quinta-feira, 14 de março de 2013

Parabéns

Hoje faço trinta e seis anos. 

Esta manhã olhei-me ao espelho e senti o peso dos anos, como se em cinco anos tivesse envelhecido dez. Logo eu que durante tanto tempo dei a impressão de ser mais novo que era. Lembras-te de quando nos conhecemos, ficaste espantada ao descobrir que eu era um ano mais velho que tu? 
Agora olho para mim, vejo que o tom dos meus olhos está um pouco mais baço, que o meu rosto é um cruzamento de rugas de expressão, que a minha barriga, outrora bem lisa, está cada vez mais proeminente. Pelo menos, ainda tenho bastante cabelo e são ainda discretas as entradas da calvície, mas suponho que seja uma questão de tempo até começar a ver diariamente uma grande quantidade de cabelos que ficam na escova. 
Nunca fui um homem muito bonito mas o que sempre me faltou em beleza clássica, eu conseguia compensar com charme atrevido e uma lábia apurada. Por algum motivo escolheste casar comigo quando tinhas pretendentes mais garbosos. Hoje em dia duvido seriamente que, com ou sem uma personalidade fabulosa, seja um homem com quem uma mulher imagine uma noite de paixão tórrida. Não que isso me importe, pois a única mulher a quem eu ainda quero inspirar desejo és tu.
Tu raramente desabafas sobre esse assunto, mas sei que também a ti o peso da idade às vezes te martiriza. Reparo na tua expressão desconsolado quando te demoras ao espelho buscando defeitos, alguns visíveis, outros que só tu reconheces. Na tua relutância em me ofereceres a visão da tua nudez. Nos teus suspiros surdos a gabar a fortuna daquelas que têm a sorte e/ou o dinheiro que impedem que a idade não mate o viço dos seus corpos. No teu ar de dúvida quando eu te digo que estás longe de estar danificada por todas as transformações no teu corpo, sobretudo desde que deste à luz a Maria.

É verdade, a idade não perdoa, o tempo não pára, aos poucos vamos perdendo encantos e capacidades, e isso é mesmo lixado como o caraças. Sobretudo porque dá aquela ideia que se vai perdendo mais do que se ganha. Ainda para mais agora que os tempos estão difíceis e o raio da crise tira a paciência a qualquer um. Sim, o meu negócio até não vai nada mal, mas tu bem sabes toda a ginástica financeira e anímica que tenho executado para que não seja engolido pelas malhas da crise e para manter a nossa vida no mais frugal dos confortos. Tal como tens suado as estopinhas no teu trabalho sem a certeza se a remota estabilidade que existe hoje não se desvanecerá amanhã. Depois de tudo isso, ainda existe a Maria, a quem nunca negamos a atenção que ela necessita e merece. Posto isto, são tantos os dias em que caímos redondos na cama sem vontade para algo mais. E de tempos em tempos, em vez de um casamento parece que temos uma empresa de actividades financeiras e puericulturais. 

Mas quando esta noite tiveste energia para me procurar na cama e me contaminaste com essa vontade de nos unirmos, foi como por breves momentos, tudo fosse mais leve e suportável. Não foi uma maratona de prazer alucinante como aquelas em que nos aventurávamos antigamente, não foi nada extraordinário mas que foi muito bom ter acontecido. Não foi por eu fazer anos, não foi por dever conjugal, não foi para enganar o fardo da rotina. Obrigado pelo teu presente, que me fez recordar tanta coisa esquecida e acordar tanta coisa adormecida.
Hoje faço anos mas tu é que mereces os parabéns.

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