quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Miss Saldanha

Já passaram três meses. Não tem sido difícil como eu pensava que ia ser. Entre toda a concentração exigida pelo meu emprego e a descoberta de um novo país onde decidi construir uma vida, ou simplesmente ao pensar em milhentas outras coisas, tenho conseguido. Mas por vezes, ainda me lembro daquela noite e de novo surge aquele alvoroço a atormentar-me. De novo, uns cabelos negros estendidos na cama, uns olhos castanhos ensonados, uma curva de peito a adivinhar-se sob o lençol.

Sabia que a minha vida teria de ser edificada noutras paragens uma vez que as oportunidades eram raras ou nenhumas em Portugal. Não haveria saudades da família e do país que me viu nascer que me impedissem de lutar um rumo mais certo, a trabalhar na minha área. Nem pensei duas vezes assim que soube que uma empresa andava a recrutar profissionais da área de saúde para o Reino Unido. Queria tanto agarrar a oportunidade que todos os nervos que me fervilhavam durante a espera ficaram à porta assim que transpus a sala de entrevistas. Seguiram-se dias de ansiedade, que chegou a ser quase frenética, à espera da resposta. E por fim, o bilhete dourado em forma de e-mail. E com ele, a azáfama da preparação, garantir que estava tudo nos conformes, fazer as malas, ultimar as despedidas.

Já tinha a minha cabeça praticamente a sobrevoar o Canal da Mancha rumo à velha Albion quando saí para uma última incursão na noite lisboeta com os amigos no meu último Sábado em Portugal. Mas assim que a vi, fui obrigado a uma escala imprevista. Sem dar por isso, um cruzar de olhares deu lugar a uma conversa, que deu lugar a uma slowdance, que deu lugar a um beijo, que deu lugar a uma noite no quarto dela, algures no Saldanha. Eu nunca fui de one-night-stands mas o feitiço dela era tal que a resistência era inútil e eu mergulhei de cabeça. Já fazia tanto tempo que não me sabia tão bem sentir um corpo de mulher. E numa só noite, fomos tão longe. 

Mas a manhã de Domingo devolveu-me à superfície e a realidade surgiu dura e fulminante. Tanto para mim como para ela, uma vez que eu tinha-lhe contado que estava de partida. As despedidas foram breves e desajeitadas, sem que nenhum de nós fosse capaz de dizer o que ficaria por ser dito. E quando finalmente embarquei no avião, só conseguia pensar que as memórias e as saudades de Portugal que eu tinha arrumado tão cuidadosamente no coração estavam agora a abarrotar, prontas a arrombar as trancas a qualquer momento. Amaldiçoei o timing destes golpes de destino que de vez em quando viram as nossas vidas do avesso. Mas como não havia nada a fazer, não tive escolha senão seguir em frente.

Já passaram três meses e apesar de tudo, não tem sido muito difícil. Apesar de todos os esforços e exigência, gosto do que faço, gosto deste recanto de Inglaterra onde estou, gosto de saber que estou por fim a germinar uma vida mais parecida com a dos meus sonhos. E tenho conseguido não pensar muito nela. Chegámos a trocar números mas nunca lhe liguei. Nem sequer a procurei no Facebook. Com a minha habitual persistência, tenho conseguido moldá-la a uma breve e doce memória. Se eu começasse a pensar no que poderia ter sido, de como talvez me tenha apaixonado à primeira vista (logo eu, tão pragmático!), acho que daria em maluco. E não me posso dar ao luxo da insanidade. 

Ainda assim, há alturas que não dá para não lembrar. Como ontem, ao sair do trabalho, quando apanhei um táxi onde tocava um tema do musical Miss Saigão no rádio. Prestei atenção à letra e não pude deixar de me rever no desespero do soldado americano que estava prestes a voltar para a América e deu por si a perder-se de amores pela bela vietnamita. Mas como as épicas histórias de amor ficam melhor em cima dos palcos do West End do que na vida real, o melhor é deixar de perguntar os porquês e deixar as memórias do olhos castanhos ensonados da minha Miss Saldanha nos céus de veludo da noite de Lisboa. E bem arrumadas num cofre dentro do meu coração.


    


 

 

1 comentário:

zana disse...

ola, tenho um selo para ti, é o ultimo da pagina
http://sonhodeumatardedeoutono.blogspot.fr/p/selos.html