segunda-feira, 10 de março de 2014

Tiro ao Melro

Sei muito bem aquilo que dizem de mim, mas quero lá saber. De facto, tenho pena de não saber dissimular melhor de que não nasci em nenhum berço de ouro e é certo que por vezes ponho o pé na argola. Mas que se lixe, já que sou mesmo assim semi-pindérica, ou não me chamasse Carla Andreia, mais vale sê-lo abertamente do que me armar em sonsa como tantas que eu conheço e que têm pergaminhos tão ou mais duvidosos. O João também não é lá muito bem nascido, mas para os homens, ser bem endinheirado é quase a mesma coisa. É mais às mulheres que se fazem esse tipo de cobranças.

Quem nunca quis subir na vida que me dê o primeiro tiro antes de me chamar pistoleira. Cada um joga com os trunfos que tem, e a mim calhou-me um belo palmo de cara e corpo e algum talento para o jogo de anca. Deitei as minhas cartas e por imensa sorte calhou-me o João, ainda jovem, bem bonito e em franca ascensão. Como disse, o João também não nasceu endinheirado e se é todo um gentleman foi por puro auto-didactismo, e se eu atino minimamente com as etiquetas e com os salamaleques, devo-o sobretudo a ele. Ainda hoje não sei bem como é que ele conseguiu ver em mim um diamante em bruto e assim promover-me de secretária a esposa, mas só tenho a agradecê-lo por isso. 

Sim, admito que tomei o João como alvo e abri-lhe às pernas à primeira oportunidade. Mas isso por si só não é nenhuma garantia de sucesso e ele podia facilmente despachar-me. Só que não o fez. Também não tenho a ilusão de que o João ficou logo caidinho para mim, porque ele é esperto demais para isso e não me admiraria que ao princípio um dos motivos dele para me ter pedido em casamento era para ter uma mulher-troféu toda boazona para exibir aos amigos, rivais e afins. Por isso, e já que me posso permitir a isso, esfalfo-me no ginásio, faço todos os tratamentos de beleza que posso e estou atenta às modas e já ganhei um bom olho em reparar naquilo que me fica a matar. Coisa que já fazia antes, dentro do que me era possível. E ao menos não sou dessas que não fazem a ponta de um chifre em casa. Posso não saber cozinhar grande coisa mas safo-me minimamente e não tenho alergia a aspiradores e esfregonas. 
No entanto, e mesmo que ninguém acredite, não é mentira nenhuma quando afirmo que amo o João e só espero que ele tenha metade do afecto que eu tenho por ele. Sim, começou com um interesse mas será assim tão inacreditável que algo mais tenha surgido depois? 

Creio até que casaria com ele mesmo que fôssemos uns pobretanas como os meus pais. Mas é algo em que não me detenho muito a pensar, até porque não vale a pena. No fundo, até admiro bastante os meus pais e tenho alguma pena de não ter herdado mais da sua bondade e honestidade. Mas também sei muito bem como tantas e tantas vezes como foram espezinhados ao longo da vida por serem demasiados honestos e cedo percebi que não era isso que eu queria para mim. Já dizia a Marilyn Monroe que infeliz por infeliz, antes numa limusina do que num autocarro.

Por isso, estou infinitamente grata por ter chegado aonde cheguei, mesmo que por caminhos não muito cristãos e faço o que posso para assim me manter, porque nunca se sabe para o que uma pessoa está guardada. E quero lá saber se me chamam interesseira, se afirmam à boca cheia que subi na horizontal, se troçam sem disfarçar muito das minhas argoladas e do meu nome Carla Andreia. Se nasci com jeito para o tiro ao melro, o melhor é exibir com orgulho a minha espingarda.        

Sem comentários: