quarta-feira, 4 de julho de 2012

Os dígitos da balança

Na escola, nós éramos as gordas da turma e o alvo mais óbvio de troça. Esse fardo comum que era uma mescla de vergonha e frustração serviu para que ficássemos amigas. No final do liceu, cada uma foi à sua vida mas, ao fim destes anos todos, foi óptimo reencontrar-te e retomarmos a amizade antiga, que descobrimos continuar bastante forte, apesar das coisas terem mudado.

A principal diferença é que tu agora és uma autêntica gaja boa. Enquanto isso, por entre passos à frente e passos atrás, já não é nada mau eu nunca mais ter regressado ao número de três dígitos que eu pesava aos dezoito anos e não ascender à casa dos noventa há três anos. Mas sabes lá o esforço que foi só para alcançar isso, e mesmo assim, ao pé de ti, pareço uma lagarta ao lado de uma borboleta.
Se bem que não me surpreende nada a tua metamorfose. Ao contrário de mim, tu nunca foste tímida e sempre conseguiste levar a tua avante. Simplesmente trocaste o conforto que encontravas na comida pelo o do exercício físico e tornaste-te a fanática do ginásio que és hoje.

Como tal, homens não te faltam, é só estalares os dedos. Mas isso é que me preocupa. Estarás a compensar os anos perdidos em que eras invisível às atenções masculinas? Ou será que não estarás agora a bloquear as tuas emoções com sexo, tal como dantes fazias com a comida? 
Não te apoquentes, sei que não és uma mulher fácil, que escolhes só o melhor da mercadoria, que tomas todas as precauções para evitar surpresas desagradáveis e nunca perdes o controlo da situação. E eu até admito que também tenho um pouquinho de inveja por seres tão desejada. Se não tivesse conhecido o Rui e se ele não tivesse tido a capacidade de me ver para além dos dígitos da balança, provavelmente ainda era virgem com esta idade. Juntando o meu peso que me garante invisibilidade ou lugar cativo em caixotes do lixo de tanto gajo à minha ultra timidez natural, as perspectivas não eram muito animadoras. Por isso, dou graças infinitas a todos os anjos e santos pelo Rui.

O que me chateia sobretudo é que talvez já tenhas o homem ideal para ti na tua vida e tu não és capaz de lhe dar uma chance. Ainda não tinhas percebido que o Duarte quer ser mais do que amigo e do ombro em que choras? Que ele está lá sempre que precisas, na esperança que tu abras os olhos? Nunca reparaste no sorriso amarelo dele quando te vê a dar trela a mais um marmanjo? Diz-se que os homens só captam os sinais se os escarrapacharmos à frente deles, mas pelos vistos algumas mulheres são assim. Havia de ser comigo, havia, com um tipo tão giro e porreiraço como o Duarte, queria lá saber se a amizade se estragava ou não.

Por favor, não me faças arrepender de o ter aconselhado. Sim, fui eu que disse ao Duarte para te oferecer romance, em vez de só a amizade. Com ele confortavelmente alojado na categoria de amigalhaço, é natural que não conseguisses ver para além disso. Por isso, ele avançou para a sedução e tu não lhe resististe. E eu toda feliz e ufana no meu sucesso de matchmaker para agora estares toda essa pilha de nervos. 
Agora estás toda confusa, porque não controlas a situação, não saíram as cartas que tu esperavas. Andas a fugir do Duarte como o diabo da cruz e não lhe atendes os telefonemas. E ele todo perturbado, a pensar que se calhar ele deu uma grande argolada, que foi tudo um desastre. Mas se bem te conheço, o que te chateia mesmo foi a coisa ter corrido bem. Se fosse mau, poderias varrer a experiência para debaixo do tapete. Mas como foi bom, sabes que as coisas complicavam-se.

Eu já nem sei se sirvo para dar conselhos a alguém, mas se ainda queres o meu conselho, acho que não tens nada a perder. E não tenhas medo desta mistura de sentimentos que estás a experimentar. Uma pessoa está mais viva quando mais sente. Por isso, arrisca com o Duarte. Por uma vez na vida, não bloqueies as tuas emoções: abre as comportas e deixa-te inundar por tudo aquilo que sentires. Mesmo que não resulte, vais ver que só por isso valerá a pena. 
E não compliques o que é simples. Complicado é perder peso e manter os dígitos de balança num bom número.

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