quarta-feira, 13 de junho de 2012

O quarto elemento

Quando fizeste a minha carta astral, frisaste que o Fogo é o meu elemento dominante. Não apenas por o meu signo ser Leão, mas também porque outros planetas e casas astrais impelem para este elemento, como acendalhas para uma fogueira. Quanto mais penso nisso, mais fico com a certeza que tens razão, que o fogo é o meu elemento. Sou uma mulher fogosa, pode-se até dizer. Cada um é para o que nasce e eu não nasci para ser uma princesa de gelo. Mesmo numa situação que requer alguma dissimulação da minha parte, prefiro esconder-me atrás de um sorriso amarelo do que fazer uma cara de póquer. Vivo a minha vida intensamente, porque acho que uma vida que se vive sem emoção fica apenas meio vivida.
Também disseste que eu não estava mal servida de Terra e de Água, mas que o Ar era insuficiente no meu mapa astral. Que sem Ar, o meu Fogo corre o risco de arder sem governo, queimando tudo no seu trilho disforme ou então apagar-se, carente de oxigénio para se alimentar. Tal como o vento ateia os incêndios mais fortes e apaga os mais fracos. E eu também sei uma coisa ou duas sobre mexer no fogo e sair queimada. (Não literalmente, diga-se).

Tu és mesmo assim, dizes coisas que a princípio soam tão bizarras, mas vai-se a ver batem certo. Por essas e por outras, estava particularmente ansiosa por saber a tua opinião do Francisco quando o apresentei ao nosso grupo de amigos. Primeiro, porque não és de meias tintas e tens uma franqueza não muito politicamente correcta mas eficaz. Segundo, por causa daquele fraquinho que tiveste em tempos por mim. Que nunca confessaste abertamente mas como sou boa entendedora, meia palavra bastou, tal como outra meia palavra bastou para te dar a entender que tinhas de apontar noutra direcção, porque em mim não terias mais que uma amiga. Mas sei que um dos efeitos dessa fase foi teres delineado uns padrões bem elevados para aquele que eventualmente me assaltasse o coração, não podia ser um qualquer fulano.

Quando conheceste o Francisco, ainda não andávamos oficialmente. Era mais andarmos a ver se andávamos, que isto de tanto tempo a sermos só bons amigos e depois considerar a hipótese de sermos bons amantes é um território com as suas armadilhas e tínhamos de ter bem a certeza onde pôr o pé.
Mas foi com alegria que tu o aprovaste. Achaste-o reservado mas simpático, discreto mas com presença, informal mas educado. Só franzi o sobrolho quando disseste que ele tinha uns olhos como o Droopy, aquele cão dos desenhos animados. É de facto frequente dizerem que ele tem um olhar triste, mas não diria que é o olhar de um cãozinho frágil e abandonado. Ao que prontamente relembraste que o Droopy podia ser triste e sensível, mas não era de todo frágil e ele safava-se sempre muito bem de quem o queria tramar.
Depois de mais um tempo de convivência e em que a toda a nosso círculo já o considerava um amigo, seguiu-se a oficialização. Foi então que me disseste que o strong silent type fica-me bem. Mais uma vez, tinhas razão. O Francisco é mesmo assim, quieto, na dele, mas sempre atento, agindo só nos momentos- chave, como uma força tranquila mas persistente. O pior é que eu sempre tive uma queda para os rebeldes e para os figurões: encantava-me a sensualidade bandida e as viagens alucinantes numa montanha russa de emoções. Já a minha mãe dizia que eu me tornei advogada para defender causas perdidas e fazer os bandidos parecerem santos. No meu caso, até nem era o típico síndroma feminino de amar o Che Guevara e depois pedir-lhe para fazer a barba. Era mais uma vez o meu Fogo, sempre a querer atear-se e arder por todo o lado. Mas quem ficava sempre ardida era eu, quando vinha de novo a lucidez.

Ainda não sabia que o verdadeiro calor vem das brasas e não da chama. E basta uma centelha para que o fogo renasça, mais belo e ardente que antes. Foi o que aconteceu entre mim e o Francisco. No seu jeito, esperou que eu perdesse tempo com esses bandidos até eu abrir os olhos e ver que o que eu andava à procura esteve sempre ali. E vi que ele esteve sempre lá quando precisei dele, sempre com um sorriso nunca triste. À medida que o meu olhar ia ficando mais atento, descobri o seu discreto mas poderoso charme, os elementos de um namorado dedicado e de um amante intenso. Fiquei rendida. Assustada mas completamente rendida e decidida a arriscar a travessia do campo minado que separa os amigos dos que são mais que isso. Mas desviei-me das armadilhas e não olhei para trás. E surpresa das surpresas, o Francisco é Aquário, signo do Ar. O elemento que tu disseste que eu tinha em carência. Mas agora acho que encontrei o meu quarto elemento que, tal como o vento, sabe como amainar as minhas chamas mais descontroladas e aumentar aquelas que me fazem viver.

Já agora, mesmo sabendo que quem sabe de Astrologia és tu, permite-me um conselho. Como o teu signo é da Terra, não queiras uma mulher de Fogo como eu, que podes ficar com o teu solo macio e fértil todo ardido. Olha, procura talvez uma com signo de Água, que saiba como regar a tua Terra, para que se mantenha sempre verde e viçosa.

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