quinta-feira, 15 de março de 2012

O Jogo dos Países

Portugal, Espanha, França, Itália, Bélgica, Luxemburgo...

Não te preocupes, não dei em maluco. Eu sei que pareço doido quando, sem querer, digo em voz alta nomes de países sem motivo aparente. Mas é apenas um jogo para exercitar a mente. Tento lembrar-me do maior número de países. Estranhamente, isso acalma-me bastante quando estou stressado ou nervoso, ou simplesmente quando não quero pensar naquilo que estou a pensar em determinado momento. Tu bem sabes que não é por pensar mais ou menos nos problemas que eles se resolvem. Quando eles têm resolução...

...Angola, Moçambique, Cabo Verde, São Tomé & Príncipe, Guiné Bissau, Guiné Equatorial... 

É muito raro conseguir-me lembrar de todos os países. Eles são tantos, não é verdade? 193 países pertencem à ONU. Nos Jogos Olímpicos, participam mais de duzentos.
Lembras-te quando havia duas Alemanhas, dois Vietnames, dois Iémens? Esses pares são agora um só, mas por cada país que se une, outros tantos partem-se em dois ou mais. Só do colapso da União Soviética e da Jugoslávia, surgiram uma data de novos países. Agora até existe um Sudão do Norte e um Sudão do Sul. E quem sabe se da próxima vez que virmos as notícias tenha entretanto surgido uma nova nação?

...Brasil, Argentina, Colômbia, Venezuela, Paraguai, Uruguai...

A sério, a mim, este jogo costuma deixar-me mais calmo. Por vezes, sinto a cabeça a andar à roda, com os pensamentos todos emaranhados. Começo lentamente a enumerar países e, sabe-se lá como, é como as peças do puzzle se encaixassem. Não sei se isso resulta com outras pessoas, mas comigo resulta.

...Estados Unidos, Canadá, México, El Salvador, Guatemala, Honduras...

Por exemplo, sabes daquelas vezes em que tu te deitas e vem-te tudo à cabeça? Mas mesmo tudo. Coisas boas, coisas más, coisas sérias, coisas parvas, coisas engraçadas, coisas deprimentes...tudo isso numa sucessão vertiginosa que quando dás por ti, tens o cérebro feito em papa e já nem distingues as baboseiras dos pensamentos concretos.

...Rússia, Ucrânia, Bielorrússia, Arménia, Azerbaijão, Geórgia...

Também faço este jogo quando dou comigo a pensar na Mariana. E quando penso nela, parece que nem aguento o peso que cai sobre o meu coração. Por isso, tento não pensar nela mais do que eu consigo aguentar. Até porque pensar nela não muda nada. Nem Deus pode mudar o passado. Por isso, penso em países...

...Irão, Iraque, Arábia Saudita, Qatar, Líbano, Jordânia...

O que é que uma pessoa há de fazer? A vida é mesmo assim, injusta como tudo. Onde há justiça no facto de uma criança de quatro anos, linda, saudável, maravilhosa, seja levada deste mundo por algo tão fulminante, quase estúpido? Onde há a justiça em toda a felicidade construída arduamente por uma família venha abaixo numa derrocada? Mas a vida é assim, o que se há de fazer?

...Cazaquistão, Uzbequistão, Tajiquistão, Quirguizistão, Turcomenistão, Afeganistão...

Creio que foi depois da morte da Mariana que eu comecei a fazer este jogo. Uma maneira de ocupar a mente. Tu por exemplo, dedicaste à jardinagem. Passavas horas a fio no quintal das traseiras, onde transformaste o baldio em belos canteiros de amores-perfeitos, sardinheiras, camélias...

...China, Japão, Coreia do Norte, Coreia do Sul, Taiwan, Singapura...

Porque depois de tudo, não há nada a fazer. E o tempo não muda nada, nem a dor, nem a saudade, mas a vida continua, continuamos a viver, um dia após o outro, dias bons, dias maus, dias péssimos, dias mais ou menos...

...África do Sul, Zâmbia, Zimbabwe, Lesoto, Suazilândia, Tanzânia...

E a vida continuou, os dias passaram, os anos também, já quase tantos como aqueles que a Mariana viveu. E mesmo com a dor dilacerante, o coração pesado, as lágrimas esgotadas, continuámos a viver. Não há nada que a faça voltar a este mundo, por isso, sofrer mais, sofrer menos, pouco importa. Nós ainda estamos vivos, não sabemos quando vai chegar a nossa hora e entretanto há trabalhos para fazer, contas para pagar, sítios para ir...

...Austrália, Nova Zelândia, Timor-Leste, Papua-Nova Guiné, Fiji, Samoa...

Entretanto nasceu o Afonso. Não veio ocupar o lugar da irmã, veio ocupar o lugar que é dele, o lugar que seria sempre dele. Era isto que a minha Mãe dizia, ela que teve quatro filhos e cada um tinha o seu lugar no coração. Ela dizia sempre assim, e com a sua razão.
Sim, dou graças a Deus pelo Afonso, tal como dei e ainda dou pela Mariana. Pelos quatro anos em que a tivemos junto de nós, e pelos anos em que tivermos aqui o Afonso, sejam quantos forem. Porque apesar de tudo a vida é uma dádiva, viver uma bênção, seja por muito ou pouco tempo.

...Índia, Paquistão, Sri Lanka, Bangladesh, Tailândia, Cambodja...

Gosto de imaginar que onde quer que a Mariana esteja, ela consegue ver todo o mundo, todos os países que eu enumero no meu jogo para aclarar a mente...Que ela viu montanhas, praias, desertos, florestas, cataratas e cidades, sobretudo daqueles países dos quais eu não sei nada senão o nome. Como quando ela arrastava o seu dedinho pelo mapa-mundo do meu atlas e dizia que andava a percorrer o mundo inteiro.

...Saint Kitts & Nevis, Santa Lucìa, São Vicente & Grenadinas, Antígua & Barbuda, Trinidad & Tobago...

Por isso e por tudo o mais, eu jogo este jogo de listar países. Não perco nem ganho. O importante é jogar, penso eu. Há alguns momentos em que parece que não me consigo lembrar de mais nenhum país e eis que de repente lembro-me de um país obscuro.

Tuvalu!

Gosto desses momentos. Lembram-me que tal como de um momento para o outro, as desgraças acontecem,  também surgem momentos felizes. A vida é mesmo assim. O que havemos nós de fazer, senão viver?

1 comentário:

Soluções Anti-crise! disse...
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