sexta-feira, 23 de março de 2012

Sim / Não / Vou Pensar

Mónica:

Para o meu sobrinho, a minha namorada é uma boneca de banda desenhada gorducha, baixinha e dentuça, de vestido vermelho e com um coelho azul atrelado. Há uns dias, ele andava de volta dos meus antigos livros da Turma da Mônica e apontou o dedo à dita cuja na capa, e disse:
- Esta é a tua namorada.

Já moro sozinho há seis anos, mas já parece uma eternidade. Quando entro no meu antigo quarto da casa dos meus pais é como se entrasse numa cápsula do tempo. A cama ainda tem o mesmo edredon azul-escuro. Os meus troféus do hóquei em patins orgulhosamente alinhados na estante sobre a secretária, juntamente com várias fotos emolduradas de mim ao longo de várias idades: eu com os vários equipamentos do hóquei, nas férias em Buarcos, com o traje académico, com o bibe escolar, segurando a vela da minha primeira comunhão, num banco de jardim ao lado da minha irmã Célia... O roupeiro continua com os mesmos autocolantes colados nas portas: os "Tou" do Bollycao, os fantasmas que brilham no escuro que saíam nas batatas fritas, logótipos de cervejas e até autocolantes das campanhas pela Associação de Estudantes. E quando se abre uma das portas, ainda resiste colado a fita-cola um poster da Selecção Nacional do Euro de 96.

Por sua vez no roupeiro, em vez de roupas, estão encaixotados muitas das minhas bugigangas antigas em práticas caixas transparentes empilháveis que eu comprei no IKEA para arrumar tudo. As minhas cadernetas de cromos, os meus livros de banda desenhada, algumas capas de cartolina das aulas de Educação Visual que no final do ano lectivo vinham carregadas de assinaturas e dedicatórias do resto da turma, as minhas cassetes e alguns CD mais antigos, cadernos com desenhos e escritos meus. Lembras-te daqueles dossiers com um gelado Perna De Pau a saltar para uma piscina? Tive dois desses que agora contêm os meus boletins de notas ao longo dos vários anos lectivos. No outro dia, descobri dentro de uma das capas de cartolina uma folha A5 onde eu escrevi: Andreia, queres namorar comigo? E três quadrados para cada uma das hipóteses de resposta: Sim / Não / Vou Pensar. A cruzinha estava no Vou Pensar, mas a reflexão da Andreia pendeu para o Não. (A parvalhona!) Por acaso, nem sei por onde anda agora a Andreia, não vejo desde o 6.º ano. Gosto de imaginar que continua loirinha e com ar de boneca Candy-Candy, mas algo me diz que se a visse de novo, ia ficar bem desiludido.

E como não podia deixar de ser, duas caixas estão cheias de brinquedos, vários brinquedos: bonecos da Playmobil e figuras de PVC sobreviventes a anos de brincadeiras e excessos, carrinhos miniatura, sacos de berlindes, um sem-fim de baralhos de cartas, uma caixa de dominós, um jogo do Sabichão com a famosa vareta pontiaguda e aguçada, um Jogo Do Ganso (não como aquele que dava na televisão, era um jogo de tabuleiro onde a temida casa da morte era ilustrada com um ganso atropelado e moribundo), a minha Sega MegaDrive e muito mais.

Quem ocupa o quarto agora é o Martim, quando vai para casa dos avós depois da creche. Muitas sestas já dormiu ele na minha cama. E de vez em quando pega nos meus bonecos de PVC e põe-se a inventar brincadeiras ou então faz deslizar os carrinhos pelo chão do quarto provocando despistes e derrapagens mais espectaculares que o Grande Prémio de São Marino em Imola. Quando vou a casa dos meus pais e está lá o Martim, ele pede-me sempre para lhe mostrar as minhas cadernetas de cromos e os meus livros. Por vezes mostro-lhe fotos antigas dos meus tempos de escola e até já passámos um sábado a jogar na MegaDrive. Com quatro anos, ele tem quase a mesma destreza que eu tinha com catorze anos. Às vezes parece que os putos de agora já nascem programados para mexerem logo em computadores e máquinas... Acho que é por isso que ele parece tão interessado nas minhas relíquias, para ele o meu quarto é autêntico museu histórico. Ele deve pensar que quando eu era criança o mundo devia andar a 10 à hora (e se calhar andava mesmo)!    

Dos meus livros de Banda Desenhada, ele gosta sobretudo dos da Turma da Mônica. Sobretudo quando eu começo a dramatizar os diálogos escritos nos balões. Ele adora quando eu falo como o Cebolinha e a minha irmã já se queixou que por causa disso, ele passou uma fase de andar a trocar os erres pelos eles e a insistir à viva força que o tratassem por "Maltim".
E esperto como todos os cachopos, ele já me ouviu a falar de ti. Nas minhas conversas com a Célia ou com os meus pais, já apanhou uma Mónica aqui, uma Mónica acolá. Resultado: vai de pegar numa capa de uma das revistas, apontar para a capa e declarar que a Mônica era a minha namorada.

- Minha namorada? Porquê? - repliquei.
- Porque a tua namorada chama-se Mónica.
- Para já esta é Mônica com chapelinho no O, a outra é Mónica com risquinho no O. E não é bem minha namorada.
- Mas tu não gostas dela?
- Gosto.
- Então porque não namoras com ela?

Que mais podia eu dizer? "Eu e a Mónica ainda não definimos bem se somos namorados ou não. Encontramo-nos várias vezes, gostamos de estar um com ou o outro, mas cada um vive a sua vida. Estamos a viver no presente, a aproveitar cada momento juntos, sem pensar no futuro." Mas optei por uma reposta mais simplista:
- Porque ela vai muitas vezes para longe trabalhar e para namorar é preciso estar sempre perto.
Não lhe ia falar ainda em relações de longa distância, e a resposta pareceu ser suficiente para ele.
- Além do mais, a Mónica não é como esta.
- É mais bonita?
- Muito mais. Sabes, eu gosto de pensar que esta Mônica cresceu e deixou de ser baixinha, ao crescer ficou mais delgadinha e deixou de ser gorducha e as dentolas caíram e passou a ter uns dentes bonitos. E tornou-se  uma menina muito bonita.
- Como a tua Mónica.
- Sim.  

Não há como os miúdos para simplificarem o que é complicado. Pode ter ficado convencido que tu e eu não namoramos a sério, mas para ele, tu és "a minha Mónica". E a conversa pôs-me a pensar como é que de repente passamos de uma fase em que ou gosta-se ou não se gosta, ou namora-se ou não se namora (Sim / Não / Vou Pensar) para as coisas tornarem-se tão indefinidas. Ainda bem que ainda falta muito tempo para o Martim perceber que as coisas não são assim tão simples. Mas quando ele crescer, ele também vai perceber que há sentimentos que não são para ser definidos, são para serem sentidos.

Como sempre, bons voos para ti.

O teu Salvador 

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