terça-feira, 6 de setembro de 2011

Frasco de Geleia

Não concordo com o que diz a personagem do Billy Crystal em "Um Amor Inevitável", que uma amizade entre homens e mulheres é impossível porque o sexo, ou pelo menos o desejo sexual, está sempre presente e acaba por estragar tudo. Acredito que é perfeitamente possível uma amizade entre homem e mulher, numa relação de puro bom entendimento e companheirismo, sem que uma eventual atracção, mútua ou unilateral, seja motivo para pôr as coisas em cheque. E nós sabemos bem disso, porque sempre tivemos mais tendência para travar amizade com o sexo oposto. Uma vez até me disseste que as tuas amizades masculinas têm sido geralmente mais verdadeiras e compensadoras que as femininas. E para mim sempre foi um pouco mais fácil criar amizade com elas do que com eles. E sim, já me senti atraído por algumas das minhas amigas e já formulei muitas questões começadas por "e se...?" Porém, como ambos sabemos apreciar o valor precioso de uma boa amizade e já sofremos com a desilusão daqueles que se revelaram serem amigos e amigas da onça, sabemos o quanto custa quando uma amizade se estraga pelos mais variados motivos. E que por vezes, não vale a pena pôr mais incógnitas na equação.

Claro que a atracção é um assunto que poderá complicar, e bem, as coisas. Mas nesse caso, das duas uma: ou se arrisca e tenta-se conquistar o outro, avança-se para saber se vale a pena enveredar por uma relação amorosa ou sexual; ou então não se arrisca, ou porque o outro deixou bem claro que não sente o mesmo e não vale a pena, ou porque não se está para chatices, ou então porque as coisas estão bem como estão e se algo não está partido, não é preciso arranjo. Sou tentado a dizer que a primeira hipótese seja mais tipicamente masculina e a segunda mais tipicamente feminina.
Atrever-me-ia até a dizer que se um homem diz "eu não quero algo mais porque pode estragar a nossa amizade", regra geral quer dizer "não estou assim tão interessado em ti, não há hipóteses de sermos mais que amigos, desculpa lá." Se algum já te disso isso e se ficaste com a pulga atrás da orelha, tiveste certamente razão. Geralmente, se um gajo está mesmo interessado, seja em termos de amor ou de simples tusa, quer lá saber se a amizade pode-se estragar ou não. Quem não arrisca, não petisca e lá vai disto.

Mas eu devo ser uma excepção que confirma a regra. Primeiro porque sempre fui um solitário e sempre que sentia o menor sinal de afecto e empatia da parte de alguém, é como se tivesse achado algo inestimável e precioso. Depois porque muitos, senão a maioria, não conseguem ou não querem conhecer o meu verdadeiro eu, para além da minha superfície peculiar, por isso sempre que alguém tem a coragem e a inteligência para o fazer, eu sei que essa pessoa vale a pena. Se há coisa que me arrependo na minha adolescência, foi a de me preocupar com gente que não me valorizava e de quem não valia a pena perder o meu tempo. Por isso, uma amizade para mim vale mais que ouro e tenho pena que quase todas as minhas amizades tenham grandes interregnos pelas mais diversas circunstâncias da vida. O que vale é que eu sei que quando reencontro amigos de verdade, é como se o tempo não tivesse passado e os sentimentos tivessem estado arrumados só para melhor se conservarem, como o vinho na pipa. É ai que eu me lembro que entre amigos pode haver muitas vírgulas mas nunca um ponto final.

Daí que o teu namorado pode ficar descansado em relação a mim, embora eu duvide que ele tivesse visto em mim o mais mísero motivo para desconfiança. Sim, sou gajo, tenho olhos na cara, sei que és linda. É preciso ser-se cego e atrasado para não te achar atraente. Ele é um grande sortudo em ter-te como namorada e quem me dera um dia encontrar alguém como tu. Mas tudo isso é de importância irrisória, diante do que a tua amizade vale para mim. Aliás, fico muito feliz por teres encontrado finalmente um príncipe depois de tantos sapos que tiveste que beijar. A bem-dizer, só o conheço pelo que me contaste dele, a única e muita breve ocasião em que o encontrei pessoalmente não deu para tirar mais conclusões. Mas para mim, basta-me reparar que ele te faz feliz, e que ele tem estado lá, à altura da situação, quando precisas dele.

Uma das minhas frases feitas preferidas é uma de Vinícius de Moraes: os amigos não se fazem, reconhecem-se. Nem sempre é verdade, às vezes leva tempo, mas já houve algumas pessoas que mal as conheci, soube logo que estava ali um amigo ou uma amiga. E foi o que se passou connosco. Pode ter sido o destino, o acaso, a astrologia (somos ambos nativos de Touro), ou sei lá mais o quê, mas não interessa. Sob uma luz mais analítica, poder-se-ia dizer que não temos assim muitos gostos em comum, que temos mais pontos de discordância que de confluência. Até pode ser verdade, mas isso não impediu que nos soubéssemos adaptar ao ritmo um ao outro. E talvez seja por isso que, para cada um de nós, a companhia do outro fosse especialmente interessante e enriquecedora.

Após um ano de convivência frequente, chegou a altura de seguirmos rumos diferentes. É possível que passe muito tempo sem nos vermos e que as voltas da vida coloquem uma grande distância entre nós. Se assim for, só me resta arrumar-te no espaço do meu coração onde guardo os amigos que fiz ao longo da vida e de quem tive de dizer adeus. Onde há sempre espaço para mais um, onde os sentimentos ficam conservados para não perderem o sabor. Espero que também faças o mesmo.
Pensa que será como aquele frasco de geleia na prateleira mais alta da dispensa. E que um dia, havemos de pegar num escadote, subir até lá, trazer o frasco cá abaixo e barrar a geleia no pão, para descobrir que continua saborosa como sempre.

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