segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Medição de Palavras

Tomás

Ainda me lembro no primeiro dia em que entraste na clínica para o teu estágio. Tinhas uma ar tão acanhado, tão cheio de reverência para mim e para o João, a tratar-nos por você mesmo quando eu te disse logo que me podias tratar por tu. Confesso que eu tinha as minhas dúvidas sobre se irias entrosar-te bem com as actividades da clínica. Porém, qualquer timidez que tinhas para com os teus superiores, mal se notava quando atendias os clientes. Eras atento e bastante educado para com os pacientes e sem seres muito conversador, sabias dialogar com eles e fazer com que eles se sentissem à vontade. Foi aí que percebi o teu enorme potencial como fisioterapeuta e como o negócio já justificava contratar mais alguém, não hesitei em te contratar assim que terminasses o curso.

Assim que passámos de uma simples relação de chefe e empregado a uma amizade cada vez mais sólida, pude-me aperceber como eras de verdade, e deitar por terra algumas ideias pré-concebidas das pessoas introvertidas. Afinal não eras tímido e pouco sociável, apenas preferes não socializar mais do que o necessário e guardar uma dose dose de tempo para dedicares-te aos teus pensamentos. Isto para além de todas as dificuldades que atravessaste, por seres tido como uma carta fora do baralho por tanta gente. No círculo de amigos que não tardámos a formar com o Miguel e o Francisco, não te rias nem falavas menos do que qualquer um de nós. Mas acabei por perceber que escutavas mais do que nós os três e não demoraste a captar o coração generoso do Francisco sob aquela imagem de macho-alfa, as mágoas e as conquistas interiores do Miguel e os minhas inquietações e queixumes, aparentemente invisíveis atrás do meu sorriso confiante. Quando eu era mais novo, eu era a definição da extroversão: eu vivia para socializar, para falar com as pessoas às vezes mesmo em modo de palraria, para motivar os mais acanhados, para expressar tudo o que me vinha na alma. Só agora é que consigo encontrar algum conforto no silêncio, cada vez mais precioso neste mundo que não pára de fazer ruído, e em grande parte devo isso a ti. Aliás, desde que sou pai e agora ainda mais depois do AVC, cada vez tenho menos vontade de falar só por falar. As palavras são de prata e os silêncios de ouro e não é bom esbanjá-los. E cada vez gosto mais de ser aquele que ouve do que aquele que fala. Eu posso ter-te ensinado imensas coisas, mas isto foi algo que aprendi contigo.

Apesar da nossa amizade, eu sei que tens imenso respeito por mim e por vezes esse respeito ganha forma de ultra-reverência e até de algum temor. Por isso é que ainda não me disseste que tu andas com a Cláudia. Eu sei que sou muito melindroso quando o assunto são as três mulheres da minha vida: a minha filha, a minha Mãe e a minha irmã, mas de mim não tens nada a recear. Tu não és um qualquer, conheço o teu carácter e o teu coração e sei que, dê no que der, a vossa relação será algo muito positivo para a Cláudia. Tal como me ensinaste a arte do silêncio e da medição de palavras,  talvez ela aprenda contigo a tua outra arte de medir as emoções. Não é à toa que diz que as águas mais paradas correm mais fundo. 

Pedro        

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