quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Base Sólida

Miguel

Raios partam o teu primo Francisco. Tive a feliz ideia de seguir o conselho dele e pôr as minhas cartas na mesa com a Cláudia. Levei-a a jantar ao restaurante japonês que ela gosta e depois fomos tomar um copo ao Bar Cáspio, tentando imprimir uma subtil matiz de romance para que não fosse apenas uma saída como amigos. O meu plano era fazer uma grande declaração, dizer-lhe tudo o que ela significa para mim, que já há muito que eu não a vejo apenas como amiga, que com ela sinto-me como nunca senti ao pé de outra rapariga. Na melhor das hipóteses ela se aperceberia que o tipo decente que ela procura, longe dos estroinas com quem ela andou no passado, esteve sempre debaixo do seu nariz, que aliás ela também já me andava a ver com os outros olhos, que já não era apenas o discípulo e amigo do seu irmão e terminaríamos num tórrido beijo com sabor ao Campari que ela estava a beber.
Na pior das hipóteses, ela ria-se de mim, dizia para não ser tonto, que só gosta de mim como amigo e algo mais estava completamente fora de hipótese, que aliás anda de olho num manfio qualquer, mas pelo menos as minhas dúvidas acabariam logo ali.

Mas não, estive sempre a adiar, os meus discursos soavam fabulosos na minha cabeça mas quando abria a boca para falar não me saía nada. Foi então à saída do Cáspio, ela olhou para mim, perguntou "Tomás, o que tens?" e sem saber como, beijei-a. Não pode ter sido exactamente como eu imaginava, nem sequer soube a Campari, mas também foi bom. Até porque ela não ofereceu resistência e também entregou-se ao momento e durante esses breves segundos, parecia que o universo iria ficar alinhado. Só que depois, ela ficou ainda mais confusa que eu e disse-me que era melhor ela ir sozinha para casa. Ainda lhe disse "Cláudia, sabes que eu gosto de ti, não sabes?" e ela ainda se virou para responder um "Sei, sim!". Por um lado fiquei a saber que não lhe era indiferente, mas por outro, o facto dela ter-se posto a milhas logo a seguir, deixou-me desolado. Pior que um não, só mesmo um nim.

O Pedro diz sempre que se um homem que não é feio nem parvo, tem as mulheres que quer, mas não é assim tão simples. Nem todos foram abençoados com a confiança de quem caminha numa corda bamba sem recear a queda, como ele ou o Francisco. Tu é que me podes compreender melhor: se hoje tens a capacidade de conquistar um mulherão como a Sandra, foi algo que conquistaste com muitos erros, second guessings e batalhas interiores. Já eu não só sou extremamente tímido e introvertido como o meu único relacionamento mais significativo acabou bruscamente, quando ainda nem se podia considerar oficialmente um namoro. Ainda hoje penso se podia ter feito alguma coisa para evitar que a Mónica se atirasse de uma ponte e entristece-me saber que aquilo que estava a nascer entre nós não foi suficiente para se agarrar à vida. Só mais tarde vim a saber que ela tinha sido vítima de abusos sexuais em criança que a remeteram para uma escuridão que nem as minhas ténues centelhas foram suficientes para ela poder iluminar uma fuga.

E agora temo que com a Cláudia, a história termine mesmo antes de começar. Resta-me a esperança de que ela dissipe as dúvidas e perceba que da nossa amizade possa surgir algo bem intenso e sólido. Se não o fizer, vai-me custar muito mas que diabo, eu não vou morrer por causa disso. Sobrevivi aos olhares incompreendidos, aos comentários em surdina de certos familiares, ao bullying no 3.º Ciclo, à morte do meu Pai e aos trambolhões e quedas que dei quando perdia o equilíbrio da corda bamba. Por isso, acredito que não há nada, por mais triste ou trágico, que me impeça de me erguer de novo.  Paguei um preço alto por aquela base sólida de amor-próprio que se mantém em pé quando os meus alicerces tremem e mais ninguém, nem mesmo aquela que eu amar, seja quem for, me poderá vender algo em troca.

Tomás 

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