terça-feira, 23 de agosto de 2011

Votos desfeitos

Caminho o mais depressa que posso mas a vergonha está no meu encalço. Entro no carro rumo a casa, para junto daquela a quem jurei fidelidade e respeito.
Votos desfeitos numa troca de olhares, outros braços prontos a me acolher. A dizerem que eu sou bom, que sou maravilhoso. A pedirem mais.
Sou um cabrão traidor, que anda há meses metido com uma sirigaita de trazer por casa enquanto a boa esposa, mulher porreira e excelente mãe está lá no lar doce lar, estranhando a minha demora.
Os candeeiros da rua encadeiam-me. Será que ela já sabe? Será que ela imagina a outra como uma deusa sexual, bela e lasciva, impossível de competir? Se ela soubesse como a outra é, ficaria surpreendida. Sim, é bonita e fogosa, mas não muito mais bonita que ela, nem sequer melhor na cama.
Mas não é por isso que vou regressando à outra. É pela maneira como ela me faz sentir. Venerado, adorado, ouvido, importante, especial. Mas também não é muito difícil ela conseguir isso de mim. Nas horas em que me acolhe, não se queixa do trabalho dela, não demonstra o cansaço da sua rotina, não reclama sobre dinheiro nem sobre o ex-marido, não me conta os problemas do filho. Ela põe tudo isso para trás das costas por umas breves horas só para se dedicar a mim. Só tem que sorrir para mim, vestir uma lingerie sexy, dizer-me palavras meigas, tocar-me como sabe que eu gosto. E sinto-me logo o máximo, o macho dos machos. Emocionado com tal dedicação, acredito, acolho, iludo-me.
Até acredito que ela goste de mim, que tenha muito prazer comigo, que a sua devoção não é totalmente encenada. Se não fosse casado, até poderia querer algo mais com ela. Mas esta noite, veio-me uma estranha lucidez. A outra não vale tanto assim, e a esposa não vale assim tão pouco. Tudo o que eu queria encontrar por fora já tinha no sítio de onde parti. Eu é que não passo de um canalha ingrato, que se julgava com uma grande crise existencial. Tudo não passou de uma ilusão. Pode ter tido bonitos momentos, mas não deixou de ser ilusão. Por isso acabei tudo com a outra.
Vou regressar a casa, vou ser um marido decente. Espero que as saudades que possa sentir da outra sejam menos fortes que esta minha nova determinação. Espero que a esposa nunca venha a saber, e se souber, que se dê por satisfeita pelo meu regresso definitivo e não me confronte. Espero que, caso ela me confrontar, eu saiba as palavras certas e os actos correctos. Para que ela me perdoe e não me deixe. Embora não a censurasse se ela o fizesse.
Vou rodar a fechadura e tentar trancar a ilusão para sempre.

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