domingo, 6 de maio de 2012

Insanidade temporária

Como pode ela ignorar o olhar cortante do homem da mesa à frente? Desde que entrara naquele restaurante que notara que ele a observava. E ela não consegue disfarçar a inquietude que ele lhe provoca. Nem conseguiu apreciar o jantar, logo hoje que tinha uma há muito ansiada noite livre só para ela, com a filha em casa da avó.
Ela sabia bem que não era um simples olhar de interesse ou de atracção. Já quase que tinha esquecido como era um olhar daqueles. Um olhar de um homem que deseja uma mulher. Um olhar que a trespassava, que parecia despi-la, que inspirava todo o tipo de luxúria e devassidão. 
Como seria possível alguém voltar a olhá-la assim, agora que ela já estava bem na casa dos trinta, depois de ter tido uma filha e de há muito as suas belas e esguias linhas da sua juventude não serem mais de que uma ténue memória?

Ela baixou o olhar para não o ter de encarar. Remexeu o açúcar do café o mais lentamente que pôde, bebeu-o de um só trago. Mas ao baixar de novo o olhar, deteve-se nas mãos dele, solenemente pousadas e sobrepostas na mesa. Eram mãos grandes, calejadas, dedos longos e grossos. Deu por si a imaginar aquelas mãos a agarrarem-na. Acariciando-a suavemente num instante, apalpando-a possessivamente noutro. Intrometendo-se por dentro da sua roupa até encontrarem a sua pele. A rasgarem-lhe as meias num acesso de impaciência.

Um pires com a conta aterrou na mesa, fazendo-a regressar à lucidez. Reparou com alívio que ele já se tinha ido embora. Mas que insanidade temporária fora aquela que a fez desabar pelo olhar de um completo estranho e pensar em coisas inadmissíveis para uma mulher responsável e racional como ela? O ar fresco da rua ao sair ajuda-a a arrefecer os ânimos e tranquilizar o espírito.

Mas eis que ela o encontra. E sem dizer nada, ele leva-a para um recanto bem escondido e encosta-a à parede. Em menos que nada, as mãos deles fazem todas as coisas que ela tinha imaginado minutos antes. Ela sente-se impotente diante do poder dele, das mãos que a invadem, dos beijos que a cobrem e não pode fazer mais nada do que deixar-se levar naquela loucura. Um arrepio atinge-a assim que ouve as meias dela rasgarem-se. Ela também já sente nas suas mãos o membro dele, enorme e retesado, pronto a invadi-la. Enquanto beija-lhe o pescoço, ele avança para tal...

Who do you think you are, running around leaving scars...

Com o impacto de um estrondo, o toque do telemóvel interrompe o enlevo. 
- Estou sim, mãe?
- Maria Helena, desculpa lá estar a interromper o jantar, mas a Leonor queria falar contigo antes de ir deitar.
- Não faz mal. Olá, querida.
- Olá, mamã.
- Portaste-te bem em casa da avó?
- Portei-me. E agora vou-me deitar.
- Está bem. Dorme bem, querida. Boa noite e um beijinho.
Ele aproxima-se e diz:
- Boa noite, Leonor.
- Boa noite, papá. 

Quando a chamada termina, ela volta-se para o marido.
- E agora, continuamos com o nosso plano para esta noite?
- Se ainda quiseres...
- Já há muito que não me olhavas para mim assim.
- Isso é o que tu julgas. Não costumas é reparar.
Desta vez, é ela que o encosta à parede. 
- Muito bem, vamos continuar...  


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