sexta-feira, 20 de julho de 2012

Zona de conforto

Meu apaixonado S.

Quando te conheci eu não sabia que precisava de um abrigo. Tal como tu não sabias que estavas disposto a  oferecer-me a chave de uma casa. Mas arrumaste tudo, arranjaste um bom espaço para mim e acolheste-me de braços abertos. Sem dar por isso, fui-me instalando e criando o meu conforto.

Como é óbvio, não falo do teu T1 nos arrebaldes, apesar de não ser o típico bachelor pad em que homens como tu assentam arraiais assim que deixam o lar paternal, e onde as mulheres passam tendo como único apeadeiro o quarto. Pelo menos, não tens um televisor de ecrã gigante na sala nem o frigorífico cheio de cerveja. Mas nota-se pela frieza minimalista dos móveis e das linhas que é uma casa de uma pessoa só. Até para me dispensares uma gaveta foi o cabo dos trabalhos porque tinhas tudo cheio com as tuas tralhas pessoais. Mas eu não me importo porque não é dessa casa que eu falo. Já deves saber que falo do teu coração.

Tudo começou de forma simples, com uma troca de olhares no aeroporto. Tu vindo do Luxemburgo onde foste visitar parentes, eu chegada de Barcelona quando eu fazia essa rota. Vieste ter comigo, meteste conversa e eu dei por mim a dar-te troco. Nem sei bem porquê.
Faz parte do ofício de hospedeira ter uma data de espertalhões a meterem-se comigo, julgando que conseguem alguma coisa. (Mas quem foi que colou o raio de rótulo da facilidade às hospedeiras?) A esses avanços, eu reajo fazendo-me de sonsa ou, se eles persistem, ponho um tom autoritário na voz para os tirar desse sentido, ao estilo decalcado de como a minha Mãe fazia para impor a ordem quando os filhos ou os alunos dela armavam confusão. Mas ou devo ter gostado da tua pinta, ou então apanhaste-me num dia mais receptivo, o certo é que a nossa primeira conversa terminou com troca de números de telemóveis e um convite para sair. E eu a pensar porque não, era um tipo giro e simpático e já era tempo de seguir em frente depois do trágico fim da minha paixão de caixão à cova.

Devia ter previsto que na primeira vez em que fizemos amor, isto não era apenas uma sedução inocente e puramente carnal. Devia ter sentido que te tinhas apaixonado por mim. Assustou-me que tudo começasse a tornar mais sério do que gostaria cedo demais. Mas soubeste dar-me espaço para quando apetecia afastar-me e povoar prazer no meu corpo para que eu tivesse vontade de regressar. Alinhaste na minha pantomina, misto de comédia romântica e filme pornográfico, eu a fazer de mulher independente e desprendida, tu no papel de amante esclarecido. Representaste bem o teu papel, que no fundo é aquele que representas para o mundo: homem educado, inteligente, racional, profissional, sensato mas informal e afável.

Mas uma noite, depois de mais uma performance tua com direito a grande ovação e a um bis, apercebi-me que já tinha visto este acto antes. Cresci com três homens assim, o meu pai e os meus irmãos, e foi então que percebi que, tal como eles, por detrás do teu guião, estava um coração. A guiar o teu corpo, a redigir as tuas falas, a oferecer-me pernoita. O teu coração era toda uma casa, com recantos acolhedores, persianas entreabertas, alcovas que convidavam ao descanso. Tinhas-me dado a chave para me abrigar da tempestade e para voltar as vezes que eu quisesse. 

Admito que por vezes fico confusa e não sei o que fazer quanto a nós. Parece que estou a viver a mesma situação mas do lado oposto: agora tenho alguém que me ama e que se entrega a mim e agora sou eu que me deixo ficar imóvel. És tu que tens as certezas e sou eu quem tem as dúvidas e os dilemas. Estou apaixonada por ti, mas será que te amo ou apenas sinto-me comovida pelo conforto que me ofereces? Tu sabes de tudo isto, sempre soubeste. Mas nada dizes, na esperança que eu um dia também te ofereça a chave do meu coração. Enquanto esperas, vais sorrindo sempre que eu rodo a fechadura e entro na tua casa. 

Até ao próximo regresso a casa,



Mónica      

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