quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Águas paradas

Às vezes, quando nado, parece que me transformo em água. Vejo o fundo azul da piscina e invade-me uma sensação de tranquilidade e calma, como se tudo fosse claro e simples como a água. Nado o estilo mariposa com os braços a puxar e as pernas a acompanhar em ondulação. Tento acelerar um bocado o movimento mas o meu corpo recusa esta mudança, quer continuar a deslizar calmamente. Ao fim da piscina, vejo o Bruno, o meu treinador, a querer parecer zangado, mas sem conseguir:
- Então, Cláudia? Isto é tempo que se apresente? Já mais dez piscinas de castigo.
Aceito a sentença por me ter deixado seduzir pela lentidão e retomo a mariposa nadando ao meu ritmo de corrida, ao nível de que o Bruno diz que pode me levar bem longe nas competições.

O Bruno é daquelas pessoas que por muito que tentem não conseguem ser autoritário. Não que isso faça dele um treinador menos exigente e provido de disciplina, pelo contrário. É a maneira de ser dele, para ele está tudo bem, e não perde tempo com chatices. Se ele fica nervoso ou chateado, tenta sempre pôr boa cara. Tem sempre aquele sorriso tímido, que à primeira vista pode parecer um sorrisinho parvo mas cedo se descobre que é mesmo assim o jeito dele, natural e simpático. É daqueles homens que têm aquele charme de que não tem (ou não sabe que tem) charme. Não é daqueles que faça uma mulher parar quando se cruza com ele. Aliás, de cara não é muito bonito: o rosto preserva as marcas de uma acne tardia, o nariz entre romano e aquilino, lábios grossos, cabelo desalinhado e olhos do tom de castanho mais banal. Nem sequer é muito alto. Já o corpo é mais interessante, tem aquele físico de nadador, com os músculos do torso e dos membros bem delineados mas sem parecerem insufláveis como os dos culturistas. Mas o que cativa mesmo nele é a sua simpatia e a sua humildade. Nunca vi ninguém tão modesto, sobretudo alguém que foi aos Jogos Olímpicos. Diz apenas: “Tentei os mínimos e tive a sorte de conseguir”. Se eu me apurar para os  Jogos Olímpicos, hei de ficar tão orgulhosa ao ponto de o dizer a toda a hora até chatear todo o mundo.

Bem sei que só tenho 16 anos e ainda sou virgem, mas sei  bem como as coisas se fazem. As pessoas fazem tanto bicho de sete cabeças sobre o sexo, a mim não parece nada complicado como isso, desde que haja precauções. Os meus colegas, sobretudo rapazes, são ainda muito miúdos e ainda não percebem nada, pelo menos não tanto como julgam. É vê-los de hormonas aos pulos a fazerem figuras tristes atrás das raparigas. E algumas delas a darem-lhe troco. De mim é que não levam nada. Por essas e por outros, que as minhas fantasias são quase sempre com homens mais velhos. Em especial com o Bruno.

Como se diz em inglês, still waters run deep, e admito que já imaginei a profundidade com que deverão correr as águas paradas do Bruno. Mas claro que está que é tudo na minha cabeça e nunca faria nada para o concretizar, mesmo se eu fosse maior de idade. Primeiro, o Bruno só me vê como pupila, quiçá como uma irmã mais nova. E depois a nossa relação de treinador/atleta e de amigos é demasiado valiosa para eu querer pôr em risco, com as minhas fantasias de adolescente. Depois, porque é que o Bruno ou outro qualquer haveria de se interessar por mim. Sou uma autêntica tábua de passar, sem peito nem rabo que se veja, com dentes de coelho e olhos esbugalhados, um pão sem sal com ar de quem deixou ontem de usar fraldas.
O Miguel, que é um dos poucos rapazes de jeito na minha turma, disse-me uma vez que eu tenho cara de Lolita e que não tarda nada, vou deixar muito homem fascinados por mim. Uma ova é que não tarda nada. Mas quem sabe? O melhor é esperar, pode ser que não seja só conversa e a previsão do Miguel se torne realidade e eu seja mais atraente aos olhares masculinos.  O que é fascinante e ao mesmo tempo assustador. De facto, sinto em mim uma sensualidade prestes a explodir e não sei como hei-de lidar com isso. Tenho apenas que crescer mais um pouco – e o tempo passa por vezes mais depressa do que pensamos. 


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