sábado, 20 de junho de 2015

Leveza do Ser

Joana

Tive que chegar a esta idade para me sentir como se estivesse nos tempos do 3.º ciclo, se calhar ainda mais do que quando realmente estive. Primeiro foi o jantar onde descobri que sentia mais falta da malta da turma do que eu pensava. Depois, firmar este inesperado laço de amizade contigo e com a Carina. Eu que sempre olhei para os grupinhos de raparigas que se juntavam no meio de risinhos e conversas parvas com um misto de desdém e complacência, agora descubro o prazer de risos parvos e conversas parvas (que costumam vir misturadas com assuntos sérios) com vocês as duas. Nem imaginas quanto me custou admitir que eu podia ser assim sem deixar de ser quem sou e que não estava a ser fútil, superficial ou mais atoleimada por causa disso. Mas também, já estou na idade de perceber que só uma mãe-cheia de coisas é que têm de ser verdadeiramente a sério e que a maioria delas é melhor serem tratadas com mais, digamos, leveza.
Por isso é que andei a maior parte dos meus anos na casa dos vinte completamente à nora, porque queria fazer tudo, porque achava que tudo tinha de ser sempre um luta. Mas o que ganhei acima de tudo com isso foram enormes desgastes de energia e dava por mim a regressar à casa da partida sem receber 2000$00. (Credo, como parece tão arcaico agora falar em escudos. E já agora, quanto será que se recebe em euros no Monopólio actual?). Só por volta dos trinta anos é que percebi que fazia melhor em focar-me numa só direcção do que andar feita cata-vento a querer fazer tudo. Ou então é como o meu pai me diz, que a idade traz-nos uma certa calma como antídoto ao facto do tempo parecer correr cada vez mais depressa. Com uns colegas de curso, investi na criação de uma produtora audiovisual, e o que começou por simples negócio sobretudo de filmagem de espectáculos de colectividades locais e de edição de vídeos de casamentos desenvolveu-se num viveiro de projectos bem criativos. E cada passo desse caminho não só me trouxe auto-realização como me ajudou criar uma base sólida interior quando durante muito tempo parecia que andava na vida ao sabor do vento qual fiapo de palha. 
Como se não bastasse, o Daniel surgiu na vida há quase um ano, e não é que me fui apaixonar por ele? Raios parta o estúpido que me deixou caidinha de todo, que nem as raparigas da turma que se punham a fazer coraçõezinhos e a escrever várias vezes os nomes dos namorados ou dos rapazes de quem elas gostavam nos cadernos. Eu que interiormente ria-me disso tudo e me comprazia na minha alegada superior maturidade, agora volta e meio parece que ando a três metros do céu. Sorrio ao pensar como os nossos nomes combinam bem (Daniel + Vanessa), fico com o coração num rodopio sempre que a canção do toque de chamada que lhe atribui desata a tocar no meu telemóvel ("True Faith" dos New Order, um dia explico-te essa história). Enfim, coisas que eu outrora achava do mais foleiro e cliché que há, agora acho tão naturais e aprazíveis. E tudo por causa do estúpido do Daniel. Eu não procurava nada sério, queria tudo muito levezinho e sem levantar ondas e pumba! Não é que o velhaco sabe amar uma mulher e deixá-la sequiosa das suas carícias? E no entanto, desde logo que percebi que não iria ser algo casual. 
Eu devia odiar esta sensação de necessidade dele, a forma como ele consegue derreter a barreira de gelo que sempre orgulhei de erigir só com uma palavra ou um olhar, a maneira como ele consegue que eu dispa a minha alma e lhe revele tudo aquilo que sempre gostei de manter guardado em mim. Em vez disso, encantam-me essas sensações, é como se antes tivesse tido somente uma vida meio-vivida.
Porém, sabes que já passamos o estado de graça e os nossos momentos de tédio e de irritação já se fazem sentir. No entanto, esta sensação de segunda adolescência condimentada com sensatez trintona teima em perdurar. Mesmo que um dia, eu vá em voo picado dos três metros de céu até me espalhar no chão, sinto que valeu a pena ter deixado a terra firme. Agora que sustentei esta leveza no meu ser, sinto-me mais capaz de carregar os pesos da vida. 

Vanessa  

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