domingo, 5 de outubro de 2014

De um ano para outro

Pedro

Agora mais de um ano depois, até parece fácil. Como se tivéssemos cruzado a meta depois de uma corrida exasperante e agora fosse tempo de receber o descanso e a glória. Banhar num tépido mar de sorrisos e felicidade e sentir que a próxima cruzada está longe demais para nos tirar o sono.
Parece fácil que estejas aqui de novo a respirar vida por todos os poros, tal como fazias até que há um ano atrás o AVC deixou-te atravessado na última linha e retirou o chão a mim, ao Francisco e ao Miguel que assistimos a esse fatídico instante. Como se a incrível sorte com que foste bafejado ao recuperares sem problemas de maior estivesse sempre prevista na ordem dos acontecimentos, bem como a relação que vives sem pressas (mas com promissores avanços) com a hot nurse Raquel.
Parece fácil ver o Francisco pronto a assumir o papel de pai em breve, a passar a mão pela barriga de quatro meses da Rita (embora ainda se note pouco), a sorrir de orelha a orelha enquanto fala em tudo aquilo que há de fazer e ensinar ao Pedro Miguel. E no entanto, esta nova fase da sua vida tem lhe causado um colapso de dúvidas e um redemoinho de receios que ele, ao seu bom estilo, habilmente disfarça, mas que não passaram despercebidos a nós que o conhecemos tão bem.
Parece fácil o Miguel de braço à volta dos ombros da Sandra, transformado num viril rochedo de afectos, como se tivesse trazido em si toda a alquimia que lhe permite ser o homem, amigo e amante que ela precisava. Só nós é que sabemos o tremendo desafio que foi para ele estar à altura da relação, sobretudo quando lhe demorou tanto tempo a combater os fantasmas do excesso do peso e das relações frustradas. 
Parece fácil olhar nos olhos da Cláudia e ler neles aquilo que sempre sonhei que eles me dissessem, buscar neles a luz e o calor para o meu coração desnorteado e perceber que ela encontra o mesmo em mim. E no entanto, só eu sei o martírio que foi dar o passo em frente, arriscar e rezar para que uma rejeição - por parte dela mas também de certo modo da tua parte também...- não me vergasse a alma. 
Parece fácil nós os quatro, juntos como sempre, um círculo amigos de arcos ilógicos porém inquebráveis, onde os gestos falaram mais alto que as palavras e as maneiras de ser. Ainda mais agora que nenhum de nós está temporariamente só. 
Mas nada na vida é fácil, pelo menos aquilo que vale a pena alcançar. De um ano para o outro, uma pessoas vai vivendo e muitas vezes resvala entre a alegria e o desgosto à velocidade de um batimento cardíaco, quando não mesmo por entre a vida e a morte, como tu bem sabes. Por tudo isto, é bom conservar estes momentos perfeitos, plenos de felicidade em que tudo parece fácil. Mas que são perfeitos precisamente porque não o foram.
Por isso, só posso estar grato que por entre as dificuldades e as arritmias, tenho-te a ti, ao Miguel e ao Francisco para que tudo fique um pouco mais fácil e por saber que comigo por perto, tudo se torna um pouco menos difícil.

Tomás.
 
   
        

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