quarta-feira, 25 de junho de 2014

Tentativa e Erro

Pedro

Eu culpo os meus pais. E os do Miguel, que sempre foram para mim quase uns segundos pais. E já agora, uma vez que não costumo jogar ao blamegame e é para aproveitar quando se tem a posse da bola, os teus pais também têm culpa no cartório e os pais da Rita só não levam também porque eu não cresci com eles e a mãe do Tomás idem aspas (infelizmente não cheguei conhecer o pai dele).

Pronto, basicamente culpo todos os adultos que conheço desde miúdo. A culpa é deles por me fazerem acreditar que a idade adulta é um posto que, uma vez lá chegado, nos confere uma sabedoria, por obra e graça divina. Por muito que me desagradassem as descompusturas ou os exercícios de autoridade mais acesos - e eu não-raro exprimia o meu desagrado de forma bem audível - a verdade é que bem no fundo, mantinha a ideia de que os adultos eram eles e por isso sabiam melhor que eu como são as coisas. Para o melhor e para o pior na tarefa de me educarem, os meus pais sempre foram uma frente unida impossível de vergar. Não me lembro de nenhum passo em falso, nenhum risco no verniz, nenhuma palavra mal atonada. Claro que na altura eu não podia achar tudo isso menos frustrante, mas agora que cresci apercebo-me que mais do que intimidação, eles incutiram-me o respeito - por eles e pelas pessoas em geral- além de muitos outros valores que fazem parte daquilo que eu sou e pelos quais nunca poderei agradecer o suficiente. E claro está, amor e carinho foi algo que felizmente nunca faltou na minha infância. Recebi tudo na medida certa. E é por os meus pais terem sido tão bons pais que a culpa é deles. Por me fazerem acreditar que era assim com todas as famílias e que todos os adultos possuíam toda essa sagacidade.

Já tinha nove anos quando eu percebi que não era bem assim. Primeiro, uma vez por acaso, perguntei à minha mãe se os adultos dizem sempre a verdade. Pensava que ela ia dizer sim, mas ela soltou um "Ai, filho, os adultos mentem mais que as crianças", abrindo uma caixa de Pandora que me fez ficar mais atento às inverdades, piedosas ou não, que os adultos me diziam. E depois por que fui descobrindo entre os meus colegas e outros garotos que eu conheci, casos de maus tratos, omissões e negligências parentais e acabei por concluir que eu até era dos mais sortudos, pois há crianças que são obrigadas a crescer por entre os erros parentais mais básicos, alguns até por entre os tormentos mais inenarráveis.

À medida que eu ia crescendo e me ia apercebendo que a idade não traz sabedoria e maturidade, pelo menos não tanto como eu esperava, e que uma pessoa vai andando por tentativa e erro, esperando não se espalhar forte e feio, acabei por compreender que os meus pais tinham aprendido a ser pais comigo como eu a ser filho através deles. E que toda a sua destreza educativa tinham muito de improviso e por acaso, tiveram a sorte do método resultar comigo. Se calhar se tivessem tido mais filhos, outro galo cantaria. Como aconteceu com os teus pais que caíram na armadilha de pensar que o que resultara contigo, resultaria também com a tua irmã - e enganaram-se redondamente.

Tudo isto para dizer que a Rita já foi atingida pelo relógio biológico, decidiu deixar de tomar a pílula e convenceu-me que já é tempo de propagar o sangue dos Nogueira e dos Bessa. Por isso não te admires se não tarda nada ela surgir com uma barrigona. Por isso é que tenho andado a pensar em tudo isto, pois a hipótese de vir a ser pai em breve deixa-me tão entusiasmado como aterrado. Por um lado, admito que lá bem no fundo, já conseguia imaginar a minha vida com um rebento, já te via a lidar com a Joana e pensava como é que seria comigo, já consigo pensar em fraldas e biberões sem ter vontade de comprar um bilhete só de ida para Kiribati. 
Por outro lado, além do óbvio pensamento "a tua vida como a conheces vai acabar para sempre", o que me assusta mesmo é saber se estarei à altura. E a culpa é dos meus pais, por terem sido tão eficientes comigo ou pelo menos a me convencerem que o eram. Talvez se por entre essa eficiência toda eu tivesse descrutinado a mais pequenina pedra na engrenagem, não me sentisse com tão medo de errar. Mas ao que parece, ser pai é mesmo assim, esperar que o que se fizer dê certo e rezar para que, quando houver erros, dê para os remediar o melhor possível. É estranho como as tarefas mais importantes da vida nunca vêm com livro de instruções. 

O que vale é que pelo menos tive a sorte de aprender com tantos e bons exemplos e não através de exemplos a evitar, como é o caso de tanta gente. E se tu, que és tu, não te tens saído nada mal com a Joaninha, tenho motivos para pensar que sou capaz de dar conta do recado. Certo?...Certo? Deixa lá, se te conheço bem, já só deves imaginar a tua filha em brincadeiras com o meu eventual descendente e já te marimbaste para o que estou a dizer. 

Francisco

P.S. Se for rapaz, já decidimos que vai ser um Pedro Miguel.