quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Postais de Bruxelas

Minha Cara M.:

Andas lá tu nas alturas, riscando céus e furando nuvens, enquanto te moves elegantemente pelo avião servindo os passageiros. E eu aqui na terra, a pensar em ti. Ainda que eu espere por ti mas não desespere. Nunca fui dado a estoicismos, nem ando a suspirar sobre quando vens ou deixas de vir. Sigo a minha vida com o trabalho, as idas ao ginásio e à piscina e saídas com amigos. Por vezes, conheço outras mulheres, e chego a sair com elas. Ainda não me deitei com mais ninguém desde que te conheci, mas se chegar uma altura em que o ferrão da solidão doer demasiado, não te digo que isso não pudesse acontecer. E não te censuraria se o mesmo te acontecesse. O céu pode ser um local muito solitário.
Já pensei muitas vezes porque é que não termino com tudo e te deixo aí em cima, livre para ir mais além e deambular por outros lugares, enquanto procuro alguém para amar em terra firme. Mas o teu feitiço ainda está tão entranhado em mim e alimento esta esperança que tu sejas a mulher da minha vida.
Devia saber que me iria apaixonar por ti quando te vi. Que tu eras perigosa e sabias como dissipar o meu orgulho de macho. Que tu sabias como amar um homem e deixá-lo perdido pela tua pele. Que tinhas um raro discernimento sobre os mistérios do universo masculino (dizias tu que foi por cresceres com dois irmãos mais velhos e um pai que sabia dançar). Mas não me arrependo. Até porque sou feliz mesmo sem ti.
Claro que quando tu me ligas a anunciar que chegaste cá, e apareces em casa - por vezes ainda com a tua farda de hospedeira - e envolvemo-nos em abraços, é fácil imaginar que a felicidade completa só existe quando te tenho a meu lado, quando te tenho na minha cama. Mas prefiro pensar que tu és apenas a cereja em cima do bolo, o ouro sobre o azul.
Agora fazes o voo para Bruxelas e volta e meia, envias-me postais. Do Atomium, da Grand-Place, do Parlamento Europeu, da Godiva. Sem nada escrito ou com mensagens telegráficas. "Os melhores chocolates do mundo", "Vi o Durão Barroso", "Lanche num pequeno bistro". Sempre foste muito sintética. Ou melhor, sempre foste de falar pouco e dizer muito. E é esta é tua forma de dizer que ainda pensas em mim.
Por isso, podes continuar aí nas nuvens, toda elegante e profissional na tua farda. Manda-me postais de todos os sítios onde fores com meia dúzia de palavras rabiscadas no verso. Quando aterrares de novo no nosso país, eu estarei aqui para te acolher. Talvez quando correres o mundo, hás de sentir que o teu lugar é aquele de onde partiste e queiras um dia vir para ficar. Comigo. É este o meu sonho inconfessado
Mas pensa também que um dia, a altura e a distância que nos separam poderão ser longas demais. Ao ponto de que estejas também longe dos meus pensamentos. Talvez aí seja por outra que eu anseie por ver chegar. Se o céu é um lugar solitário, a terra também pode ser.
Mas por agora, voa por esse céu azul. E quando voltares, traz-me um chocolate. E de preferência, saudades minhas encafuadas na bagagem.        

Com saudades,

S.

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