terça-feira, 27 de maio de 2014

Homem Temporariamente Só

Francisco

Espero que estejas sentado, senão vais cair de cú. Lembras-te da enfermeira dos cuidados intensivos quando estive internado que tu e os outros apelidaram de Hot Nurse? Na altura, eu não liguei nada pois estava ocupado com coisas mais importantes como lutar pela minha própria vida e a penar no pós-operatório, pelo que o aspecto de quem me assistia não podia ter menos importância. Desde que fosse competente, até podia ser uma enfermeira sósia da Conchita Wurst, que me era igual ao litro.

Pois bem, eu ontem saí com a Hot Nurse, de seu nome Raquel. Ao contrário do que já te puseste a pensar, foi apenas um jantar, tudo muito civilizado e platónico, sem nada mais que um beijinho na cara de cumprimento e despedida, e um percurso até à porta dela de mão dada. Se houver algo mais, só o tempo dirá, isto é para ir com calma por isso guarda os foguetes para mais tarde. Até porque, mesmo sem sequelas como felizmente foi o meu caso, o corpo não recupera logo após de um AVC; preciso de ter o corpo, a mente e o espírito nos sítios certos e ainda sinto que há algumas arrumações a fazer.

Pois bem, a Raquel apareceu no outro dia na clínica, para marcar uma consulta para a mãe dela. Por acaso, estava na recepção e ela reconheceu-me, confessando que tinha ficado impressionada com o meu caso, ela nunca tinha visto alguém tão jovem e saudável sofrer um AVC. Tal como deu para ver como ela ficou impressionada ao ver-me recuperado e com algum do meu esplendor restabelecido. Captando algum interesse da parte dela, anotei o contacto dela, e depois de verificar no Facebook que ela não estava comprometida, convidei-a para um jantar. Ficou marcado o encontro para ontem, que era a sua próxima folga.

Como já disse, foi tudo muito educado, uma conversa agradável para nos conhecermos melhor sobre um bom bife no Entre Meadas e outra um pouco mais pessoal sobre um gin no Bar Cáspio. Ficou assente um próximo encontro em breve e que um bom entendimento e uma atracção mútua existem. Mas nós os dois vamos com calma. Pelo menos, este encontro valeu por nos devolver uma sensação de normalidade que nos foge mais frequentemente do que gostaríamos. Para a Raquel, que deu para ver que é bastante dedicada ao seu trabalho e não recua perante as exigências de um sector tão delicado como o dos cuidados intensivos, foi um respirar de alívio num mundo para além dos bancos do hospital, que são difíceis de deixar para trás após a saída com a facilidade de um interruptor. Para mim, foi mais um sopro de vida, a prova que continuo aqui neste mundo e que tive o milagre de poder continuar a viver a minha vida e redescobrir pequenos prazeres como estes. Quanto aos grandes prazeres, logo se vê, acontecerão quando tiverem de acontecer.

Ainda é muito cedo para saber se isto com a Raquel vai dar em alguma coisa. Até porque entre as exigências do trabalho dela e a minha bagagem pessoal, para não falar que quem quer que seja que queira partir para algo sério, não poderá fazê-lo apenas comigo mas sim também imperativamente com a minha filha. Mas por agora, eu e a Raquel gostamos da companhia um do outro é o que basta de momento. 

Eu não tenho medo da solidão. A bem-dizer, nunca tive, mas agora muito menos. Já tenho tantas bênçãos na minha vida: uma filha, bons amigos, um trabalho que eu gosto, o conforto da minha casa e sobretudo, a capacidade de respirar, de sorrir e de viver. E nós sabemos muito bem que eu estive muito perto de perder isso tudo. Por isso, não me assusta ser um homem só. Mas confesso que eu espero, se não for pedir muito, que seja apenas temporariamente.               



 

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