sexta-feira, 8 de abril de 2011

Sortes e desgraças

A sorte nunca foi minha vizinha, mas a desgraça costumava bater à porta. Era a minha mãe a levar do meu pai, sobrando muitas vezes para mim. Era o meu irmão no Casal Ventoso, a dar na veia até morrer. Era o meu pai a cair morto na taberna. Era a minha mãe a sucumbir de maluca de tantos anos de porrada e tormento. E sabia que a desgraça viria ter comigo.
Veio no dia em que me disseram que o meu Chico tinha caído do andaime e morreu mal aterrou no chão. Fiquei sozinha com o nosso filho de dois anos, e o único dinheiro que ganhava de meu era a fazer pastéis de bacalhau para fora. O Chico até nem ganhava mal nas obras, sempre dava pôr sempre comida na mesa e vestir o Nelson com boas roupinhas.
Mas o pior de tudo é que eu amei muito o meu homem. Às vezes ralhava comigo como um cão a rosnar, mas nunca me encostou um dedo. Tratava-me bem, ajudava-me de vez em quando a cuidar do cachopo e até lavava a loiça. E amava o amor que fazíamos na cama. Era algo que eu desde moça sempre tive curiosidade em descobrir o sexo, mas diziam é pecado, dói muito, se fizeres antes de casar és uma puta. Mas quando o Chico me fez mulher pouco depois de começarmos a namorar, foi tão grandioso que não percebi porque é que faziam do sexo um bicho de sete cabeças.
Só senti isso quando cedi aos avanços do empreiteiro do Chico. Conheci o Álvaro (só me sinto â vontade por tratá-lo por nome próprio na intimidade) no funeral do Chico. Cumprimentei-o em lágrimas e ele foi muito atencioso. Mal os nossos olhares se encontraram , não só ele ficou fascinado comigo como não me impedi de me sentir atraída. Era um homem bem garboso, apesar de já ir bem nos quarentas.
A partir daí, vinha visitar-me muitas vezes, dava prendas a mim e ao Nelson, arranjou-me emprego na perfumaria e foi-me conquistado aos poucos. O Senhor Engenheiro (como lhe trato fora do quarto) é casado e tem duas filhas. Encontramo-nos sem frequência certa, tanto pode ser mais que uma vez por semana, como uma só vez por mês. Continuo com a minha vida, nunca lhe peço nada nem ando sempre à sua espera. Vivo só para mim e para o meu filho, que já anda na escola.
É uma situação estranha estar na cama com o Álvaro. Recebo do seu corpo macio, cheiroso e delgado o mesmo prazer que sentia do corpo peludo, áspero e musculado do Chico. Por breves instantes, sinto-me doida de prazer, bela, viva. Mas mal ele vai-se embora, sinto-me nojenta por andar a fazer isto com um homem casado e que ainda me vou tramar por causa disso.
Entre azares e sortes, lá vou vivendo. Tenho um filho querido, um emprego que dá para me governar e um homem que faz as vezes de marido. Só espero e rezo que ainda esteja muito longe o momento em que a desgraça volte a bater à porta.        

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