quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Vamos com calma

Caro José Américo Pereira Salvador:

Os teus esforços por fim deram frutos. Já não és um homem-mistério nem uma inicial obscura. És o Salvador, o meu namorado.
A prova final foi teres sido apresentado à família Lima. Eu já sabia que irias passar a prova com distinção, mas não deixa de ser um marco importante. Para o meu pai bastou chamares-te José como ele e trabalhares na auditoria onde trabalham ou trabalharam vários amigos dele. Para o Nelson bastou tu compreenderes as piadas e as conversas dele. Para o Filipe, bastou tu seres "muito giro". Para todos, sobretudo o Ricardo, bastou ver como eu estava tão bem a teu lado. Só ficaram espantados quando te descobriram que te chamas José Américo (uma homenagem ao teu avô paterno, que morreu três meses antes de nasceres), pois pensavam que Salvador era o primeiro nome e não o apelido, pelo qual insististe desde muito novo que todos teus amigos te tratassem. (Porque, de facto, quem é que com menos de trinta anos se chama José Américo?)
Já há muito que não eras apenas alguém para enganar a solidão, que me inspirava somente desejos carnais. Agora és o homem que me assalta os sonhos e me faz sonhar acordada. Agora não coloco rédeas ao coração e digo que te amo. Conquistaste-me. Missão cumprida. E agora? Vamos com calma.

Como sabes, só me apaixonei e amei a sério uma vez antes. No calor da descoberta do amor, entreguei-me sem reservas, voei a três metros acima do céu e rasando o solo, pensando que voava de mãos dadas. Claro que ele também se entregou, talvez a mim mais do que ninguém. Disse-me que eu abri portas que ele julgava que estariam sempre fechadas e que ter-se apaixonado por mim foi das melhores coisas que lhe aconteceram na vida. Só que o problema era mesmo esse: eu amava-o e ele estava só apaixonado por mim. E quando o fulgor da paixão amainou e era preciso voltar a ter os pés no chão, o meu amor, por si só, não foi suficiente para dar os passos em frente. Claro que continuei a tentar e por isso, amei-o ainda mais e ele, ainda apaixonado, não dizia que não. Mas a verdade é que o meu amor não era suficiente para o fazer mudar e caminhar comigo. Ele continuou a preferir o conforto da imobilidade emocional a que sempre estivera habituado e por isso, não íamos a lado nenhum, nem num sentido certo nem  por uma direcção errada. Por fim, percebi que para seguir em frente, tinha que continuar sozinha.
Sofri bastante mas não me arrependo de nada. Mesmo breve, foi uma paixão que foi boa de viver e de sentir, e no fundo é isso que importa. Com o tempo, acabei por ver todo essa fase como uma lição de vida e ajudou-me, por exemplo e como te disse uma vez, a ser mais arrumada de cabeça e de coração, o que se revelou bastante útil quando embarquei nesta minha profissão.

E eis que contigo, vi-me na posição inversa. Não foi difícil apaixonar-me por ti e descobri nos teus braços, com renovado prazer, um novo tipo de paixão: serena mas intensa, divertida mas constante, despretensiosa mas viciante. Mas fui percebendo que por subterfúgios subtis que me amavas: nunca dizias nada por palavras, mas dizias tanto quando me recebias junto de ti. E isso assustava-me, pois não tinha certeza se eu poderia corresponder-te como tu merecias. Teria ficado igual àquele que amei antes de ti e era agora eu que não queria mover-me em nenhum sentido? E assustava-me sobretudo saber que eu já tinha estado no teu lugar e como isso poderia ser tão doloroso, e odiava-me por ter de fazer alguém passar por isso. Claro que nunca te queixavas, mas eu sei que as minhas hesitações magoavam-te. Felizmente que a minha indecisão acabou por se resolver, sem eu sequer dar por isso. Bastou um momento de confidências com o Ricardo e o Filipe, para de repente eu ter a epifania de te referir como "aquele que amo".

Agora acabaram-se os mistérios. És aquele que está na minha vida, que me invade o coração, em quem penso nos momentos solitários. O primeiro passo está dado. Ainda tenho bastantes incertezas, não faço ideia para onde vamos, ainda estou bastante assustada em relação a basicamente tudo. Por isso, recorre de novo à tua calma incansável com que soubeste levar a água ao moinho e vamos lá, devagarinho, um dia de cada vez, como sempre fizemos até agora. Pelo menos agora, voando ou palmilhando o solo, vamos em frente.         

With my love,

Mónica
   

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