quinta-feira, 28 de junho de 2012

Nós, os cromos

Nós somos os anos 70, 80 e 90.

Nós somos os cromos que colámos nas cadernetas, dos jogadores do Mundial do México 1986 aos pequenos póneis e às Abelhas Maias. Somos os berlindes, as borrachinhas e as folhinhas de cheiro.

Somos os brinquedos básicos, quase rudimentares, sem pilhas, comando à distância ou tecnologia de ponta, mas que nos permitem inventar todo um universo de aventuras. Somos os carrinhos de corda, os bonecos de PVC, as Tuchas e as Barbies. Somos o ZX Spectrum e a Sega Megadrive. Somos as Barriguitas e os Pin y Pons, os Legos e os Playmobils,  as Tartarugas Ninja e os Moto-Ratos de Marte, o Quem É Quem e o Traga-Bolas.

Nós somos as brincadeiras estúpidas com uma dose de violência de q.b., que esperamos ser um justo preço a pagar por um ego insuflado de virilidade e admiração. Somos o elástico comprado a metro nas lojas de tecido e que pulamos em ladainhas enigmáticas. Somos as bolas que pontapeamos, as cordas que saltamos, as macacas que pulamos ao pé-coxinho. Somos os gritos do "1,2,3, macaquinho do chinês" e do "Lá vai alho!". Somos o coito da apanhada e o salva-todos das escondidas. Somos os triciclos e as bicicletas, os carrinhos de rolamentos por essas ladeiras abaixo.

Nós somos as guloseimas que têm tanto de saborosas como de duvidosas, as palhinhas do Capri-Sonne e do leite escolar, os balões de pastilha elástica. Somos os Tou dos Bollycaos e os Pega-Monstros das batatas fritas. Somos as caricas da Sumol e os crachás do Fruto Real. Somos o arroz tufado do Toffee Crispy, as cores das Pintarolas, os dedos de caramelo e biscoito crocante do Raider (mais tarde Twix). Somos a pastilha do Epá, o cone do Cornetto, a cobertura fina do Fizz Limão. Somos os chupas Mouro, os caramelos Penha, os corantes das PetaZetas e os Sugus de morango.

Nós somos os arranhões, esfoladelas, nódoas negras e galos na cabeça. Somos os remédios que na altura ainda sabiam mal, o adesivo da tuberculina que nos dará sinal verde para irmos à praia e o Quitoso a exterminar os nossos piolhos e lêndeas.

Nós somos as calças de fazenda que picam, os kispos pneumáticos, os collants para rapazes, as meias de renda para as raparigas. Somos os jeans & jackets de ganga, os ténis Sanjo e as sapatilhas de ginástica. Somos as perneiras, as joelheiras nas calças, as cotoveleiras nas camisolas e os enchumaços dos casacos.  Somos os RayBans e as bandeletes. Somos os penteados embaraçosos e a maquilhagem exagerada.

Nós somos a televisão de dois canais, sem telecomando. Somos o miúdo sugado pela nave do "Tempo dos Mais Novos", os desenhos animados dos países do Pacto de Varsóvia e os mui americanos Looney Toons, o Conan e a Candy-Candy. Somos os assobios do Verão Azul, o carro d'O Justiceiro, o canivete do MacGyver, as bóias das Marés Vivas, os blazers do Miami Vice. Somos as telenovelas com sotaque brasileiro, o Festival da Eurovisão, os Telejornais e os jogos de futebol. Somos o nariz do Júlio Isidro, os brincos da Valentina Torres e o gongo da Amiga Olga.

Nós somos o sabre luminoso do Luke Skywalker, os aviões do Top Gun, o chicote do Indiana Jones, os chapéus da Pretty Woman, as garras do Freddy Krueger, o iceberg do Titanic. Somos a Gente Gira que adora um bom Gelado de Limão. Somos mais Fatais que o Instinto ou a Atracção, mais certeiros que os murros do Rocky ou a metralhadora do Rambo. Somos os dentes do Tubarão, a luzinha do E.T., as pegadas do Parque Jurássico.

Nós somos Cinco ou Sete, sempre no meio de Uma Aventura. Somos cá da turma da Mônica e entramos no clube do Bolinha. (Até as meninas entram!) Somos os sobrinhos do Pato Donald e os heróis da Marvel. Somos as capas de filmes da TV Guia e os posters da Bravo. Somos o Correio do Chico Omelete e as páginas centrais da revista de Domingo. (Porque a Gina é muito cara...)

Nós somos as colectâneas de vinil e de CD, somos as cassetes BASF gravadas e regravadas. Somos o electro-pop, o disco-sound, o punk gótico, o heavy metal, o grunge, o rap, a dance music e a música pimba. Somos os slows açucarados e as grandes malhas para exibir os melhores passos de dança ou para andar de carrinhos de choque. Somos os soutiens da Madonna e as bandanas dos Dire Straits. Somos o moonwalk do Michael Jackson e a coreografia da Macarena.  

Nós somos aquele rapaz geek e aquela rapariga desajeitada que são um alvo fácil de troça. Somos aqueles que ficam sentados nos bailes a verem os parzinhos a dançar num clima ultra-romântico. Somos os sonhos coloridos a pensar no rapaz ou na rapariga por quem temos um fraquinho e outros sonhos mais libidinosos a pensar nas mamas da Sabrina/Samantha Fox/Pamela Anderson ou nos torsos desnudados dos Bros./Take That/Backstreet Boys. Somos a inveja mais ou menos evidente pelos colegas que têm sempre brinquedos fantásticos, roupas de marca, e os rapazes ou as raparigas a seus pés.

Nós somos os adultos que se riem dos cromos que nós éramos, que olhamos para esses tempos com uma nostalgia ternurenta que passou uma camada de verniz sobre as coisas más e imprimiu um brilho eterno às coisas boas. Somos o Nuno Markl a documentar com humor e empenho todos estes pequenos grandes retalhos daquilo que somos. Somos as festas Back to the 80's e Let's Control the 90's. Somos os blogues especializados, as páginas do Facebook que começam por "Eu ainda sou do tempo de...", os livros de história e os álbuns de fotografias.

Para o pior e  para o melhor, nós fomos, somos e seremos uns grandes cromos. E ainda bem.

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