quarta-feira, 25 de março de 2015

Caixinha de Jóias

Carina

Agora que reatámos a nossa amizade que tinha ficado em banho-maria desde o 12.º ano, apercebo-me que foi uma pena imensa que ela não tivesse continuado. Mas o que fazer? A vida meteu-se pelo meio e estava escrito que tínhamos de seguir cada uma o seu próprio caminho. E se calhar foi por termos passado estes anos todos sem quase nenhum contacto que torna a agora esta retoma ainda mais saborosa. E por acréscimo, ganhámos ambas outra grande amiga na Vanessa. Eu sempre soube que havia muito mais sobre ela do que aquilo que ela demonstrava nos tempos de escola, mas agora que a conheço cada vez mais sobre ela, sinto a presença dela na minha vida quase tão necessária como a tua. Quando estamos a três juntas, não há nenhum momento de aborrecimento.
Sinto-me bastante grata por saber que tanto eu como a Vanessa temos sido o teu maior apoio nesta nova fase da tua vida, em que decidiste começar do zero. Sobretudo porque os teus pais não têm sido exactamente muito solidários contigo, encarando o fim do teu casamento como um falhanço, como se em alternativa fosse um grande feito continuares presa a um casamento que te fazia infeliz e a um homem que já não te dava a devida atenção. Eu sei que talvez a tua filha tivesse sido aquela que mais sofreu com a tua separação do David, mas garanto-te que foi o melhor para todos, sobretudo para a Inês. Aliás até nem me parece que ela se sinta mal com o facto de agora viver sozinha contigo e estar com o pai a cada dois fins de semana. Dá para ver que ela não é uma miúda frágil, e tu também não. 
Mas a verdade é que esta reciclagem de amizades que resultou do nosso jantar da turma do 3.º ciclo também tem significado bastante para mim, mais do que eu julgava possível. Claro que antes disso, já me sentia bastante feliz e realizada: a minha loja pode não ter muitos clientes, mas o que tenho são fiéis e apreciam o meu trabalho, casei com o Sérgio que é simplesmente o homem mais maravilhoso que já conheci, daqueles que eu só pensava que existiam nos livros do Nicholas Sparks, e tenho dois pestinhas que por muito que me deixem a cabeça em água, são a melhor coisa que eu tenho no mundo. Por entre uma ou outra complicação, tinha uma vida estável e previsível. Porém, agora que eu tenho de novo a ti e à Vanessa na minha vida, apercebi-me que já algum tempo que não tinha o meu próprio espaço na minha vida, o meu pequeno recanto emocional, a minha pequena caixinha de jóias com bugigangas pessoais. Apercebi-me que nos últimos anos, apesar de não me sentir menos feliz por isso, tenho vivido muito para a família e para o trabalho de tal forma que entre ser a Joana-mulher de negócios, a Joana-esposa/amante e a Joana-mãe, tinham sido poucos os momentos em que eu pude ser simplesmente a Joana. Por isso, estou muito grata que tu e a Vanessa tenham-me feito reabrir esse recanto esquecido onde posso ser apenas a Joana sem qualquer outro hífen, nem sequer o de Joana-amiga.
Por isso mesmo, sinto-me mais à vontade para contar algo em que muito de vez em quando tem-me assaltado a mente desde o jantar, sem ter medo que me julguem. Já o contei à Vanessa e ela não fez, por isso espero que não te importes esta pequena confidência. Como sabes, o César e eu tivemos uma breve história comum no 9.º ano, algo que não deu para ser considerado um namoro de tão breve que foi, mas que foi bom enquanto durou. E como viste, os anos foram muito generosos com o César, que ainda está mais giro agora do que em adolescente e ele continua com toda aquela pinta de galã malandro, um pouco mais refinado. Pois bem, por entre as memórias do passado e as constatações do presente, já me aconteceu algumas vezes pensar no César de forma não muito inocente, ao ponto de me masturbar  no chuveiro. É claro que nunca teria nada com o César, se ele estivesse para aí virado e por muito charme que ele destilasse. Primeiro porque é o Sérgio quem eu amo. Segundo porque o César sempre teve aquela alma de pássaro e é feliz assim, a pousar onde lhe apetece e a bater de novo as asas quando quiser e não há gaiola que o detenha. Terceiro porque tenho idade e discernimento suficientes para saber que a carne tem as suas fraquezas e caprichos a quem ninguém é imune, mas a mente e o coração são os melhores conselheiros. Por isso, há certos delírios carnais que existem apenas para serem arrumados num recanto da mente e dar-lhes mais valor do que isso é uma insensatez que não vale a pena perseguir. Mas mesmo assim, é bom que eles existam em mim, e creio que em cada um de nós. São como aquelas bugigangas da nossa caixinha de jóias. Podemos não querer usá-las mas a gente gosta de saber que estão lá guardadas. 

Joana