sábado, 10 de agosto de 2013

Pontos de Vista 2 (ou Um Autocarro Chamado Desejo)

Não, hoje não vou pensar em sexo. O que é demais, enjoa, andar a comer gajas pode ser bom para o ego e para o currículo, fazer-me sentir atraente e macho, mas ao fim e ao cabo, permanece esta sensação que ando a colar os cacos da minha existência com cuspo. Vou antes pensar noutra coisa, no próximo jogo do Benfica, no próximo CD que vou comprar, nas camisas que eu tenho de passar a ferro, em comprar comida para o hamster, na situação política do Médio Oriente, quem vai ser o próximo expulso da Casa dos Segredos. Tudo menos sexo.

Detesto quando o autocarro vem apinhado cheio de gente, com velhas mais enrugadas que passas de uva a grunhir, tipos barrigudos e sebosos a soprarem-me no pescoço, putos a berrar por isto e aquilo, os encontrões, as paragens bruscas e sei lá mais o quê. Felizmente que hoje não está muito cheio, dá para eu ir sentadinha, e que bem que me sabe, apesar de me fazer pensar que já me ando a cansar como uma velha.

Raios parta a ladeira. Mas quem é que se lembrou de erguer um cidade cheia de subidas e descidas. Para quê andar de montanha russa quando se vive em Coimbra? Basta apanhar um autocarro.

Quando chegar a casa, tenho que rapar as pernas. Malditos pêlos que crescem como ervas daninhas.

Será que a sopa de anteontem ainda está boa? Não me apetece fazer nada para o jantar. Tudo bem que eu até sei cozinhar algumas coisas e não sou daqueles que compram sempre comida feitam, mas hoje não estou com pachorra nenhuma para tachos. Se a sopa estiver azeda, faço umas tostas mistas e tá a andar.

Pelos menos, o meu cabelo está bem hoje. Gosto deste tom de coloração, É louro o suficiente para me dar um visual novo mas suficientemente acastanhado para que não passe por loura bimba. Na próxima vez que for ao hiper, tenho que comprar outra embalagem.

Aquela fulana que vi há dias no Insónias tinha cá umas mamas...Merda, lá estou eu a pensar nestas porrar. Eu até nem gosto de mulheres com grandes mamas. Bem basta daquela vez que a Daniela, que tinha uns grandes airbags, quase me sufocava com o peito quando se deitou em cima de mim.

Qual é o mal de estar sozinha? Era melhor andar com um traste qualquer só por que sim, se calhar! Só poque não tenho ninguém há oito meses, não me vou transformar numa velhota solteirona com duas dúzias de gatos. Ainda só tenho 28 anos, tenho muito tempo. E mesmo que não encontre mais nenhum tipo decente, hei de ser feliz à minha maneira.

Pronto, agora que reparei naquela ali ao lado, não consigo deixar de a observar. Mas pronto, não tem mal nenhum se for discreto. Está sentada, mas parece-me bastante bem feitinha. E sem ser demasiado vistosa.

Agora que reparo, aquele ali ao lado é muito giro. Gosto do cabelo dele assim meio despenteado, tem ombros largos e olhos escuros. Sim senhor. Se calhar é daqueles que têm as gajas que quer e não quer, mas se é, pelo menos não parece assim muito emproado.

Ela agora virou a cara para mim. Bolas, é mesmo gira. Que olhos, que boca. Decididamente é daquelas que são para manter. Pelo menos, do tipo que eu quereria que fosse minha namorada, se eu estivesse virado para isso.

E se ele sentasse ao pé de mim e metesse conversa?

"Olá, o meu nome é Vítor, e o teu?"

"Chamo-me Laura. Gosto de filmes a preto e branco, livros do José Luís Peixoto, pintura abstracta, flores secas, comida chinesa, adoro Tindersticks e Nouvelle Vague. Tenho um canário."

"Eu tenho um hamster. Gosto de hóquei em patins, snooker, filmes do Tarantino, frango assado, pipocas, pintura abstracta, Radiohead e Sigur Rós."

"Não gosto de homens peludos, é só pelos de lavatório. Gosto de homens sérios e trabalhadores, mas com sentido de humor."

"Gosto de mulheres atenciosas mas que não se detêm em pormenores e pormenorzinhos, que gostem de sair e conversar. Divertidas mas que saibam ser sérias quando é preciso."

"No fundo, só quero alguém com quem eu gosto de estar, mesmo sem fazer nada."

"No fundo, só preciso, como toda a gente, que alguém esteja ao meu lado."

"És tu, és tu quem eu procuro!"

"Se não há ninguém que te ame, posso ser eu?"

"Dá-me a tua mão, meu amor!"

"Abraça-me, my love!"

Paragem. Rua António José de Almeida.

Bem, saio aqui. Decididamente, tenho de deixar de pensar em gajas.

Que pena, ele está a ir-se embora. Bem, a vida continua dentro de momentos. 



  

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