segunda-feira, 14 de julho de 2014

O Céu é o Limite

Mesmo com o boicote dos Estados Unidos e de mais de uma sessentena de países, Moscovo está vestida de festa para receber os Jogos Olímpicos e decidida a ser palco de grandes acontecimentos desportivos.
Como os que estão para acontecer na ginástica feminina, onde as soviéticas não se poupam as esforços para prolongar o seu domínio, sob os olhares expectantes e atentos do público local. Nelli Kim, cujo sangue coreano confere a sua elegância um toque de exotismo, cujo perfume já espalhara há quatro anos no Canadá, é a capitã da equipa soviética onde também pontificam Shaposhnikova, Zakharova, Davydova, Filatova e Naimushina. Porém, não é soviética aquela em que todos os olhares mais se demoram.

Olhares que tentam ver nela aquela menina de rabo de cavalo e sorriso maroto que há quatro anos espantou o mundo quando alegremente transpôs a barreira da perfeição estampada no número 10, num misto de etérea leveza, audácia desarmante e nervos de aço, como se tivesse apenas ganho uma brincadeira de criança. Mas a menina de Montreal cresceu, está agora uma jovem mulher de 18 anos, mais alta, mais pesada. Em vez do rabo de cavalo, o cabelo curto em franja. Em vez do sorriso, seriedade melancólica estampada no rosto. Serão a mesma pessoa? Assim que ela entra em prova e o seu nome é anunciado, esclarecem-se as dúvidas, aumenta a curiosidade. 

Entre Montreal e Moscovo, a vida seguiu como de costume. Quaisquer deslumbres após ter os olhares de mundo sobre si foram rapidamente sacudidos. De volta a Bucareste, é igual às outras: continuar a treinar duro, a procurar a superação, a cumprir a exigência que todos, incluindo ela, lhe impõem, submeter-se à disciplina e até mesmo a um ou outra mão pesada dos treinadores. Além disso sobre ela pairam os olhares atentos dos Ceausescu, que há tanto tempo estrangulam a Roménia com a sua crueldade caprichosa, e que ela pressente não serem acompanhados de boas intenções. O seu único escape é continuar a voar nas asas do sonho, fazendo dos aparelhos de ginástica um céu onde se poderá perder e enganar a gravidade.

Apesar do finca-pé da juíza principal, romena como ela, a ginasta sabe que desta vez só deu para a prata. O ouro foi para Davydova, para gáudio do público moscovita. Mas ela não se importa, sabe que a vida é feita de fins e recomeços e que o seu reinado na ginástica está no ocaso. Além disso, ainda terá o seu nome escrito a ouro em mais duas provas antes que acabem estes Jogos de Moscovo. E algo lhe diz que dali a mais de trinta anos, o nome Nadia Comaneci ainda causará admiração, respeito e reverência.  

Assim que um vento de coragem soprar, será de novo aquela menina feita pluma ao vento, que desafiou gravidade e reduziu a perfeição a um simples número. Nas asas de sonho, reencontrará de novo o firmamento e uma vida em liberdade, que também sonha para a Roménia. Mesmo nascida numa nação onde se pregam os sonhos ao chão, para seres como ela o céu é o único limite.