domingo, 10 de junho de 2012

A lição de Panenka

O pai chegou a casa e viu o petiz de dez anos algo cabisbaixo, a ver televisão com cara de quem não estava a prestar atenção para o que se passava no ecrã. O pai sentou-se ao lado dele, pôs o seu melhor sorriso n.º 33 e pousou a mão na cabeça do miúdo, dizendo suavemente:
- Então, filho, estás bem?
- Estou.
- Parece que estás preocupado com alguma coisa.
- Não é nada. Estou só a ver televisão.
- Não sabia que costumavas ver os programas de culinária da SIC Mulher.
- Bem...até nem estava a prestar muita atenção. Estava a pensar numas coisas.
- O dia correu-te mal na escola?
- Nem por isso. Foi só uma coisa, mas não tem importância.
- Mas diz lá.
- Bem, é que no recreio fomos jogar à bola e a certa altura, o Eduardo sugeriu que fizéssemos um concurso de penaltis. Sabes, ele anda nas escolas de futebol do Desportivo e joga a guarda-redes. Nós gostámos da ideia e, então um de cada vez, ia rematando à baliza e o Eduardo tentava defender. E eu fui o único que não conseguiu marcar nenhum golo. Está bem que o Eduardo é muito bom guarda-redes e fez grandes defesas, mas todos os outros conseguiram batê-lo pelo menos uma vez. Só eu é que não consegui. Ou os meus remates saíam muito fraquinhos ou então chutava com força demais e saía para fora...
- E os outros começaram a gozar contigo?
- Houve alguns risinhos e algumas bocas, mas eu fingi que não liguei. Aliás, era só um jogo, não é?
- Mas ficaste um bocado envergonhado de não teres conseguido marcar um penalti, não foi?
- Foi. Não é que eu queira ser futebolista, como alguns dos meus colegas, mas gosto de jogar à bola e não quero ser menos que os outros.
- No fundo, queres ser competitivo.
- Sim, isso. Mas infelizmente não sou bom finalizador, e não tenho um remate forte e certeiro como o Ruben ou o Bernardo.
- Podes não ser bom finalizador, mas com certeza és bom noutras coisas: a defender, a passar...
- Eu sei...
O pai esboçou um sorriso. Recordava-se também do tempo em que passou por algo semelhante, nas suas brincadeiras à bola em criança. E da ingénua insensatez de criança com que se fazia troça dos menos hábeis. E orgulhou-se do filho, apesar de incomodado, não ter dado parte de fraco, tentando minimizar as troças. Podia contar-lhe que também em pequeno tinha passado pela mesma situação, numa peladinha que tinha sido desastrosa para ele, que também ele sentira-se um aselha do pontapé, mas que no jogo seguinte, já estava tudo amigos como dantes e que no jogo seguinte, esteve bem melhor. Mas optou por contar-lhe outra história.
- Já ouviste falar de Antonin Panenka?
- Quem?
- Antonin Panenka. Era um jogador da selecção da Checoslováquia.
- É, dantes a República Checa e a Eslováquia era um só país.
- Exactamente. E quando a tinha mais ou menos a tua idade, vi a final do Europeu de 1976, na antiga Jugoslávia. Em Zagreb, a Checoslováquia estava a jogar contra a Alemanha, que era campeã mundial e europeia, que tinha grandes jogadores como Beckenbauer, e aquele que era o melhor guarda-redes na altura, Sepp Maier. O jogo terminou empatado 2-2 após o prolongamento e teve que ir às grandes penalidades. Quando um dos alemães falhou o penalti, se a Checoslováquia acertasse a seguir, vencia. Foi então que Panenka preparou-se para rematar. Mas ele sabia que no futebol, usar a cabeça é tão importante como ser bom de pés. Reparou que Maier conseguia adivinhar para onde é que os rematadores iriam chutar a bola e saltava que nem uma aranha para os defender e assim conseguia evitar muitos golos e penaltis. Então em vez de apostar num pontapé forte, Panenka decidiu fazer algo completamente diferente, nunca visto antes. Enquanto corria para rematar, deu uns passos a travar posicionando-se como se fosse chutar para a direita. Mas em vez disso, deu apenas um remate seco em frente. Como Maier, enganado, saltou para a direita, nada pode fazer quando viu a bola aterrar no meio da baliza. E assim a Checoslováquia tornou-se campeã da Europa e Panenka ficou para a história, não por um golo ou remate espectacular, mas por ter usado a cabeça e observado bem. Desde então, esse tipo de penalti passou-se a chamar o penalti à Panenka e só uns quantos jogadores souberam dominá-lo tão bem como ele. Mas por exemplo, o Hélder Postiga marcou um penalti assim no Euro 2004, contra a Inglaterra.
- Ah, pois foi. - replicou o petiz calmamente.
Mas o pai reparou que o semblante do filho estava mais animado.
- Da próxima vez que fizerem um concurso de penaltis, vê-se que consegues fazer como o Panenka e enganar o Eduardo.
- Talvez.
Nisto, a mãe apareceu na sala.
- Filho, anda pôr a mesa para irmos jantar.
- Está bem. - respondeu o petiz.

- Bem, grande história que te lembraste de contar só para o nosso filho não ficar chateado. - exclamou a esposa assim que o filho se dirigiu para a cozinha.
- Eu estava inspirado. Mas eu lembro-me bem desse jogo, como se tivesse sido ontem, por isso foi fácil contar tudo.
- Sim, senhor.
Após um breve silêncio, ela disse em voz baixa.
- Foi em Belgrado.
- O quê?
- A final do Europeu de 1976 foi em Belgrado, disseste que tinha sido em Zagreb. Mas estiveste bem na mesma.

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