segunda-feira, 4 de junho de 2012

Principiante Amoroso

Caro maninho:

Acabo de regressar de quatro dias passados em Amesterdão. Fiquei em casa da família de um colega holandês lá do laboratório, o Arjen. Connosco também veio um casal aqui das Noruegas, a Trine, também nossa colega, e o noivo dela, o Espen. Lá na Noruega, interessam-se sobretudo pelos desportos de Inverno, mas o Espen é doido por futebol e costuma tratar o Arjen por Robben, como o jogador do Bayern de Munique. Já a um amigo nosso que é checo, careca e chama-se Jan, ele chama-lhe Koller. Por este andar, ainda se põe a chamar-me Oliveira...
A Ju não pôde tirar os dias e por isso ficou em Oslo. Mas se puder, quero um dia voltar à Holanda. Já tinha imensa vontade de conhecer o país pelo que tu falavas dele, mas agora que já estive em Amesterdão, gostava de conhecer outras cidades como Roterdão, Eindhoven e Haia, onde tu fizeste o Erasmus. Ainda por cima se, segundo dizes, essas cidades são bem diferentes de Amesterdão. 
Tu já tinhas contado e recontado tanta coisa sobre a cidade, já vi tantas fotografias e imagens na televisão, mas nada se compara a caminhar por aquelas ruas calcetadas, atravessar as pontes e ver os canais. Sempre achei tão redutor como uma cidade cheia de história, cultura e dinamismo seja famosa sobretudo pelas coffeeshops e as meninas das montras do Red Light District, quando até no dito cujo há muito mais que isso. Como uma padaria onde tomei o melhor pequeno almoço da minha vida, um belo de um café au lait com um croissant com geleia de limão que só te digo. As minhas papilas gustativas tiveram um orgasmo múltiplo! 
Claro que aproveitámos para ir ao máximo número de sítios famosos, como os Museus Rijks, Van Gogh e Madame Tussaud's, a casa da Anne Frank e, por exigência do Espen, o estádio do Ajax. Provámos também os arenques, mas eu e os noruegueses ainda preferimos de longe o bacalhau. A única chatice foi que na última noite a Trine e o Espen emborcaram cerveja como se não houve amanhã e andaram a falar ao Gregório durante o resto da noite. A relação dos nórdicos com a bebida é mesmo assim, quando bebem é para a desgraça, são tão regrados que quando pisam o risco, pisam a valer...Mas enfim, adorei esta oportunidade de finalmente conhecer Amesterdão e foi óptimo para mim desanuviar, já que nestas últimas semanas andava numa rotina entediante.

Tenho andado a fazer coisas bastantes repetitivas no laboratório e claro que isso cansa. Felizmente estamos quase a terminar a pesquisa. O pior tem sido, em casa com a Ju. Não, não nos zangámos. Simplesmente estamos numa fase mais apática na nossa relação. Primeiro foi a euforia de nos conhecermos e começarmos a namorar, depois a de ela se mudar aqui para o meu apartamento e agora andamos há algum tempo assim. Os dias andam uns atrás dos outros, levantamo-nos, comemos, fazemos a lida da casa, andamos em modo de piloto automático. Sabes muito bem que eu não tenho nada contra uma rotina, que gosto de seguir coisas à risca e de saber com o que contar e não gosto de lidar com imprevistos. Talvez se estivesse sozinho isso não me causasse tanto transtorno. Mas eu tenho aquela que eu amo aqui comigo e não consigo deixar de me sentir chateado por a nossa relação estar actualmente num tédio onde até a nossa intimidade tornou-se previsível. E sem me dizer nada, consigo sentir que a Juliana sente o mesmo que eu.
Talvez estejamos a sentir estas apreensões todas pois esta é a primeira relação séria para ambos. Não somos ingénuos para achar que ia ser tudo azul e cor-de-rosa quando encontrássemos o amor e sabemos perfeitamente que todas as suas relações têm volta e meia as suas fases de tédio, inquietude, dúvida e até mesmo de irritação mútua. Mas a verdade é que andamos neste limbo, entre aborrecidos e apreensivos, como se ainda fossemos adolescentes a desbravar primeiros caminhos nos meandros do coração.  
Se ao menos tivéssemos tido algum ensaio no passado, por mais pequeno que fosse, para sentirmos que tínhamos passado por algo minimamente semelhante. Só que ela, por causa do trauma da mãe e da sua timidez natural, nunca permitiu entregar-se verdadeiramente a alguém antes de mim, à parte um romance de férias que ela teve há uns anos mas que foi breve demais para ela ficar devidamente instruída. E eu passei demasiado tempo a ser um tótó que não percebia as mensagens subliminares de quem estaria eventualmente interessada em mim, como algumas amigas da Mónica, ou a andar obcecado com a Mafalda que ao trocar o código Morse pela boca no trombone, fez-me o obséquio de me inaugurar. Gastei imenso tempo a imaginar que vivia com a Mafalda um amor de perdição sem perceber que ela era um pombinha da Catrina: era de quem a apanhar, ou de quem ela apanhasse, até bater as asinhas de novo. Depois, com a minha própria metamorfose de nerd para chic magnet, também eu fui pousando e voando até aterrar em Oslo e deixar-me conquistar por uma brasileira muito tímida mas tão linda que só ela. 
Com isto tudo dei a imaginar como terá sido com os nossos pais ao longo dos anos. Sempre mantiveram uma frente unida diante de nós, mas também por vezes não era difícil ver que também passavam por períodos bastante difíceis, onde pouco bastava para que um deles ficasse incomodado com o outro. Não que o amor deles alguma vez estivesse em causa, mas entre problemas de trabalho, três filhos para cuidar, contas para pagar e mais outras chatices não menos ibidem, houve sem dúvida alturas em que a relação entre ambos ficou descurada. Decerto que tu também já passaste o mesmo com o Filipe e que tiveste de recorrer a todos os teus conhecimentos de psicologia (ou então se calhar tiveste que deitar esses conhecimentos às urtigas!) para ultrapassar essas fases. 

Bem, mas não te vou maçar mais com estas minhas interrogações de principiante amoroso. Como em tudo o resto, é viver e aprender. Aliás, a minha profissão não tem tanto de tentativas, erros e acertos? Como sempre um abraço ao nosso pai e um beijinho à Mónica. 

Nelson

P.S.: Quando cheguei a casa, encontrei a Ju como sempre a ler, os óculos postos, o cabelo apanhado ao alto, os pés apoiados no tamborete do sofá, como tantas vezes nos últimos meses. Não se foi das saudades, dos meus olhos terem lavado a vista com a viagem ou destes devaneios a que a minha mente resolveu entregar-se, mas só me apetecia beijá-la. E quando ela olhou para mim e disse "Senti sua falta", percebi que até numa fase menos boa, mesmo com tédio e desencanto, é com ela que eu quero estar e isso é que importa.

  

     

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