quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Depois da euforia

Peço imensa desculpa, senhora jornalista, pelas minhas respostas atabalhoadas ás suas perguntas. Como deve calcular, isto tudo é novo para mim, nunca fui entrevistado antes nem fiz uma sessão fotográfica assim com estas roupas tão finas, no meio deste hotel com tantas estrelas onde antes nunca me atreveria sequer a entrar.
Sim, estou bem, muito obrigado. Depois da euforia do fim do programa, senti que o melhor era regressar à minha terra, para junto da minha família e amigos, passar uns dias descontraídos sem pensar no que vou fazer a seguir. Em suma, ser o Eduardo que era, apenas um simples rapaz de vinte e quatro anos, nascido e criado em Guimarães, que gostava de jogar futsal e que pretendia trabalhar em Fisioterapia, para fazer valer a licenciatura feita a custo de muito esforço e alguns sacrifícios dos pais. Foi com alívio que depois destes meses de loucura, fechado numa casa com mais dezena e meia de outros gatos pingados sob o olhar do país, que continuo a ser o mesmo Eduardo. Pelo menos dentro do possível.
Confesso que uma das razões porque quis entrar no programa foi porque queria ver se conseguia ganhar algum dinheiro. Desde que o meu pai faleceu há ano e meio que o dinheiro lá em casa é minuciosamente contado, para que nada nos falte e para se viver com algum conforto, mas sem extravagâncias. Os poucos trabalhos que eu tive desde que acabei o curso foram muito esporádicos, e raramente tinham a ver com a minha área. E há meses que não que conseguia arranjar emprego e não queria ser um fardo para a minha mãe e para a minha irmã, que se esfalfam a trabalhar e ganham bem menos do que o seu esforço mereceria. Por isso, não vou esconder, qualquer rendimento que eu pudesse ganhar por causa do programa, de presença em discotecas ou fosse o que fosse, era bem-vindo. E, claro está, o lado da aventura também me seduziu, passar por essa experiência singular, de viver numa espécie de mundo à parte. É incrível como uma pessoa lá se esquece tão facilmente das câmaras e que tudo o que fazemos está a ser visto e escrutinado por não sei quantas pessoas.
Mas daí a pensar que eu ia ganhar, ainda ia uma distância. Ainda não sei bem porque ganhei. Não sou nenhum pastor campónio, Guimarães até é um meio urbano considerável, até já foi Capital Europeia da Cultura. Não tenho uma carinha laroca, tipo ator dos Morangos Com Açúcar, como o Salvador, nem físico de bodybuilder como o David. Não me envolvi em nenhum romance e nem fiz sexo dentro da casa como o Tiago B. e a Marta. Não sou de me pôr em cantorias e beijinhos para a câmara como a Patrícia. Não sou um líder nato como o Tiago M. Das três vezes que fui nomeado, partia do princípio que tinha sido poupado por exclusões de partes, e que em confronto direto com alguém mais carismático, eu sairia logo.
Já me disseram que eu ganhei porque fui o mais natural, seja lá o que isso quer dizer. Apesar de ter mais afinidades com os membros do quarto amarelo, passei um pouco ao lado dos conflitos com os do quarto verde. Só me envolvi nos conflitos mais generalizados e quando a Joana T. e o Luís andaram a mandar indiretas e a pedirem aos outros para me nomearem, eu fiz-me de despercebido, esperando que o tiro lhe saísse pela culatra.
Sim, isso foi a parte mais triste. Lá dentro estava protegido do que se especulava e comentava cá fora, e agora sei que a minha família, sobretudo a minha mãe, sofreram com o que foi aparecendo na imprensa. Desde gente que me chamava falso e sonso na internet, a pessoas aí da terra que mal me conhecem a darem palpites para as revistas sobre mim e os meus familiares até terem descoberto que o meu pai tinha sido uma vez infiel e até terem contactado a outra, que agora mora lá para os lados de Ponte de Lima. Ainda bem que ela teve a decência de não dizer nada, até porque também ela refez a sua vida, tal como o meu pai percebeu que, após a euforia inicial do caso, era junto da mulher e dos filhos que queria estar.
Para já não falar que das sete raparigas que foram apontadas como sendo minhas ex-namoradas, uma nunca a vi mais gorda, duas só conhecia através de amigos comuns e duas delas, se saí duas ou três vezes com cada, já foi muito. Só uma tinha sido minha namorada, e já há uns bons anos, e aquela que fora a minha ex mais recente ninguém deu por ela. E depois houve a Carina...
Não, não estou nem estive apaixonado por ela. Primeiro não sou de me meter com a mulher de outros, e ela tinha namorado, ainda que tivessem dado um tempo à relação, segundo ela. Depois porque apesar de desde cedo se estabelecer uma química e uma ligação forte entre ambos, sabia que grande parte do que sentia era devido à situação em que estávamos, com as emoções a mil e tentando encontrar um refúgio em alguém. Admito que me senti fisicamente atraído pela Carina, cheguei a pensar no que poderia haver além mais do que tivemos, mas instintivamente sentia que era um risco que eu não queria pisar e creio que ela também não. E agora que estes meses de irrealidade terminaram, começo a analisar tudo pelo que eu passei e já indaguei se ela não se aproximou assim de mim porque foi a única a ver em mim um potencial vencedor e associando-se a mim, ela conseguia chegar pelo menos à final. Nas missões e nos desafios que houve ao longo do programa, ela revelava uma faceta extremamente competitiva e estratega, e tinha a confiança de um jogador que sabe que não vai falhar na cartada final. Pode ser que eu também tenha sido um trunfo para ela ter chegado ao segundo lugar. Não a censuraria se isso fosse verdade, afinal era um jogo e cada um joga como quer, mas eu prefiro acreditar que o que a Carina me disse e me demonstrava era quase sempre com sinceridade. Pelo menos, tenho-lhe a agradecer ter sido o meu abrigo nos meus momentos mais difíceis na casa. Gostava muito de continuarmos amigos, mas agora sei que as nossas vidas têm outras voltas para dar e as nossas promessas podem ficar pelo caminho, até cada um não ser mais que uma terna memória para o outro.
O futuro? Como diz a minha mãe, só a Deus pertence. A maioria do dinheiro será para guardar, para se usar quando for preciso. Pretendo pagar as obras da nossa cozinha, e o resto do empréstimo dos nossos carros, mas também decidi que uma pequena parte será para gastar no que me dê na real gana. Acho que mereço uma ou outra extravaganciazinha. Apesar de estar a gostar desta minha fama inesperada, tenho algum receio do reverso da medalha. Felizmente, acho que continuo a ser o mesmo Eduardo de sempre. Decerto que não foi por ter estado num reality show e não será por agora ser conhecido em todo o país que deixarei de o ser.
Posto isto, venham de lá essas fotos, afinal de contas, estou aqui todo aperaltado neste hotel, quero ver como  fico. Espero que a senhora jornalista tenha gostado de falar comigo. Ora essa, assim fico embaraçado com o seu elogio. Deixe lá, é assim que eu sou.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Águas paradas

Às vezes, quando nado, parece que me transformo em água. Vejo o fundo azul da piscina e invade-me uma sensação de tranquilidade e calma, como se tudo fosse claro e simples como a água. Nado o estilo mariposa com os braços a puxar e as pernas a acompanhar em ondulação. Tento acelerar um bocado o movimento mas o meu corpo recusa esta mudança, quer continuar a deslizar calmamente. Ao fim da piscina, vejo o Bruno, o meu treinador, a querer parecer zangado, mas sem conseguir:
- Então, Cláudia? Isto é tempo que se apresente? Já mais dez piscinas de castigo.
Aceito a sentença por me ter deixado seduzir pela lentidão e retomo a mariposa nadando ao meu ritmo de corrida, ao nível de que o Bruno diz que pode me levar bem longe nas competições.

O Bruno é daquelas pessoas que por muito que tentem não conseguem ser autoritário. Não que isso faça dele um treinador menos exigente e provido de disciplina, pelo contrário. É a maneira de ser dele, para ele está tudo bem, e não perde tempo com chatices. Se ele fica nervoso ou chateado, tenta sempre pôr boa cara. Tem sempre aquele sorriso tímido, que à primeira vista pode parecer um sorrisinho parvo mas cedo se descobre que é mesmo assim o jeito dele, natural e simpático. É daqueles homens que têm aquele charme de que não tem (ou não sabe que tem) charme. Não é daqueles que faça uma mulher parar quando se cruza com ele. Aliás, de cara não é muito bonito: o rosto preserva as marcas de uma acne tardia, o nariz entre romano e aquilino, lábios grossos, cabelo desalinhado e olhos do tom de castanho mais banal. Nem sequer é muito alto. Já o corpo é mais interessante, tem aquele físico de nadador, com os músculos do torso e dos membros bem delineados mas sem parecerem insufláveis como os dos culturistas. Mas o que cativa mesmo nele é a sua simpatia e a sua humildade. Nunca vi ninguém tão modesto, sobretudo alguém que foi aos Jogos Olímpicos. Diz apenas: “Tentei os mínimos e tive a sorte de conseguir”. Se eu me apurar para os  Jogos Olímpicos, hei de ficar tão orgulhosa ao ponto de o dizer a toda a hora até chatear todo o mundo.

Bem sei que só tenho 16 anos e ainda sou virgem, mas sei  bem como as coisas se fazem. As pessoas fazem tanto bicho de sete cabeças sobre o sexo, a mim não parece nada complicado como isso, desde que haja precauções. Os meus colegas, sobretudo rapazes, são ainda muito miúdos e ainda não percebem nada, pelo menos não tanto como julgam. É vê-los de hormonas aos pulos a fazerem figuras tristes atrás das raparigas. E algumas delas a darem-lhe troco. De mim é que não levam nada. Por essas e por outros, que as minhas fantasias são quase sempre com homens mais velhos. Em especial com o Bruno.

Como se diz em inglês, still waters run deep, e admito que já imaginei a profundidade com que deverão correr as águas paradas do Bruno. Mas claro que está que é tudo na minha cabeça e nunca faria nada para o concretizar, mesmo se eu fosse maior de idade. Primeiro, o Bruno só me vê como pupila, quiçá como uma irmã mais nova. E depois a nossa relação de treinador/atleta e de amigos é demasiado valiosa para eu querer pôr em risco, com as minhas fantasias de adolescente. Depois, porque é que o Bruno ou outro qualquer haveria de se interessar por mim. Sou uma autêntica tábua de passar, sem peito nem rabo que se veja, com dentes de coelho e olhos esbugalhados, um pão sem sal com ar de quem deixou ontem de usar fraldas.
O Miguel, que é um dos poucos rapazes de jeito na minha turma, disse-me uma vez que eu tenho cara de Lolita e que não tarda nada, vou deixar muito homem fascinados por mim. Uma ova é que não tarda nada. Mas quem sabe? O melhor é esperar, pode ser que não seja só conversa e a previsão do Miguel se torne realidade e eu seja mais atraente aos olhares masculinos.  O que é fascinante e ao mesmo tempo assustador. De facto, sinto em mim uma sensualidade prestes a explodir e não sei como hei-de lidar com isso. Tenho apenas que crescer mais um pouco – e o tempo passa por vezes mais depressa do que pensamos.