quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Meu Lar Longe Do Lar

Minha Ju:

Como rapariga engenhosa e prática que és, foste tu que tiveste a ideia de comprarmos uma cama que se divide em duas no IKEA para o nosso quarto. Para fazer amor ou simplesmente para quando nos apetece apenas dormir juntinhos, juntam-se as camas e coloca-se o grande edredon. Quando um de nós está doente, quando eu quero fazer uma pausa de acordar com os teus longos cabelos esparramados na minha cara como se tivesse emergido de uma poça de algas, ou quando te fartas de acordar num cantinho da cama enquanto eu ocupo 95% do território "camal", separam-se as camas e cada um dorme para seu lado. Mas mesmo com as tuas algas capilares e todas as vicissitudes de um leito partilhado, prefiro acordar contigo ao meu lado. Cheguei ao ponto em que me sinto esquisito se acordo sozinho, como se não tivessem sido bem mais os despertares ao longo de mais de três décadas da minha vida em que só estava eu na cama.

Superada a nossa primeira crise de tédio conjugal, que não passou de uma tragicomédia encenada pelas nossas mentes inquietas, pelos nossos egos mutantes e pela nossa inexperiência amorosa, rumámos alegremente para Londres, à nossa primeira etapa das nossa férias. Nada como uma mudança de ares e um mundo de descobertas para reapreciarmos a nossa companhia mútua. Eu nunca tinha ido ao Reino Unido antes, por isso fui descobrindo a riqueza da capital da Velha Albion enquanto tu reciclavas as memórias da tua última visita, quando ainda eras adolescente e as Spice Girls e os Oasis eram a banda sonora dos nossos dias. E claro que demorámo-nos nas instalações olímpicas, assistindo às provas nos ecrãs gigantes já que o único evento que conseguimos ver in loco foi o Brasil-Turquia em voleibol feminino. Acho que nunca torci tanto por nenhum outro país que não Portugal, mas a euforia da torcida dos teus contemporâneos era altamente contagiante. Para fechar com chave de ouro, no dia antes da nossa partida, quando já me conformava em celebrar apenas as medalhas do Brasil, eis que aqueles rapazes da canoagem arrecadaram uma medalha para Portugal. Depois cada um de nós seguiu sozinho para a segunda etapa das férias, rumo à casa do respectivo pai de cada um. 

Chegado a casa, descubro que temos uma nova habitante. O meu pai seguiu o conselho de um amigo e decidiu alugar o quarto do Ricardo. A hóspede actual é uma finlandesa chamada Minna, que está a tirar um dos cursos de Verão da universidade, e é a típica nórdica, alta, loira e calada. Isto é, era calada até eu chegar. Como já te contei, quando cheguei à Noruega, por ser português (que lá é suficientemente exótico) e gostar de conversar, tive logo muito mulherio interessado. Pois o meu charme infalível fez das suas de novo junto de uma nórdica. Enquanto a Minna estava sozinha com o meu pai, era só bom dia e boa tarde, mas comigo estava sempre pronta para conversar e a pedir-me para ir passear com ela. Nem sequer se desmotivou por aí além quando eu disse que eu tinha namorada. Felizmente que a Mónica também está de férias e ofereceu-se para levá-la a passear pelas redondezas e deixei de estar no radar da Minna. Além de que parece que ela agora tem um brasileiro (nem de propósito!) debaixo de olho.

Como sempre é bom voltar ao meu país e à casa onde cresci. É bom ver o meu pai animado depois de tantos tempos de melancolia, a Mónica a construir o seu rumo (finalmente conheci o homem-mistério, o Salvador) depois de ter dado tantas voltas no mesmo eixo e o Ricardo feliz numa relação sólida quando parecia destinado à solidão. É bom sentir o espírito da minha mãe, que parece-me sempre mais próximo aqui, nos lugares e nas pessoas  que ela amou.

Mas confesso que aguardo ansiosamente o momento em volto a Oslo e regresso ao meu lar longe do meu lar, onde estás tu, as minhas coisas, as tuas coisas e as nossas coisas. E uma cama do IKEA que dá para dividir em duas e onde já me habituei a acordar junto a ti, com os teus cabelos espalhados sobre a minha cara, sob um grande edredão.

Com muitas saudades,

o teu Nelson   

    

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