domingo, 8 de dezembro de 2013

Happy Ending

Que festa esta aqui na Cidade dos Anjos. Com tanta cor, tanta luz, talhada mesmo à moda de Hollywood. O Coliseu de Los Angeles ao rubro, o Lionel Richie a cantar. E eis que tudo estoira num turbilhão de aplausos quando entro no estádio, ladeado pelo Spedding e pelo Treacy. Pode ser que eu pareça ter um ar compenetrado enquanto caminho para o pódio, mas por dentro ainda não acredito que tenho um lugar de honra nesta festa olímpica ao estilo Hollywood. Logo eu, o Carlitos de Vildemoinhos!

Em apenas um segundo, vejo toda a minha vida desfilar: a minha infância em Vildemoinhos, a minha Mãe a fazer contas como ninguém apesar de não saber ler e escrever, o meu Pai que ganhou num jogo da malha ao meu professor da 1.ª Classe (e este, ressabiado, fez-me repetir o ano), o meu primeiro trabalho a dar serventia a pedreiro, outro a fazer recados ao ourives e a chegar antes que ele desse conta que tinha partido, os meus primeiros passos no atletismo, ver o mar pela primeira vez aos dezassete anos, o rumo a Lisboa e ao Sporting onde prosperei sob a sábia orientação do Prof. Moniz Pereira e onde conheci a Teresa, as minhas primeiras grandes vitórias, os despiques com o Mamede, a minha estreia olímpica em Munique, o finlandês Viren a ultrapassar-me em Montreal, o nascimento dos meus filhos, a travessia no deserto por entre cactos de lesões, a acupuntura do mestre Kobayashi, o atropelamento na Segunda Circular, a partida para a Califórnia, as medalhas de bronzes da Rosa e do Leitão, o meu ataque aos 37km deixando o irlandês e o inglês para trás só parando na linha de meta onde encontro o ouro olímpico, onde no meu coração coube a alegria de dez milhões de portugueses.

Nestes últimos dez anos, tanto que o meu país mudou depois de conhecer a liberdade. O futuro ainda é incerto, o presente ainda é duro, o passado ainda marca. Mas existe esperança, agora que a poeira da revolução assenta e o sabor da liberdade já está mais entranhado que estranhado. Foi esta esperança que carreguei comigo ao longo destes quarenta e dois quilómetros. Mesmo tão longe, senti o meu país a correr comigo, ouvi os corações dos portugueses a baterem ainda mais acelerados que o meu, bem como os gritos de júbilo quando cruzei a linha de meta. 

Recebo a medalha de ouro das mãos do Sr. Samaranch e de repente, pela primeira vez, soa o hino de Portugal em solo olímpico. E sinto-me como o Homem do Leme do Fernando Pessoa, cá no pódio sou mais que eu. Sou todo o Portugal a ecoar pelo mundo, debruado no verde e vermelho da bandeira.

Este filme teve drama, comédia, suspense, suor, lágrimas, sangue mas como qualquer filme de Hollywood que se preze, tem um final feliz com as palavras "THE END" a surgirem no ecrã ao som de uma música triunfante. Para mim e para o meu país, há vida para além dos filmes e ela segue dentro de momentos. Mas que já há muito que nós merecíamos um happy ending destes.    

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