segunda-feira, 21 de março de 2011

Escola ao Luar

Escola? Para quê? Coisa mais seca, estar ali sentado a ouvir os profes a explicarem coisas que não servem para nada. Ainda bem que já me deixei disso há muito tempo.
Desde que descobri os prazeres da rua e da noite, andar na escola deixou de fazer sentido. Os cotas ainda mandaram vir mas fiquei na minha. E assim, comecei a levantar-me às três da tarde e a deitar-me às quatro, cinco da manhã.
Aturar a seca da escola, se isto agora é que é vida. Devorar hambúrgueres no shopping, beber copos de whisky a penálti, roubar carros mesmo nas barbas dos bófias, as corridas a alta velocidade pelas estradas da periferia, a adrenalina da luta com os cabrões dos outros gangs, os corpos despidos das raparigas nos bancos de trás dos carros.
Chamam-nos marginais, criminosos, irresponsáveis. Tudo gente parva, uma cambada de adultos frustrados, invejosos da nossa juventude. Haverá melhor sensação do que ir estrada fora e prego a fundo ao volante de uma alta bomba? Haverá maior amizade do que a nossa, maior do que a vida e a morte? Haverá momento mais perfeito do que aquele em que fiz a Patrícia mulher nos meus braços? De todas as miúdas com quem estive, foi ela quem mais me marcou, olhos azuis de um brilho único, sorriso de princesa, corpinho de catorze aninhos bem feitinhos.
É claro que a malta não é perfeita, temos algumas brigas entre nós, mas isso é normal, sobretudo com uns copos a mais. Como houve há pouco, nos anos da Sónia, quando o Jisga e o Chaveta pegaram-se por causa do dinheiro que um devia ao outro. O Chaveta até puxou de uma pistola. Tentámos separá-los antes que aquilo desse para o torto. Até que se ouviu um tiro. De resto, não me lembro de mais nada. Foi como se de repente, ficasse tudo escuro.
Ainda oiço a voz da Patrícia. Ela chama por mim, Bruno, o que é estranho porque todos me tratam por Cadete, a alcunha que me foi posta durante uma peladinha.
E agora estou assim. Consigo ver algumas coisas, mas tudo está muito confuso. Que estranho, devo estar a dormir. Estou a sonhar que estou deitado no chão da garagem da Sónia, com sangue a escorrer-me do peito. A Patrícia está ajoelhada, ao pé de mim, os seus olhos azuis em lágrimas. A Sónia anda de um lado para o outro como uma barata tonta e as outras raparigas tentam acalmá-la. O Jisga surge com uma pistola e anuncia:
- Vou atrás do Chaveta.
- Vou contigo. – diz o gordo do Micha.

Saem porta fora. O Gera suspira e diz:
- De todos nós, tinha que morrer o Cadete. Era o único de jeito de entre nós.

Porra, que raio de pesadelo. Ainda bem que não tarda nada, vou acordar no meu quarto, a malta vai voltar a ser amiga como dantes, voltamos a comer hambúrgueres e a speedar nos carros que roubamos só pelo gozo. Quem sabe se não volto a possuir a Patrícia, e verei nos seus olhos azuis o brilho das estrelas, e não as lágrimas que correm sem parar pela cara dela.
Eu não posso estar morto. Só tenho dezasseis anos, tenho tanta vida por viver, tanta aventura para experimentar. Vou esperar mais um pouco. De certeza que vou acordar.

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