domingo, 15 de abril de 2012

Pela sombra do pecado

Ambos sabíamos que era inútil resistir, que há vontades para além da razão e da força de vontade. Por isso marcámos uma noite para libertar os fantasmas e deixar os cabos dormir. Um apartamento vazio como um campo neutro ou uma folha em branco. Como se não houvessem páginas escritas anteriormente.

Cruzámos os olhares na rua, fingimos que nunca nos tínhamos encontrado. Umas palavras trocadas, uns sorrisos  roubados, um copo de vinho tinto. E é tão fácil reescrever uma história, sermos só um homem e uma mulher num jogo de sedução. No final, um envelope com uma chave e uma morada.

Já sabia que eras tu, ouvi o eco dos teus passos a subir os degraus. Avançaste timidamente e sorriste assim que me viste. Eu hesitei em aproximar-me porque temia o que podia acontecer se eu soltasse as rédeas e te comunicasse tudo aquilo que o meu desejo há muito tempo grita em mim. Mas tu também desejavas o mesmo. Com o mesmo sorriso bondoso de sempre, passaste uma mão pelo meu cabelo e deste-me a entender que eu podia avançar. Quando eu finalmente te beijei e as camadas de roupa iam caindo pelo chão, já tínhamos caído em tentação e não havia como nos livrarmos deste mal.

Num apartamento vazio, a acústica amplificava as nossas ânsias, ecoando cada gemido, enquanto éramos apenas um homem e uma mulher enredados nesta estranha teia de paixão, banhados pela sombra do pecado.
Nessa noite fomos tudo o que queríamos ser. Tu ser apenas a Rita, e eu apenas o Sérgio. E fazer tudo o que há muito queríamos fazer.

Mas depois da noite, veio agora a manhã. E a luz do dia ilumina agora a nossa vergonha. Com o pudor indesculpável que veio após tantas horas de pecado, não nos tocamos, mal nos olhamos, vestimo-nos de costas um para o outro. Prendes o cabelo num rabo-de-cavalo, ajeitas a roda da saia, apertas o casaco de malha e dizes, quase num sussurro:
- É melhor tão cedo não voltar à paróquia, padre Sérgio.
- Estás bem?
- Estou. Não se preocupe. Foi bonito. Adeus, padre Sérgio.
Já caminhas rumo à porta, quando digo:
- Adeus, Rita.

 Fecho a porta à chave, com a alma pesada com uma pedra, como se tudo ficasse encerrado naquelas paredes. Podia ser este o pecado perfeito, se não soubesse que Deus foi testemunha e que tenho muito para expiar. Estarei envergonhado do que fiz ou atacado pela culpa de um condenado? Não sei ainda o que vou fazer a seguir, só sei que se caí em desgraça, ainda bem que foi por causa do sorriso da Rita.



  

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