segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Aranhões na Cabeça

Vanessa

Só podia ser mesmo a Sofia, a nossa delegada de turma, a nossa eterna líder, para se lembrar de organizar um jantar de reunião da nossa turma do 7.º ao 9.º ano. E de repente foi todo um desenterrar de memórias no Facebook, com gente que eu não via há quase vinte anos e de coisas que pareciam para sempre trancadas na minha mente. E na noite do reencontro, todo um desfilar de exclamações de espanto, ataques de riso e algumas lágrimas à mistura.
Alguns dos nossos colegas estavam fisicamente diferentes: o Miguel perdeu não sei quantos quilos e parece metade do que ele era, a Cláudia está um autêntico patinho feio que se transformou em cisne, o Fernando, que sempre recordei de longos cabelos louros, tipo Kurt Cobain, corta agora o cabelo a pente 2 e a Mariana, que era uma autêntica maria-rapaz e que raramente víamos vestida com outra coisa que não sweat-shirts, calças de ganga e fatos de treino, surgiu toda elegantíssima que até tive medo de amarrotar-lhe a roupa ao abraçá-la. 
Mas apesar disso, após as primeiras garfadas, percebi que no essencial não tínhamos mudado assim tanto: o César continua a exercer o seu charme junto das mulheres, o Alex continua a fazer toda a gente rir, a Sandra tem sempre algo a dizer que dá que pensar e bastou cinco minutos com a Joana para perceber que, apesar destes anos com tão pouco contacto, o laço de amizade que nos ligava não perdeu força. 
Porém, para mim, tu foste a maior surpresa deste reencontro. Nunca pensei que tu fosses a pessoa que eu mais gostasse de ter reencontrado. Nós nem éramos muito amigas na altura. Aliás, nem sei bem de quem eras particularmente amiga pois costumavas estar muitas vezes sozinha. Não que fosses uma anti-social, tu até costumavas alinhar em quase tudo o que a malta planeava, mas eras muito senhora do teu nariz, parecias estar melhor quando estavas metida para ti mesmo, a pensar em sei lá o quê. Agora olhando para trás, percebo que te invejava. Tu não tinhas medo de ser tu própria, de pensar por ti mesma, de dizer coisas sem recear se os outros iriam gostar de ouvir ou não e eu gostava de ser assim como tu. Também recordo que eras muito inteligente e estavas entre os que tiravam as melhores notas da turma, mas agias como se isso não fosse nada de importante, e evitavas comparações e competições com o Duarte, o nosso crânio residente.
Só quando estava a sós com a Joana é que eu me sentia à vontade para ser eu própria e falar de tudo o que eu quisesse, pois ela é de longe uma das pessoas mais compreensivas e com capacidade de encaixe que eu já conheci. Fora isso, não sei porquê, nunca ousava destacar-me e contentava-me em seguir nas ondas dos outros, que nem ovelha num rebanho, e morria de medo de ser o centro das atenções, convencida de que estava um passo de dar bronca. E assim continuei pelo resto da vida.
A minha irmã diz que eu sou assim porque herdei da minha mãe o gene "o-que-é-que-os-outros-vão-pensar", máxima pela qual ela tem regido a sua vida e que eu também acabei por seguir. Sempre a pensar na ideia do que os outros poderiam ter de mim e só talvez depois naquilo que eu queria ou o que era melhor para mim. O que me levou a tomar decisões que eu tinha como as mais seguras mas que não eram necessariamente as mais acertadas, especialmente a de ter casado com o David. E foi por causa do que os outros iriam pensar que eu resisti o máximo que pude ao divórcio, mesmo se até antes do início do nosso ponto de ruptura o nosso casamento era um barco a afundar e não haveria mais outro resultado. 
Durante o jantar mantive esse assunto o mais velado possível, se bem que todos foram suficientemente respeitadores para não o abordarem. Entretanto, sentada ao teu lado, foste falando mais sobre ti e fiquei espantada quando disseste que durante algum tempo tinhas visto o 3.º Ciclo como um período algo negativo na tua vida e só agora com toda esta redescoberta, é que percebeste que até te divertias imenso e te davas bem com toda a gente, e tudo o mais era, segundo tu afirmaste, aranhões na tua cabeça. A tua sinceridade acabou por mexer comigo e mais tarde, quando alguns de nós foram ao Bar Cáspio, eu senti-me à vontade para te contar sobre como esta nova fase da minha vida tem-me sido penosa, em que eu me vejo sozinha, com uma filha para criar, a caminhar pelo meu próprio pé, por minha conta e risco. Entretanto, já descobri que essa situação tem o seu quê de libertadora, mas nem por isso deixa de me assustar de tempos a tempos. Já sabia que de ti poderia esperar empatia e compreensão, mas não estava preparada para a tua compaixão, que mostraste de forma subtil, em pequenos detalhes, mas que eu captei e que tanto significaram para mim. E percebi que tu tens um enorme coração, do qual poucos devem conhecer a verdadeira dimensão. Talvez a tua família e o teu namorado. (Esse Daniel é teu namorado, certo? Pelo menos dá para perceber que gostas imenso dele, nisso não foste assim tão subtil). 
E agora que eu conheci um pouco do teu coração, quero conhecer mais. Quero que sejamos boas amigas, tal como pretendo renovar a velha e grande amizade que com a Joana. Preciso de pessoas positivas na minha vida, para eu continuar a descobrir, por muito aterrador que seja, como é ser eu própria e construir sozinha a minha própria felicidade. É incrível constatar como, olhando para aqueles tempos, ser feliz dava muito menos trabalho e eram as nossas mentes inquietas e insensatas de adolescentes que complicavam tudo. Nesta idade, fica mais difícil, mas o interessa é continuar a tentar. E tudo mais são aranhões.

Carina