terça-feira, 1 de outubro de 2013

Jogo de Tabuleiro

Francisco:

Sabes o que invejo na tua relação com a Rita? Não é o facto de vocês os dois já serem pessoas espetaculares isoladamente e de juntos parecerem ainda melhor, cientes da noção do que amar não é encaixar peças de puzzle mas sim ser o mesmo peão no percurso neste jogo de tabuleiro que é a vida, mesmo quando os dados não estão favoráveis. Nem sequer a aura de tranquilidade que vocês transmitem a quem vos rodeia, dando a ideia que a vossa relação é quase perfeita e sem esforço. O que mais invejo é como a vossa relação é algo de bastante sincero e adulto sem deixar de ser intenso e emotivo e há quatro anos que tem sido assim, tirando obviamente o período em que vocês andaram a brincar aos amigos coloridos sem admitir que já eram bem mais que isso durante mais tempo do que deviam.

Infelizmente as duas relações mais importantes que eu tive falharam por falta de sinceridade e por eu me ter deixado iludir durante demasiado tempo. Quando conheci a Ana, o meu corpo tinha perdido vinte e quatro quilos mas a minha mente não. Vampira como ela era, apercebeu-se disso e alimentava-se das minhas inseguranças. Quando olho para trás, até tenho estas imagens de eu sentindo-me miserável e ela com um discreto sorriso no canto da boca, como uma sanguessuga reabastecida. Perdido entre os conflitos do que eu era por fora e de como me sentia por dentro, e extasiado por finalmente me sentir desejado, fui a sua dose diária durante quase dois anos. Acreditei piamente que era somente porque tinha emagrecido que as coisas tinham mudado e finalmente havia alguém interessado em mim. Mas como continuava com os mesmos 24 quilos por dentro, acreditava sempre que a Ana me fazia sentir que ela era o melhor que eu iria arranjar, que ela poderia facilmente arranjar alguém melhor mas que queria ficar melhor, que não obteria amor e sexo de (o facto de ela ser muito boa na cama só piorava as coisas) de mais ninguém. Foi preciso ter dado comigo no chão da casa de banho após mais uma discussão cheia de drama que ela armou, sem forças para me levantar, com a moral na merda e um vómito a querer subir pelo estômago para finalmente ser sincero comigo mesmo. Assim que comecei a sê-lo, passei a ver a Ana pelo aquilo que era realmente era e o poder que ela tinha sobre mim foi-se dissipando.

Já com a Lígia, o engano foi só meu. Depois do que eu passei com a Ana, foi reconfortante entregar-me à atenção com que ela me rodeou, sentir-me desejado por uma mulher mais velha. A Lígia era totalmente diferente da Ana: madura, culta, apaziguadora, reconhecendo o meu valor mas chamando-me à razão se eu estivesse a ser menos correcto. Mas acabei por me envolver mais do que devia, porque era mais certo que isto era uma relação a prazo, pois eu nunca poderia ser aquele que ela precisava: alguém que a ajudasse a reconstruir a vida e ser um pai para o filho dela, apesar de eu também ter-me afeiçoado bastante ao miúdo. A Lígia ainda deixou-se ir, refugiada no conforto de ter alguém a seu lado, mas acabou por abrir os olhos e abrir os meus também. E lá acabou por seguir cada um com a sua vida, de forma civilizada. 

Tudo isto para dizer que fui para a cama com a Sandra, aquela rapariga que tu e a Rita com quem eu estava quando nos viram à saída do cinema. Temos andado de sair em termos amigáveis, apesar de desde cedo haver uma atracção mútua. Mas com o AVC do Pedro e tanta coisa que ando a questionar na minha vida, a Sandra apanhou-me num momento mais vulnerável e entreguei-me ao momento. Se não tivesse sido bom, tudo seria mais fácil, bastava voltar à casa de partida (sem receber 2000 escudos, não sei quantos euros são no Monopólio actual). Mas o problema é que foi bastante bom. Talvez ainda melhor do que com a Ana ou a Lígia. Foi por ter sido tão bom com elas as duas é que me deixei iludir. Por isso, agora tenho que manter a minha game face, e para onde rolem os dados, vou tentar sincero desde o princípio, mesmo que alguém saia magoado. Se não tivesse um instinto tão avariado no jogo afectivo, até podia dizer que isto com a Sandra pode ser algo promissor. Mas agora tudo o que posso fazer é lançar os dados.

Miguel          


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