ultra-cuidadoso com aquilo que come, se deu mais de cinco passas de cigarro na vida já foi muito. E no entanto, é ele que está todo entubado nos cuidados intensivos e sabe-se lá como vai sair desta. Por mim, está decidido, não me vou privar nada. Sim, vou continuar a ter cuidado com a alimentação, vou continuar com as sessões de tortura no ginásio, mas se me apetecer o bolo mais calórico, podem ter a certeza que vou comer. A vida é curta e dela só levamos os prazeres que soubemos tirar dela."

Foi então o Francisco tomou logo ali a resolução de deixar de fumar. Sim, estamos a falar do Francisco, que fuma cigarros como quem come tremoços. Mas ele foi categórico em afirmar que quando merdas destas acontecem, se já é suficientemente complicado quando se tem pulmões saudáveis, com pulmões forrados a alcatrão torna-se impossível. O certo é que ao fim de três dias, ainda não pegou em nenhum cigarro. Claro que por vezes revela os sintomas da privação de fumar, mas sendo obstinado como é, será difícil o Francisco ceder. 
Eu também tomei naquele momento e naquele sítio uma resolução, mas não disse a ninguém senão a mim próprio. Ainda não sei bem como hei de fazer, ainda tenho medo do que vão pensar quando o revelar - incluindo tu. Mas sinto que é um risco que tenho de correr e que me irei arrepender amargamente senão o tomar. Já bem basta as outras tantas vezes que não segui um rumo por medo de arriscar...

Porém, agora o importante é que tu despertaste do nosso pesadelo colectivo, como luz a invadir a noite escura e aqueles que te amam recuperaram a respiração sustida. A operação não deixou sequelas e em breve estarás de novo em casa. Não tarda nada, todo este drama não passará de um obstáculo no teu caminho que soubeste transpôr e continuarás a ser o mesmo Pedro de sempre. Irás a ser de novo o óptimo pai que és para a Joaninha, o irmão protector da Cláudia, o filho atencioso para os teus pais, e o companheiro ideal para aquela que procuras e um dia encontrarás. E nós continuaremos a aborrecermo-nos com a tua mania de exercício, da comida saudável, de nos chamares molengões e a adorar-te por isso e muito, muito mais. Tal como a saúde, a amizade é um bem precioso e ter-vos como amigos é algo inestimável, sobretudo para quem viveu uma infância e adolescência solitária como eu. 

Por isso, recupera a tua saúde e respira a vida que quase te escapou (e que a nós três também pareceu cortar-nos o fôlego). E já sabes que nós os três estamos aqui para o que der e vier. 

Tomás 

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

O Olimpismo está em nós


O Olimpismo é algo que me apaixona desde que me conheço. No entanto, dada a minha ausência de talento para o desporto e de meios para deslocar-me às cidades que organizavam os demais Jogos Olímpicos, sentia que seria esta uma paixão confinada aos meus sonhos mais utópicos. A minha experiência como voluntário nos Jogos da Lusofonia 2009 em Lisboa e nos Jogos Desportivos da CPLP 2012 em Mafra ajudou porém a fazer com que esses sonhos não fossem tão distantes, até porque, sem o saber concretamente, pude assistir nesses eventos a várias manifestações dos valores olímpicos: a excelência, o respeito e a amizade.

Esse sonhos ficaram ainda mais próximos quando assisti a uma sessão da Academia Olímpica de Portugal em Almada e me vi rodeado de pessoas dos mais diversos quadrantes que partilhavam a minha paixão pelo Olimpismo. Quando eu soube do concurso de bolseiros para Sessão de Jovens Participantes da Academia Olímpica Internacional de 2013, que oferecia a oportunidade de ir a Olímpia, o berço dos Jogos Olímpicos, e conviver com jovens do mundo inteiro, não hesitei em participar. Quando recebi a carta a dizer-me que eu seria um dos dois representantes portugueses na Sessão, mal podia acreditar, tive que reler a carta mais vezes. Foi uma espera ansiosa até ao dia 11 de Junho, quando embarquei rumo à Grécia.

Quaisquer adjectivos que possam descrever as duas semanas que vivi em Atenas, Delfi e Olímpia parecem tão insignificantes diante tudo o que me foi permitido sentir e experimentar. Éramos mais de 160 jovens de 81 países, de diferentes realidades e percursos de vida, de atletas olímpicos e paralímpicos a académicos, treinadores e gestores. Porém, aquilo que nos diferenciava perdia importância diante daquilo que nos unia, ao ponto de nos parecer estranho que a Humanidade tenho sempre erguido muros ao longo dos tempos a diferenciar as pessoas - nações, religiões, raças, géneros - quando basta apenas uma palavra, ou até um sorriso, para os derrubar.

No ano do 150.º aniversário do nascimento de Pierre de Coubertin, o tema da Sessão foi o Legado Olímpico e como ele pode influenciar e fortalecer a juventude atual. Imersos na herança cultural da Grécia Antiga, atentos aos conhecimento adquiridos nas palestras, contagiados pelo entusiasmo dos nossos coordenadores, dedicados às diversas actividades desportivas, artísticas e lúdicas, inquisitivos na reflexão dos temas que surgiam nos grupos de discussão, acabámos por descobrir que o legado olímpico está em nós. Os valores olímpicos da excelência, do respeito e da amizade, que vivemos nestas duas semanas de forma tão palpável que até parecia bastar respirar o ar de Olímpia, estavam em nós. Ao vivermos segundo estes valores pelos meandros das nossas vidas, estaremos a promover o Movimento Olímpico e a transmitir o seu legado para o futuro.

Ao longo da sua história, os Jogos Olímpicos deixaram inúmeros legados, positivos e negativos, materiais e imateriais, sendo cada qual uma lição que as gerações vindouras devem aprender. Mas mais do que o impacto organizativo positivo de uns Jogos Olímpicos, as proezas incríveis dos atletas ou mesmo a promoção do desporto, da saúde e do meio ambiente, o verdadeiro sucesso do Movimento Olímpico será inspirar cada geração a lutar por um mundo melhor, dando o melhor de si e deitando abaixo as barreiras que teimam sempre em separar as pessoas. Tal como o fizemos em Olímpia.

Na hora da despedida, não evitámos as lágrimas. Ao fim daquelas duas semanas, passámos de estranhos a amigos. Agora éramos todos portugueses, gregos, sírios, guatemaltecos, japoneses, chilenos, australianos suazis. Todos cristãos, muçulmanos, budistas, judeus, ateus. Todos desportistas, poetas, professores e bailarinos. Todos humanos, pois os valores olímpicos são os valores da Humanidade. Mesmo se as nossas vidas nunca mais se voltarem a cruzar, pelo menos guardaremos as memórias de Olímpia, que perdurarão para o resto da vida. Tal como a vontade de viver a vida pelos valores do Olimpismo e fazer com que o seu legado seja cada vez mais forte. Viemos de tão longe, para perceber que o Olimpismo sempre esteve em nós.