quarta-feira, 18 de maio de 2011

És tão bonita

Tu dizes que eu sou bonita. E eu aqui, que não quero acreditar, quando os teus olhos cor de avelã são tão sinceros.
Desde que o Ricardo andava com outras, ou antes, quando deixei de ser a cega que não queria ver e reconheci que há muito não era a única mulher na vida dele, que de certa forma deixei o meu corpo hibernar. Os desejos que sentia pelo sexo masculino, em especial por ele, ficaram como encerrados a cadeado. Imaginava-o ao lado daqueles mulheres mais novas e atraentes e convencia-me que eu já não era atraente. Nem para ele nem para ninguém. É por isso que o meu cérebro não quer acreditar quando tu dizes que sou linda.
E ainda assim, dou por mim a ansiar por ti, pelo teu corpo, pelo carinho que estás disposto a oferecer-me. Quem diria que naquele dia chuvoso de Janeiro, eu me iria cruzar contigo e a vida tal como a conhecia iria mudar. Eu tinha ido com o Bruno buscar o boletim de notas. Tu acabavas de sair com a tua filha do gabinete da directora de turma. E sem saber como, o nosso cruzar de olhares ficou na memória.
Mais tarde, numa reunião de pais, a primeira conversa. Os nossos filhos são da mesma turma. Você é o pai da Vanessa. E você é a mãe do Bruno. Eles parecem ser muito amigos. É segredo, não diga a ninguém, mas a minha filha parece ter um fraquinho pelo seu rapaz. Ai que engraçado, estas idades, sabe como é. Eu chamo-me Fernando. O meu nome é Isabel. E por aí fora.
Meses depois, eis-me aqui no sofá da tua sala. Beijas-me, dizes que sou bonita. Uma parte de mim não quer acreditar, não pode ser, é como se já não tivesse arranjo. Mas por outro lado, nunca estive estragada e quero-me entregar, quero muito amar-te. Como já te amo.
Também sofreste muito, perdeste a tua mulher, a mãe da tua filha. Mas pelo menos soubeste que ela te amava até ao último segundo da sua vida. Eu, por outro lado, vi o homem que amava a rejeitar-me, subtil mas gradualmente. Aquele que dizia que era louco por mim, que dizia que nunca tinha conhecido uma mulher como eu, que me jurou amar e ser fiel, de repente se desinteressou. Rejeitava o meu beijo, enrolava-se com a roupa da cama para que eu não o tocasse, circulava pela noite em busca de aventuras mal disfarçadas. E com a sua rejeição, a minha confiança e a minha auto-estima também entraram numa lenta erosão.
Os homens sempre têm mais facilidade em ver o copo meio cheio e o sol depois da chuva, enquanto nós mulheres, vá-se lá saber porquê, encontramos um estranho conforto na secura e no lamento. Tu não pões rédeas ao teu coração e eu não consigo soltar o medo que há dentro do meu. Embora já te ame.
Com os miúdos fora, sozinhos na tua casa, sentados aqui no sofá, beijas-me os lábios. Dizes que sou bonita.
Sei onde esta noite vai dar. Sê um pouco mais paciente. Tudo farei para calar as vozes da dúvida e vou acreditar nos teus olhos avelã que me dizem que eu sou bonita. 

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