quinta-feira, 19 de maio de 2011

Outra chance

Eu sou daqueles acredita no amor para toda a vida. E acreditei ainda mais assim que te conheci. Parecia tudo um conto de fadas: a minha mão na tua, as alianças a deslizarem pelos nossos dedos, os nossos corpos que não pareciam saciar-se um do outro, o nascimento da nossa filha. Acreditei que por entre contratempos, espinhos e precalços, o nosso caminho seria longo. Estaríamos lado a lado, ver a Vanessa crescer, fazer-se mulher, ver nascer netos, ver os nossos rostos enrugados e nossos cabelos grisalhos com a serenidade que preencheu toda uma vida.
Mas o nosso amor estava destinado a ser breve. Um cancro silencioso e cruel comeu-te a vida aos trinta e sete anos, deixando-me sozinho e apunhalado pelo destino e uma doce menina dez anos sem mãe.
Se de dia, me mostrava forte e seguia a vida, entre trabalho e cuidar da Vanessa, à noite desesperava-me o vazio que deixaste na nossa cama. A menina, que em muitas coisas sai a mim, também parecia lidar bem com tudo à luz do diz e via-a a brincar e a rir. Mas muitas noites, era atormentada por pesadelos em que eu também morria ou ela estava sozinha no mundo. E acabava por se enfiar na minha cama para que eu a acalmasse.
Estes quatro anos foram muito solitários para nós, sem ti meu amor. Mas mesmo se a dor não diminui, o tempo foi passando. A Vanessa tem agora catorze anos, já começou a ganhar as primeiras formas de mulher. Onde quer que estejas, deves saber que ela está uma jovenzinha bonita, esperta e muito, muito corajosa. Não tem problemas nenhum em dizer o que pensa, por muito que isso não agrade a quem ouve.
Eu ainda te amo muito, Clara, e nunca deixarei de te amar. Mas o meu amor por ti está onde tu estás, além das estrelas e das coisas visíveis. Cá na terra, estou a amar de novo. Não é um amor absoluto e idílico como o nosso. É cheio de espinhos e obstáculos, lágrimas e inseguranças, e apesar de tudo, sorrisos. Porque ambos já sofremos por amor, ela ainda mais que eu, ao experimentar o abandono e a rejeição do marido.
Como é óbvio, quer a Vanessa, quer os filhos dela, torceram o nariz ao início. À Vanessa, custou-lhe ver outra mulher lentamente a ocupar alguns lugares que ela sempre teve como teus, e o facto da Isabel ser mãe do rapaz da turma por quem ela tem um fraquinho não ajudou. E os filhos dela alimentavam, apesar das evidências, uma ténue e legítima esperança de que os pais voltassem a ficar juntos. Mas tanto ela como eles, vão aos poucos aceitando, vêm que nos sentimos muito bem um com o outro, que recuperámos alguns risos e expressões felizes que há muito eles não viam e vão percebendo que a vida vai traçando outros rumos que seguem por outros meandros.
Esta noite, a Isabel voltou a sentir-se a mulher que é uma mulher atraente e digna de ser amada. Eu voltei a descobrir como é inventar o amor num corpo de mulher. Que para além de pai e viúvo, sou homem e humano. A vida deu-me esta chance e não posso deixar de aproveitá-la.  

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